Da Newsletter da LAM Comunicação
Uma trama que honra o bom cinema argentino
Um grande filme que chegou na Netflix recentemente e merece ser assistido é o argentino Crimes de Família, dirigido por Sebastían Schindel, mesmo do suspense O Filho Protegido, também do canal de streaming, e roteiro do próprio diretor com Pablo del Teso. O enredo ágil e preciso prende o público durante todo o tempo que a fita dura e talvez seja o ponto alto de Crimes de Família, ao lado da atuação incrível de Cecilia Roth no papel de Alícia, mão de Daniel (Benjamín Amadeo).
Para resumir a trama, Daniel sempre foi um filho-problema, mas Alicia não pensa duas vezes quando recebe a notícia de que as denúncias de abuso e violência que a ex-mulher de seu filho fez contra ele por fim o levaram à prisão: ela tem segurança de que ele é inocente. Ignacio (Miguel Ángel Solá), o pai que se cansou das confusões com drogas e dinheiro do filho, por outro lado, tem certeza de que Daniel é culpado e tenta buscar com o advogado que assume o caso um acordo, que passaria necessariamente por uma confissão do filho. Alicia se recusa a admitir que esta pudesse ser a melhor solução para o caso e insiste em recursos para tirar Daniel da cadeia.
Com as audiências do caso Daniel se sucedendo no tribunal, outra personagem entra em cena: Gladys (Yanina Ávila, também em atuação espetacular), empregada doméstica humilde e devotada a Alicia e Ignacio, casal que cria o filho pequeno dela. Gladys também aparece na prisão e logo ficamos sabendo que também ela está respondendo por um crime grave, o de ter assassinado um segundo filho logo após ter dado à luz, em um banheiro da casa dos patrões.
A partir deste ponto, os dois casos vão se intercalando até chegar um momento em que eles se cruzam, pois existe um envolvimento surpreendente entre Daniel e Gladys (sem spoilers aqui). Deste momento em diante, Alicia começa a rever os seus sentimentos pelo filho, até chegar a um ponto de inflexão, sem retorno, após a saída dele da prisão, absolvido no caso.
No fundo, o que encanta em Crimes de Família é a história, baseada em fatos reais e absolutamente factível, se não fosse real. Poderia acontecer com qualquer família, brasileira inclusive, de classe média alta. Quem não conhece alguém que passou por algo semelhante? Um filho drogado, perdido na vida, que não se cansa de fazer besteiras até fazer uma mais grave – atropelar alguém bêbado, bater na mulher e filhos sob efeito de drogas, estuprar ou cometer ilícitos para conseguir o produto? É demasiadamente comum, corriqueiro, e isto nos faz ao mesmo tempo ter pena e raiva da mãe que o protege sem pestanejar. Por outro lado, como não torcer, em especial as mães de meninos, por Alicia em sua luta insana para livrar a cara do filho?
Nada, neste filme, é preto no branco, há muitas nuances, inclusive no percurso de Alicia até se convencer da culpa de Daniel e, novamente sem spoilers aqui, tomar as providências que toma, já abandonada pelo marido, que desiste de acompanhá-la na tentativa de salvar o filho.
Alicia, vale repetir, atuação sensacional de Cecilia Roth, digna de Oscar, é a personagem chave do filme e acompanhar suas mudanças é um convite à reflexão. O autor destas linhas não é mãe, mas é pai, e pais também são condescendentes com os filhos, embora o pai do filme não seja. A relação entre pais e filhos é a única definitiva, não há ponto de retorno, casamentos terminam, mas a paternidade e maternidade só acabam na morte, a menos que haja abandono parental, fenômeno infelizmente muito presente no Brasil.
De qualquer forma, o filme traz questões muito atuais e o faz de maneira inteligente e nada arrogante ou pretensiosa (a piada mandaria dizer que isto é algo raro no caso de um filme argentino). No fundo, assistir Crimes de Família é um pouco seguir uma história já conhecida, próxima, e reagir de acordo com o que se já viveu. Todos os grandes escritores já contaram histórias semelhantes, envolvendo mães e filhos, violência, afetos, projeções e idealizações irreais, coisas da vida. Argentinos gostam de Freud, talvez ele seja a maior referência deste filme. Vale muito a pena assistir, até porque em tempos de pandemia, quem tem família está isolado, em família. E quem não tem, deve estar saudoso desta instituição, tão burguesa, tão antiga, tão criticada por muitos, mas que persiste, embora agora bastante reinventada. Nesses tempos estranhos, Crimes de Família é excelente cinema, honra a tradição argentina, é uma fita para se ver com calma, talvez com um bom Catena Zapata, Malbec por certo. #ficaadica (por Luiz Antonio Magalhães em 5/9/2020)
Uma trama que honra o bom cinema argentino
Um grande filme que chegou na Netflix recentemente e merece ser assistido é o argentino Crimes de Família, dirigido por Sebastían Schindel, mesmo do suspense O Filho Protegido, também do canal de streaming, e roteiro do próprio diretor com Pablo del Teso. O enredo ágil e preciso prende o público durante todo o tempo que a fita dura e talvez seja o ponto alto de Crimes de Família, ao lado da atuação incrível de Cecilia Roth no papel de Alícia, mão de Daniel (Benjamín Amadeo).
Para resumir a trama, Daniel sempre foi um filho-problema, mas Alicia não pensa duas vezes quando recebe a notícia de que as denúncias de abuso e violência que a ex-mulher de seu filho fez contra ele por fim o levaram à prisão: ela tem segurança de que ele é inocente. Ignacio (Miguel Ángel Solá), o pai que se cansou das confusões com drogas e dinheiro do filho, por outro lado, tem certeza de que Daniel é culpado e tenta buscar com o advogado que assume o caso um acordo, que passaria necessariamente por uma confissão do filho. Alicia se recusa a admitir que esta pudesse ser a melhor solução para o caso e insiste em recursos para tirar Daniel da cadeia.
Com as audiências do caso Daniel se sucedendo no tribunal, outra personagem entra em cena: Gladys (Yanina Ávila, também em atuação espetacular), empregada doméstica humilde e devotada a Alicia e Ignacio, casal que cria o filho pequeno dela. Gladys também aparece na prisão e logo ficamos sabendo que também ela está respondendo por um crime grave, o de ter assassinado um segundo filho logo após ter dado à luz, em um banheiro da casa dos patrões.
A partir deste ponto, os dois casos vão se intercalando até chegar um momento em que eles se cruzam, pois existe um envolvimento surpreendente entre Daniel e Gladys (sem spoilers aqui). Deste momento em diante, Alicia começa a rever os seus sentimentos pelo filho, até chegar a um ponto de inflexão, sem retorno, após a saída dele da prisão, absolvido no caso.
No fundo, o que encanta em Crimes de Família é a história, baseada em fatos reais e absolutamente factível, se não fosse real. Poderia acontecer com qualquer família, brasileira inclusive, de classe média alta. Quem não conhece alguém que passou por algo semelhante? Um filho drogado, perdido na vida, que não se cansa de fazer besteiras até fazer uma mais grave – atropelar alguém bêbado, bater na mulher e filhos sob efeito de drogas, estuprar ou cometer ilícitos para conseguir o produto? É demasiadamente comum, corriqueiro, e isto nos faz ao mesmo tempo ter pena e raiva da mãe que o protege sem pestanejar. Por outro lado, como não torcer, em especial as mães de meninos, por Alicia em sua luta insana para livrar a cara do filho?
Nada, neste filme, é preto no branco, há muitas nuances, inclusive no percurso de Alicia até se convencer da culpa de Daniel e, novamente sem spoilers aqui, tomar as providências que toma, já abandonada pelo marido, que desiste de acompanhá-la na tentativa de salvar o filho.
Alicia, vale repetir, atuação sensacional de Cecilia Roth, digna de Oscar, é a personagem chave do filme e acompanhar suas mudanças é um convite à reflexão. O autor destas linhas não é mãe, mas é pai, e pais também são condescendentes com os filhos, embora o pai do filme não seja. A relação entre pais e filhos é a única definitiva, não há ponto de retorno, casamentos terminam, mas a paternidade e maternidade só acabam na morte, a menos que haja abandono parental, fenômeno infelizmente muito presente no Brasil.
De qualquer forma, o filme traz questões muito atuais e o faz de maneira inteligente e nada arrogante ou pretensiosa (a piada mandaria dizer que isto é algo raro no caso de um filme argentino). No fundo, assistir Crimes de Família é um pouco seguir uma história já conhecida, próxima, e reagir de acordo com o que se já viveu. Todos os grandes escritores já contaram histórias semelhantes, envolvendo mães e filhos, violência, afetos, projeções e idealizações irreais, coisas da vida. Argentinos gostam de Freud, talvez ele seja a maior referência deste filme. Vale muito a pena assistir, até porque em tempos de pandemia, quem tem família está isolado, em família. E quem não tem, deve estar saudoso desta instituição, tão burguesa, tão antiga, tão criticada por muitos, mas que persiste, embora agora bastante reinventada. Nesses tempos estranhos, Crimes de Família é excelente cinema, honra a tradição argentina, é uma fita para se ver com calma, talvez com um bom Catena Zapata, Malbec por certo. #ficaadica (por Luiz Antonio Magalhães em 5/9/2020)
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