O avanço dos testes da vacina contra a Covid-19 no país faz aumentar o debate sobre a eficácia do tratamento e voluntários se tornam influenciadores nas redes sociais, escreve Carolina Mazzi na edição desta semana da revista Época. Continua a seguir.
A anestesista carioca Bárbara Pinto, de 45 anos, nem tinha tomado a primeira dose da vacina contra a Covid-19 quando começou a receber ligações de vizinhos pedindo que “não entrasse no estudo”. Ao interfone, eles alardeavam medos e inseguranças. Antecipadamente, sentenciavam a ineficácia do imunizante em teste e afirmavam que a médica seria responsável por “contaminar outras pessoas do prédio”. Bárbara ainda nem tinha contado aos mais próximos sobre o assunto quando, diante da confusão, resolveu tornar pública a experiência de cobaia. “Era tanta desinformação que resolvi, quando tomei a dose, expor a experiência nas redes sociais, mostrando a seriedade do processo e os protocolos de segurança para combater fake news que se espalham”, disse a anestesista.
Bárbara não se vê como influenciadora digital, mas faz de suas redes um canal para se posicionar no debate virtual. Num ambiente polarizado, onde a discussão sobre a pandemia virou palco político, ela, ao lado de outros profissionais de saúde que se apresentaram como voluntários para tomar uma das quatro vacinas em teste no Brasil, abriram seus perfis pessoais para tentar influenciar com informações sobre o avanço da pesquisa no país.
O reumatologista Fábio Jennings, de 47 anos, voluntário do imunizante desenvolvido pela Universidade de Oxford, fez de seu Instagram um balcão para tirar dúvidas. No dia 2 de setembro, ele publicou uma foto logo depois de tomar a segunda dose. Nos comentários, questionado, explicou que a primeira injeção causou dor por alguns dias, mas que não teve outras reações.
Outra seguidora quis saber se estava tendo o efeito esperado. Ele respondeu que os resultados preliminares eram animadores. O médico ainda alertou sobre a necessidade de manter os cuidados de prevenção, mesmo depois de participar do teste. “A maior parte das pessoas nem sabe como o ensaio clínico funciona, não sabe do grupo de controle, acha que quem tomou a vacina está protegido. Eu posso não estar imunizado”, explicou o reumatologista. Ele vai ficar mais dois anos sendo acompanhado por pesquisadores para a análise dos efeitos a longo prazo.
Assim que os testes da vacina de Oxford foram suspensos no Reino Unido, o reumatologista Fábio Jennings, voluntário no Brasil, foi às redes explicar que a situação era normal. Foto: Montagem sobre reprodução
Quando Oxford suspendeu os testes em razão de uma suspeita de reação adversa grave em um voluntário no Reino Unido, Jennings foi às redes desmistificar o problema. Ele fez postagens esclarecendo como funcionam os ensaios clínicos e como a transparência em relação a essa reação é importante. Em uma das imagens, ele explicou que a fase 3 é um processo fundamental exatamente por mostrar que efeitos podem ter as vacinas quando aplicadas em grandes grupos, mas ponderou que a reação do paciente no Reino Unido foi pontual e era “até esperada”. “Eles analisaram as predisposições dos voluntários e perceberam que aquele efeito adverso estava dentro do escopo dos procedimentos de tantas outras vacinas. Há sempre um pequeno número de pessoas que serão afetadas, mas elas estavam dentro do grupo estatístico esperado. A transparência deles me fez mais confiante no processo, pois percebemos, como cientistas, o comprometimento com a informação ao público”, disse. Os testes com o imunizante inglês foram retomados nesta semana depois que os pesquisadores não identificaram uma relação direta com a vacina.
Tomar ou não a vacina chinesa, russa, do político A ou do político B tem impulsionado o debate nas redes e influenciado Bárbara, Jennings e outros profissionais de saúde a relatarem suas experiências e se tornarem influencers informais da vacina. “É importante que especialistas em saúde estejam dispostos a participar do debate on-line e publiquem conteúdo informativo, analítico, esclarecedor e desmentidos”, afirmou Tatiana Dourado, pesquisadora da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV DAPP).
Em Ribeirão Preto, analistas ligados à União Pró-Vacina (UPVacina), um grupo de instituições que têm relações com a Universidade de São Paulo (USP), identificaram um aumento de 383% em postagens com conteúdo falso ou distorcido sobre vacinas contra a Covid-19 no Facebook entre março e julho deste ano. Um outro estudo, conduzido pelo site Avaaz, mostrou que seis em cada dez internautas receberam algum tipo de fake news pelo WhatsApp durante a pandemia no país. “Há duas formas de impedir que esses conteúdos falsos se disseminem tão rapidamente. Uma são os mecanismos de controle das próprias plataformas, que de fato vêm sendo expandidos e ficando mais eficientes, mas que ainda não são o suficiente. A outra é aumentar o número de informações verídicas e comprovadas cientificamente nas redes, com conteúdo produzido por especialistas”, afirmou o pesquisador Gregório Fonseca, que estuda o comportamento de vídeos sobre vacina em redes sociais desde 2018 pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Os 16 mil seguidores do psiquiatra Arthur Danila transformaram as lives e as postagens do médico em um balcão de dúvidas sobre o tratamento. Foto: Montagem sobre reproduçãoOs 16 mil seguidores do psiquiatra Arthur Danila transformaram as lives e as postagens do médico em um balcão de dúvidas sobre o tratamento. Foto: Montagem sobre reprodução
A velocidade de propagação e engajamento de conteúdos falsos ligados às vacinas e a outros tratamentos de saúde foi quatro vezes maior do que a de informações provenientes de instituições como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, de acordo com um estudo global realizado pelo grupo Avaaz nos últimos dois anos. No Brasil, o impacto da desinformação foi constatado em uma pesquisa do Ibope de agosto. O levantamento mostra que um de cada quatro entrevistados não sabe se vai tomar a vacina, caso aprovada.
Hoje, no país, quatro estão na fase de testes. Além da imunizante de Oxford, há a chinesa Coronavac, a americana produzida pela Pfizer-Wyeth e uma europeia em desenvolvimento pela Johnson & Johnson. A russa Sputnik V poderá ser a quinta autorizada pela Anvisa. Antes mesmo de os testes começarem, nos últimos sete dias, a frase “a vacina russa é segura” foi a sexta mais pesquisada na plataforma no Brasil, quando usuários pesquisavam sobre o termo “vacina”.
Um dos voluntários da vacina com maior número de seguidores é o psiquiatra Arthur Danila, de 32 anos. Ele é um dos 9 mil voluntários da vacina que vem sendo desenvolvida pela China. O médico postou uma foto recebendo uma das doses no último dia 4. Imediatamente, parte dos 16 mil seguidores interagiram com ele. “Como pesquisador, fiquei positivamente surpreso com os protocolos de segurança da vacina e, por isso, resolvi fazer o post. Tomei os cuidados para passar apenas as informações já comprovadas cientificamente, porém, tenho receio de que os medos infundados da população possam levar a uma baixa adesão à vacina e a gente não consiga evitar novos surtos” afirmou Danila.
O engajamento desses novos influencers não tem restrições, de acordo com os responsáveis pelos testes consultados por ÉPOCA. Em caso de abuso ou irregularidades, pode haver fiscalização por entidades de classe, como o Conselho Federal de Medicina (CFM). O manual de ética da entidade médica restringe fazer publicidade ou divulgar, fora do meio científico, “processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente”. “É preciso cautela”, avaliou o presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM/PR), Roberto Issamu Yosida.
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