Para Regina Navarro Lins, a pandemia tem colocado em evidência a importância da individualidade para o sucesso dos relacionamentos. Confira a entrevista concedida para a repórter Fernanda Bassette, em texto publicado na edição desta semana da revista Época.
Prestes a lançar seu 13 livro em outubro, intitulado Amor na Vitrine, a psicanalista Regina Navarro Lins, 71 anos, afirma que o isolamento provocado pela pandemia tem forçado os casais a perceberem a importância da individualidade. E essa percepção pode estar motivando o alto número de divórcios.
“Muitos casais, que se encontravam rapidamente de manhã e depois só à noite, estão passando 24 horas por dia juntos, sete dias por semana. Espero que uma das mudanças seja perceber a importância do respeito à individualidade. É um livro para as pessoas refletirem sobre as crenças e se livrarem do moralismo e dos preconceitos. Só assim poderão viver com mais satisfação”, disse, em entrevista a ÉPOCA.
Segundo Regina, o desrespeito à individualidade de cada um se aprofunda com a convivência 24 horas por dia provocada pela pandemia, e acaba colocando as relações em xeque. “Você soma a isso o estresse, a redução do salário, o medo de perder o emprego, o fato de não poder sair e socializar. Nem todos os apartamentos têm quatro quartos para que cada um possa ter seu momento sozinho. É insustentável”.
Ela também vê o aumento da violência doméstica também como efeito da convivência exacerbada, somada à mentalidade patriarcal da sociedade. “Num ambiente fechado, com o estresse do momento, 24 horas por dia, esse problema acaba aumentando. Isso só vai mudar quando houver uma real reflexão de que isso é uma mentalidade patriarcal e começarmos a discutir o assunto nas escolas, desde o jardim da infância. A gente vem de uma cultura patriarcal há 5 mil anos, com a mentalidade de que a mulher é inferior ao homem. E se a mulher hoje deixar de ser submissa e serviçal, isso pode, sim, provocar aumento da violência. Só existem duas razões para alguém não ser feminista — e homens também devem ser feministas: desconhecimento total da história ou não se importar com as mulheres serem espancadas e assassinadas todos os dias”.
SETE PERGUNTAS PARA A PSICANALISTA REGINA NAVARRO LINS
1. Nos últimos 25 anos a senhora tem se dedicado a atender pacientes para debater relações amorosas. As pessoas têm aprendido a criar menos expectativas em relação à pessoa amada?
O amor romântico está dando sinais de sair de cena, pois a busca contemporânea é a busca da individualidade — e o amor romântico prega o oposto. Meu novo livro, Amor na vitrine, que eu lançarei em outubro, fala justamente das relações contemporâneas, e cada vez mais vejo que as pessoas estão se desligando desse amor romântico. Nós somos bombardeados desde que nascemos com crenças equivocadas. Fomos regidos pelo amor romântico, e em cada período da história ele se apresenta de uma forma. Ele começou no século XII e passou a ser uma possibilidade no século XIX, depois da Revolução Industrial. Mas ele entrou para valer na vida das pessoas a partir dos anos 1940, com os filmes de Hollywood. Ele é muito prejudicial, pois prega a idealização, a fusão do casal, a transformação dos dois em uma pessoa só. Você não conhece a pessoa, mas atribui a ela características que você queria que ela tivesse.
2. De que forma o amor romântico está saindo de cena?
A mudança de mentalidade está acontecendo de forma lenta e gradual. Acredito que daqui a algumas décadas haverá relações abertas, livres e múltiplas, no sentido de amarmos duas, três pessoas ao mesmo tempo. Quando eu digo que o amor romântico está saindo de cena é porque vejo que cada vez menos pessoas procuram isso, menos pessoas idealizam o casamento, menos pessoas sonham em encontrar o parceiro ideal, sua alma gêmea. O maior problema do amor romântico é o desrespeito à individualidade do outro, e hoje em dia tenho visto muitas mulheres proporem a abertura da relação. Imagine se na década de 1950-60 alguém dissesse que dali a algumas décadas as pessoas poderiam se separar e não ter problema nenhum. Diriam que a pessoa estava louca, pois naquele período a separação era uma tragédia familiar, os filhos eram discriminados, a mulher era considerada uma vagabunda.
3. Seu novo livro, Amor na vitrine, é um apanhado de tudo que a senhora estudou ao longo das últimas décadas. Mas não contempla as possíveis mudanças comportamentais que podem decorrer da pandemia do novo coronavírus. Por quê?
Porque ainda vamos precisar de algum tempo para avaliar o que a pandemia alterou nas relações amorosas. Muitos casais, que se encontravam rapidamente de manhã e depois só à noite, estão passando 24 horas por dia juntos, sete dias por semana. Espero que uma das mudanças seja perceber a importância do respeito à individualidade. É um livro para as pessoas refletirem sobre as crenças e se livrarem do moralismo e dos preconceitos. Só assim poderão viver com mais satisfação.
4. A senhora acha que o uso de aplicativos de paquera, que muitas vezes transformam os encontros sexuais entre desconhecidos em algo corriqueiro, é um sinal de evolução das relações ou de retrocesso?
São uma evolução no sentido de possibilitar que as pessoas se conheçam com mais facilidade. É uma mudança. No século XIX, as pessoas se conheciam na igreja e tinham de pedir autorização dos pais para namorar. No início do século XX houve uma grande novidade: a chegada do automóvel e do telefone o que possibilitou o encontro marcado. Nesse período, as pessoas passaram a se conhecer por meio dos amigos, nas baladas. O século XXI é marcado pelos aplicativos. As pessoas se conhecem, namoram, às vezes casam. Tem facilitado muito as relações.
5. No consultório, qual é o maior problema entre casais?
O sexo no casamento. Eu recebo várias pacientes que dizem que amam o companheiro, que é o melhor pai, o melhor amigo, mas que elas não sentem vontade de fazer sexo. É impressionante. Tenho uma paciente que está casada há 15 anos e não faz sexo há oito. Não adianta nada acreditarmos em pessoas que dizem “tem de ter criatividade”. É uma grande mentira. O tesão é que leva à criatividade, e não o contrário. Se você tiver tesão, vai ficar cheia de ideias. E por que o tesão acaba? Porque esse modelo de casamento é totalmente equivocado, baseado no controle, na possessividade, no ciúme, no desrespeito à individualidade. Para ter tesão é preciso ter um mínimo de distância, de mistério.
6. Durante a quarentena temos visto duas situações opostas: ex-casais que voltaram a viver juntos por questões econômicas e até emocionais e aumento no número de divórcios. Como a senhora avalia isso?
Os casais estão se divorciando porque não suportam mais conviver 24 horas com o companheiro, estão sufocados. Antes da quarentena, os casais acordavam, tomavam café, iam para o trabalho, almoçavam com os amigos, chegavam, iam para a academia, jantavam e aí iam conviver. Agora são 24 horas por dia, sete dias por semana. Muitos estão dividindo a mesma mesa da sala para fazer o home office. E isso acaba se tornando um problema, porque já não se respeita a individualidade em situações normais, menos ainda numa situação de isolamento. Você soma a isso o estresse, a redução do salário, o medo de perder o emprego, o fato de não poder sair e socializar. Nem todos os apartamentos têm quatro quartos para que cada um possa ter seu momento sozinho. É insustentável. Já os casais que voltam a viver juntos para ajudar um ao outro por questões econômicas ou sociais é algo temporário, um efeito da pandemia.
7. Em sua avaliação, o fortalecimento da mulher (e do feminismo) na estrutura social pode estar motivando uma onda maior de violência e feminicídio?
O aumento da violência na pandemia acontece quando o homem desconta na mulher, que é mais frágil, suas frustrações. Num ambiente fechado, com o estresse do momento, 24 horas por dia, esse problema acaba aumentando. Isso só vai mudar quando houver uma real reflexão de que isso é uma mentalidade patriarcal e começarmos a discutir o assunto nas escolas, desde o jardim da infância. A gente vem de uma cultura patriarcal há 5 mil anos, com a mentalidade de que a mulher é inferior ao homem. E se a mulher hoje deixar de ser submissa e serviçal, isso pode, sim, provocar aumento da violência. Só existem duas razões para alguém não ser feminista — e homens também devem ser feministas: desconhecimento total da história ou não se importar com as mulheres serem espancadas e assassinadas todos os dias.
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