Um e-mail simples e aparentemente burocrático disparado na última segunda-feira para procuradores do Ministério Público Federal (MPF) no Paraná despertou pouco interesse em quase todos que leram a mensagem. Nele, o procurador-chefe substituto Daniel Holzmann Coimbra perguntava se alguém gostaria de realizar uma troca interna e assumir o 15º Ofício de Combate à Corrupção. Pareceria um ato meramente corriqueiro na rotina de um órgão público, não fosse por um grande detalhe: essa permuta significaria a troca no comando da maior investigação de combate à corrupção da história recente do Brasil. Esse ofício era ocupado até então pelo procurador Deltan Dallagnol e substituí-lo significaria assumir a coordenação da força-tarefa da Lava Jato de Curitiba, conduzida por ele desde seu início, em 2014, escreve Aguirre Talento na edição desta semana da revista Época. Continua a seguir.
Para além da exposição midiática que teria o novo coordenador, assumir essa missão significava herdar uma carga de trabalho hercúlea: mais de 400 investigações em andamento, 25 denúncias oferecidas recentemente e que demandariam respostas a infinitos pedidos de advogados e participações em audiências, análise de documentação apreendida em 11 fases recentes da operação e milhares de manifestações judiciais. Significaria dedicação exclusiva ao caso e, consequentemente, a impossibilidade de bonificações salariais por meio da substituição temporária dos ofícios dos demais colegas. Tudo isso sob o risco iminente de o procurador-geral da República, Augusto Aras, decidir reduzir ou até mesmo acabar com a força-tarefa, o que deixaria o sucessor de Dallagnol sozinho para lidar com todo esse acervo.
Aquele e-mail, portanto, não era exatamente uma oferta de trabalho atrativa. Diante disso, somente um procurador respondeu positivamente à mensagem e se dispôs a encarar a missão: Alessandro José Fernandes de Oliveira, que já auxiliava o grupo de trabalho (GT) da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República (PGR), foi anunciado na terça-feira como a nova face da Operação Lava Jato. Descrito como extremamente discreto, técnico e ponderado, Oliveira é avesso a redes sociais e à exposição midiática, estilo bem diferente de Dallagnol. Mas essa substituição começara a ser articulada na semana anterior.
Na quinta-feira, Oliveira recebeu um telefonema inesperado de Dallagnol. Sem antecipar nenhum detalhe, o então coordenador da Lava Jato perguntou se o colega teria algum interesse em assumir seu ofício no MPF do Paraná e, consequentemente, a operação. “É uma pergunta sem compromisso”, disse Dallagnol, que ainda não estava convicto sobre deixar o posto. Outros procuradores da área criminal também foram sondados, mas só Oliveira se empolgou com a ideia. Ele, porém, ainda precisaria pensar sobre o assunto e conversar com sua família. Dallagnol faria o mesmo nas horas seguintes.
Era um dia difícil e que exigia decisões rápidas do então coordenador da Lava Jato. Mais cedo, antes daquele telefonema, Dallagnol, acompanhado por sua mulher, foi levar sua filha de 1 ano e 10 meses a um neurologista. Estavam preocupados com dificuldades no desenvolvimento cognitivo do bebê. Apesar de ainda não terem recebido um diagnóstico exato, o neurologista fez recomendações de exames e tratamentos que exigiriam uma “dedicação muito intensa” a ela. Dallagnol imediatamente pensou que era chegada a hora de se afastar da Lava Jato, decisão que até então não estava em seu horizonte. Não seria possível conciliar toda a carga de trabalho da operação com os cuidados à filha. Para resolver rapidamente a situação, naquele mesmo dia ele telefonou para Oliveira, a quem considerava um procurador experiente, respeitado e com plenas condições de dar prosseguimento ao caso. Depois de conversar com sua mulher sobre o assunto naquela noite, Dallagnol bateu o martelo: era a hora de sair.
Oliveira só teve segurança para tomar essa decisão após um novo telefonema a Dallagnol, no dia seguinte. Quando percebeu que o colega tinha sérios motivos de ordem pessoal que demandavam que deixasse a função, sem se tratar de pressões políticas ou algo do tipo, Oliveira lhe disse que topava realizar a troca. “Eu já participava do grupo da PGR e, entusiasmado que sou com a Lava Jato, decidi aceitar”, disse a ÉPOCA. Seu nome já havia sido bem recebido pelos 13 outros integrantes da força-tarefa. Mais cedo naquela sexta-feira, Dallagnol fez uma videoconferência com seus parceiros de trabalho e explicou a situação da filha. Disse que precisava sair e apontou o nome de Oliveira como seu possível substituto. “Toda a equipe entendeu a situação e apoiou a decisão dele de sair, não tinha como ser diferente”, comentou um procurador.
Experiente na área criminal, Alessandro Oliveira ingressou na função de membro auxiliar da Lava Jato na PGR em janeiro de 2018, durante a gestão de Raquel Dodge. Foi responsável por um projeto pioneiro lançado em 2019: o Sistema de Monitoramento de Colaborações (Simco), que permite acompanhar o cumprimento das delações premiadas assinadas pela PGR.
Oliveira acumulava os trabalhos de auxílio à PGR com seu ofício de procurador em Curitiba, onde continuou baseado. A sala do GT da Lava Jato em Brasília tinha uma mesa com um computador para seu uso, mas ele ia pouco ao local. Durante a gestão de Dodge, ele participou dos dois acordos de delação feitos pela Lava Jato de Curitiba, o do lobista Jorge Luz e o do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro. Foi por causa deste último caso, inclusive, que Oliveira deixou o posto. Em setembro de 2019, os procuradores do grupo discordaram de uma manifestação de Dodge que pediu o arquivamento preliminar de quatro anexos da delação de Léo Pinheiro, sem permitir ao menos que a investigação fosse iniciada. Diante da “grave incompatibilidade” entre a opinião deles e a da chefe, todos pediram demissão de suas funções na PGR, incluindo Oliveira.
Durante a transição para a gestão de Aras, o procurador-geral da República interino Alcides Martins convidou os antigos integrantes do GT da Lava Jato para retornarem a seus postos. Alessandro Oliveira também voltou a sua função. Por ir poucas vezes a Brasília, ele nunca se encontrou com Aras pessoalmente e teve pouco contato com a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, que protagonizou um embate com a força-tarefa ao ir pessoalmente a Curitiba pedir acesso às bases de dados sigilosos da operação. A ação deflagrou uma crise entre a PGR e as forças-tarefas, que culminou em um novo pedido de demissão coletiva dos procuradores que atuavam na Lava Jato da PGR. Ao decidirem pedir demissão, no fim de junho, eles conversaram por telefone com Oliveira. Segundo relatos, Oliveira se sentiu desconfortável com a ação de Lindôra, mas decidiu permanecer na função de auxílio à PGR porque estava trabalhando em um projeto de expansão do sistema Simco. Seus colegas apoiaram sua escolha.
Na terça-feira, depois de oficializada a permuta, Oliveira telefonou para Lindôra e lhe avisou que precisaria deixar a função auxiliar à PGR para se dedicar à coordenação da força-tarefa. Ela agradeceu ao procurador e desejou sorte na nova missão. Em entrevista à GloboNews no mesmo dia, Oliveira definiu a mudança como “o maior desafio” de sua carreira de procurador e defendeu a continuidade das investigações. “Sua finalização é algo definitivamente impossível de ser previsto. Mas me parece que ainda há um grande potencial, um fôlego para mais 70 vezes 700 fases na Operação Lava Jato. Vontade para isso não me falta”, afirmou.
Para além da exposição midiática que teria o novo coordenador, assumir essa missão significava herdar uma carga de trabalho hercúlea: mais de 400 investigações em andamento, 25 denúncias oferecidas recentemente e que demandariam respostas a infinitos pedidos de advogados e participações em audiências, análise de documentação apreendida em 11 fases recentes da operação e milhares de manifestações judiciais. Significaria dedicação exclusiva ao caso e, consequentemente, a impossibilidade de bonificações salariais por meio da substituição temporária dos ofícios dos demais colegas. Tudo isso sob o risco iminente de o procurador-geral da República, Augusto Aras, decidir reduzir ou até mesmo acabar com a força-tarefa, o que deixaria o sucessor de Dallagnol sozinho para lidar com todo esse acervo.
Aquele e-mail, portanto, não era exatamente uma oferta de trabalho atrativa. Diante disso, somente um procurador respondeu positivamente à mensagem e se dispôs a encarar a missão: Alessandro José Fernandes de Oliveira, que já auxiliava o grupo de trabalho (GT) da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República (PGR), foi anunciado na terça-feira como a nova face da Operação Lava Jato. Descrito como extremamente discreto, técnico e ponderado, Oliveira é avesso a redes sociais e à exposição midiática, estilo bem diferente de Dallagnol. Mas essa substituição começara a ser articulada na semana anterior.
Na quinta-feira, Oliveira recebeu um telefonema inesperado de Dallagnol. Sem antecipar nenhum detalhe, o então coordenador da Lava Jato perguntou se o colega teria algum interesse em assumir seu ofício no MPF do Paraná e, consequentemente, a operação. “É uma pergunta sem compromisso”, disse Dallagnol, que ainda não estava convicto sobre deixar o posto. Outros procuradores da área criminal também foram sondados, mas só Oliveira se empolgou com a ideia. Ele, porém, ainda precisaria pensar sobre o assunto e conversar com sua família. Dallagnol faria o mesmo nas horas seguintes.
