Pular para o conteúdo principal

Lula no centro: brincadeira e realidade

A declaração do presidente Lula sobre o seu próprio posicionamento no cenário político – ele reconhece estar cada vez mais ao centro – já causou grande celeuma entre intelectuais e políticos de esquerda. O ex-deputado Plínio Sampaio foi quem melhor resumiu a questão: para ele, a novidade não foi Lula se declarar centrista, mas ter colocado a discussão em termos médicos – o presidente relacionou a "guinada à direita" com a maturidade de seus 60 anos.

Lula é um político esperto e uma pessoa com grande senso de humor, embora também se irrite com facilidade, especialmente quando contrariado. A declaração sobre o "adeus à esquerda" era uma gozação das mais escrachadas, que lembrou a resposta do próprio Lula quando questionado se era comunista: "Não", disse ele, "sou torneiro mecânico". Vários bons jornalistas, no entanto, levaram a sério a brincadeira e até escreveram artigos profundos sobre a nova polêmica. Tudo não passa de uma grande bobagem e um bom jeito que o presidente arruma para criar fatos políticos e desviar a atenção para o impasse sobre as medidas que serão tomadas para alavancar o crescimento econômico.

Ora, é óbvio que Lula e o PT têm caminhado para o centro, a julgar pelo que já defenderam no passado. E não é de hoje, isto vem desde 1994 e se acentuou à medida que os petistas foram conquistando prefeituras e governos estaduais. A brincadeira do presidente foi com a turma dos que já passaram dos sessenta, que vai do entusiasmado Plínio ao quase centenário Oscar Niemeyer, mas também é óbvio que Lula quis passar um recadinho. Ninguém da esquerda deve esperar um segundo mandato tão mais "esquerdista" do que o primeiro, porque ele não está disposto ou julga que não tem força política suficiente para executar um programa com este caráter nos próximos quatro anos. Portanto, o que vem pela frente deve ser mais do mesmo, com talvez algum desafogo no superávit primário, um pouco mais de crescimento e distribuição de renda. Mas nada excepcional, como sempre sonharam tantos petistas e militantes da esquerda brasileira.

Do ponto de vista da esquerda radical, é fácil criticar a opção de Lula. Alguns, como Heloísa Helena, centram a crítica na questão moral: ele não fez e não fará um governo de esquerda porque é um corrupto e está cercado de corruptos. Outros quadros do próprio PSOL da senadora discordam e preferem argumentar que Lula não faz porque lhe falta coragem e envergadura moral para enfrentar o desafio da ruptura com a burguesia nacional. É uma hipótese melhor, mas ainda insuficiente.

Este blog, porém, discorda dos radicais e acredita que Lula não faz um governo de esquerda porque a correlação de forças que levou por duas vezes o PT ao poder é muito mais desfavorável do que julgam esses analistas. Ao contrário da Venezuela, onde o povão empurra Chávez para a esquerda, no Brasil o carisma do presidente é que levou o povão a manter sua popularidade em alta nos períodos mais agudos da crise política do ano passado. Foi também a "guinada à direita" do PT e de Lula que permitiu a aceitação, por uma parte das classes médias e altas, da chegada dos petistas ao poder. Outra parcela dessas mesmas classes, como bem sabe que lê a revista Veja, não aceita nada disto e gostaria mesmo de ver Lula e os barbudinhos sindicalistas que tomaram conta de Brasília no chão da fábrica, de macacão.

Assim, se o presidente realmente radicalizasse, este blog tem o palpite de que não completaria uma primavera no poder. O que Lula faz no governo é o que de certa forma sempre se propôs a fazer quando sindicalista: conciliar capital e trabalho, tentando obter vantagens para o lado mais fraco. É pouco? Para o pessoal do PSOL, é pouco, mas para quem não tinha bolsa família, não comia três vezes por dia, apanhava da polícia nos assentamentos de beira de estrada, talvez também não seja suficiente, mas pelo menos permite sonhar e viver um mundo bem menos difícil do que se vivia com os tucanos e pefelês no poder.

Comentários

  1. Louvável seu esforço de "salvar a face" do Lula nessas declarações desastradas, mas eu não votei no "centrão", detesto preconceito contra idoso, e detesto mais ainda presidente que fala o que o público específico quer ouvir. Ou ele tem coerência ou é um banana. Não me convenceste, Luiz, tenta outra.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe