Pular para o conteúdo principal

Uma história de Natal atrasada e os
votos de feliz 2007 a todos os leitores

A história que vai abaixo é verídica, com os nomes das personagens devidamente trocados.

Joana é uma menina feliz: estuda em um dos colégios da elite paulistana, tem um quarto repleto de brinquedos, é sócia de um belo clube e passa as férias entre a fazenda da família da mãe e a casa de praia da família do pai.

Neste fim de ano, com o início das férias escolares, Joana recebeu a visita de Luiza, a filha empregada que trabalha em sua casa. Como provavelmente não tinha com quem deixar a filhota, Dalva, a empregada, passou a trazê-la, dia sim, dia não, para a casa da patroa. Na antevéspera do Natal, já bem tarde, o pai de Joana atende o telefone. É Dalva, um pouco aflita, que lhe pede um favor. Nada demais, apenas que guardasse o brinquedo que Luiza havia esquecido, para que na manhã seguinte Joana e seu irmão Teodoro não o quebrassem. Dalva temia que os dois não soubessem muito bem como ligar o laptop da Xuxa de sua filha Luiza.

O pai, meio perplexo, assentiu e foi guardar o brinquedo. Joana tem muita coisa, mas de fato ainda não ganhou o tal computadorzinho. Nas boas lojas do ramo, custa R$ 250 à vista e os pais de Joana até tinham pensado em comprá-lo, mas acharam o preço salgado.

Dalva provavelmente comprou o laptop em muitas prestações, quem sabe em 48 ou 36, pois ganha R$ 500 por mês e certamente não usaria metade do salário para dar o presente à filha. Pagando em tantas prestações, o brinquedo certamente saiu pelo menos o dobro do que custaria à vista. Desta forma, porém, a prestação ficou entre R$ 10 e R$ 13 e coube no apertado orçamento de Dalva. Pode parecer pouco, mas, como diz a propaganda do esperto cartão de crédito, para Luiza, ter levado à casa onde sua mãe trabalha um brinquedo que a filha da patroa não possui simplesmente não tem preço.

Tucanos de bico longo torcem o nariz para essas coisas. Diriam que os pobres estão sendo explorados ao pagar por um brinquedo o dobro do que pagariam os ricos. Como diriam os americanos: bullshit. Na verdade, a elite se incomoda com o acesso dos pobres a bens e serviços que ela julgava exclusivos da sua própria classe. A cantilena não muda nunca: o povaréu pode sim ter acesso a tais "luxos", mas é preciso fazer o bolo crescer antes de dividi-lo.

De fato, o argumento não se sustenta e o presidente Lula percebeu o anseio do povão – basicamente, por bens de consumo. O governo atual vem trabalhando para aumentar as possibilidade de acesso a esses bens, seja via expansão do crédito, seja via recuperação do salário mínimo ou programas sociais, como o Bolsa Família. Lula se reelegeu em grande medida por causa disto. Foi gente como Dalva, com a auto-estima em alta, que deu um voto de confiança no presidente. Pragmáticos, as milhares de Dalvas e Luizas não esperam um "governo de esquerda", mas apenas novas chances de ter, ainda nesta encarnação e não na que os tucanos gostam de prometer, alguns dos confortos que a burguesia já conhece faz muito tempo.

O pessoal do PSOL também não gosta muito de ver as coisas desta maneira. Acham tudo isto uma grande armadilha, engendrada talvez nos gabinetes de Washington com o intuito de perpetuar o capitalismo no Brasil. Certamente estão com a razão, mas o problema é que para a menina Luiza o socialismo pode chegar tarde demais. Já o laptop da Xuxa, que a filha da patroa de sua mãe não tem, esse já está garantido. Talvez tenha por isto que Geraldo Alckmin e Heloísa Helena ficaram falando sozinhos e o presidente acabou se reelegendo...

Por hoje é tudo, se não fosse pouco! Bom ano novo a todos os que tiveram a paciência de acompanhar essas Entrelinhas em 2006. O blog faz uma breve pausa e volta a atualizar dia 2. Até 2007, portanto.

Comentários

  1. Quero prabenizar pelo blog.
    Para qu m blog sobreviva, deve sempre estar atualizadíssimo!!! E este sempre está!!!



    Abração!!!


    www.bahcaroco.blogspot.com

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Um pai

Bruno Covas, prefeito de São Paulo, morreu vivendo. Morreu criando novas lembranças. Morreu não deixando o câncer levar a sua vontade de resistir.  Mesmo em estado grave, mesmo em tratamento oncológico, juntou todas as suas forças para assistir ao jogo do seu time Santos, na final da Libertadores, no Maracanã, ao lado do filho.  Foi aquela loucura por carinho a alguém, superando o desgaste da viagem e o suor frio dos remédios.  Na época, ele acabou criticado nas redes sociais por ter se exposto. Afinal, o que é o futebol perto da morte?  Nada, mas não era somente futebol, mas o amor ao seu adolescente Tomás, de 15 anos, cultivado pela torcida em comum. Não vibravam unicamente pelos jogadores, e sim pela amizade invencível entre eles, escreve Fabrício Carpinejar em texto publicado nas redes sociais. Linda homenagem, vale muito a leitura, continua a seguir.  Nos noventa minutos, Bruno Covas defendia o seu legado, a sua memória antes do adeus definitivo, para que s...

Dica da Semana: Tarso de Castro, 75k de músculos e fúria, livro

Tom Cardoso faz justiça a um grande jornalista  Se vivo estivesse, o gaúcho Tarso de Castro certamente estaria indignado com o que se passa no Brasil e no mundo. Irreverente, gênio, mulherengo, brizolista entusiasmado e sobretudo um libertário, Tarso não suportaria esses tempos de ascensão de valores conservadores. O colunista que assina esta dica decidiu ser jornalista muito cedo, aos 12 anos de idade, justamente pela admiração que nutria por Tarso, então colunista da Folha de S. Paulo. Lia diariamente tudo que ele escrevia, nem sempre entendia algumas tiradas e ironias, mas acompanhou a trajetória até sua morte precoce, em 1991, aos 49 anos, de cirrose hepática, decorrente, claro, do alcoolismo que nunca admitiu tratar. O livro de Tom Cardoso recupera este personagem fundamental na história do jornalismo brasileiro, senão pela obra completa, mas pelo fato de ter fundado, em 1969, o jornal Pasquim, que veio a se transformar no baluarte da resistência à ditadura militar no perío...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...