Era um dia difícil e que exigia decisões rápidas do então coordenador da Lava Jato. Mais cedo, antes daquele telefonema, Dallagnol, acompanhado por sua mulher, foi levar sua filha de 1 ano e 10 meses a um neurologista. Estavam preocupados com dificuldades no desenvolvimento cognitivo do bebê. Apesar de ainda não terem recebido um diagnóstico exato, o neurologista fez recomendações de exames e tratamentos que exigiriam uma “dedicação muito intensa” a ela. Dallagnol imediatamente pensou que era chegada a hora de se afastar da Lava Jato, decisão que até então não estava em seu horizonte. Não seria possível conciliar toda a carga de trabalho da operação com os cuidados à filha. Para resolver rapidamente a situação, naquele mesmo dia ele telefonou para Oliveira, a quem considerava um procurador experiente, respeitado e com plenas condições de dar prosseguimento ao caso. Depois de conversar com sua mulher sobre o assunto naquela noite, Dallagnol bateu o martelo: era a hora de sair.
Oliveira só teve segurança para tomar essa decisão após um novo telefonema a Dallagnol, no dia seguinte. Quando percebeu que o colega tinha sérios motivos de ordem pessoal que demandavam que deixasse a função, sem se tratar de pressões políticas ou algo do tipo, Oliveira lhe disse que topava realizar a troca. “Eu já participava do grupo da PGR e, entusiasmado que sou com a Lava Jato, decidi aceitar”, disse a ÉPOCA. Seu nome já havia sido bem recebido pelos 13 outros integrantes da força-tarefa. Mais cedo naquela sexta-feira, Dallagnol fez uma videoconferência com seus parceiros de trabalho e explicou a situação da filha. Disse que precisava sair e apontou o nome de Oliveira como seu possível substituto. “Toda a equipe entendeu a situação e apoiou a decisão dele de sair, não tinha como ser diferente”, comentou um procurador.
Experiente na área criminal, Alessandro Oliveira ingressou na função de membro auxiliar da Lava Jato na PGR em janeiro de 2018, durante a gestão de Raquel Dodge. Foi responsável por um projeto pioneiro lançado em 2019: o Sistema de Monitoramento de Colaborações (Simco), que permite acompanhar o cumprimento das delações premiadas assinadas pela PGR.
Oliveira acumulava os trabalhos de auxílio à PGR com seu ofício de procurador em Curitiba, onde continuou baseado. A sala do GT da Lava Jato em Brasília tinha uma mesa com um computador para seu uso, mas ele ia pouco ao local. Durante a gestão de Dodge, ele participou dos dois acordos de delação feitos pela Lava Jato de Curitiba, o do lobista Jorge Luz e o do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro. Foi por causa deste último caso, inclusive, que Oliveira deixou o posto. Em setembro de 2019, os procuradores do grupo discordaram de uma manifestação de Dodge que pediu o arquivamento preliminar de quatro anexos da delação de Léo Pinheiro, sem permitir ao menos que a investigação fosse iniciada. Diante da “grave incompatibilidade” entre a opinião deles e a da chefe, todos pediram demissão de suas funções na PGR, incluindo Oliveira.
Durante a transição para a gestão de Aras, o procurador-geral da República interino Alcides Martins convidou os antigos integrantes do GT da Lava Jato para retornarem a seus postos. Alessandro Oliveira também voltou a sua função. Por ir poucas vezes a Brasília, ele nunca se encontrou com Aras pessoalmente e teve pouco contato com a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, que protagonizou um embate com a força-tarefa ao ir pessoalmente a Curitiba pedir acesso às bases de dados sigilosos da operação. A ação deflagrou uma crise entre a PGR e as forças-tarefas, que culminou em um novo pedido de demissão coletiva dos procuradores que atuavam na Lava Jato da PGR. Ao decidirem pedir demissão, no fim de junho, eles conversaram por telefone com Oliveira. Segundo relatos, Oliveira se sentiu desconfortável com a ação de Lindôra, mas decidiu permanecer na função de auxílio à PGR porque estava trabalhando em um projeto de expansão do sistema Simco. Seus colegas apoiaram sua escolha.
Na terça-feira, depois de oficializada a permuta, Oliveira telefonou para Lindôra e lhe avisou que precisaria deixar a função auxiliar à PGR para se dedicar à coordenação da força-tarefa. Ela agradeceu ao procurador e desejou sorte na nova missão. Em entrevista à GloboNews no mesmo dia, Oliveira definiu a mudança como “o maior desafio” de sua carreira de procurador e defendeu a continuidade das investigações. “Sua finalização é algo definitivamente impossível de ser previsto. Mas me parece que ainda há um grande potencial, um fôlego para mais 70 vezes 700 fases na Operação Lava Jato. Vontade para isso não me falta”, afirmou.
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