Está muito interessante o artigo do escritor Ferréz sobre o assalto sofrido pelo apresentador Luciano Huck e que motivou um artigo do mauricinho para a Folha de S. Paulo. O artigo de Ferréz também saiu na FSP e traz a história do lado do "correria" que roubou o Rolex de Huck. Para entender a polêmica, o melhor é ler primeiro o artigo de Huck e depois do de Ferréz, reproduzido abaixo.
Pensamentos de um "correria"
FERRÉZ
ELE ME olha, cumprimenta rápido e vai pra padaria. Acordou cedo, tratou de acordar o amigo que vai ser seu garupa e foi tomar café. A mãe já está na padaria também, pedindo dinheiro pra alguém pra tomar mais uma dose de cachaça. Ele finge não vê-la, toma seu café de um gole só e sai pra missão, que é como todos chamam fazer um assalto.
Se voltar com algo, seu filho, seus irmãos, sua mãe, sua tia, seu padrasto, todos vão gastar o dinheiro com ele, sem exigir de onde veio, sem nota fiscal, sem gerar impostos.
Quando o filho chora de fome, moral não vai ajudar. A selva de pedra criou suas leis, vidro escuro pra não ver dentro do carro, cada qual com sua vida, cada qual com seus problemas, sem tempo pra sentimentalismo. O menino no farol não consegue pedir dinheiro, o vidro escuro não deixa mostrar nada.
O motoboy tenta se afastar, desconfia, pois ele está com outro na garupa, lembra das 36 prestações que faltam pra quitar a moto, mas tem que arriscar e acelera, só tem 20 minutos pra entregar uma correspondência do outro lado da cidade, se atrasar a entrega, perde o serviço, se morrer no caminho, amanhã tem outro na vaga.
Quando passa pelos dois na moto, percebe que é da sua quebrada, dá um toque no acelerador e sai da reta, sabe que os caras estão pra fazer uma fita.
Enquanto isso, muitos em seus carros ouvem suas músicas, falam em seus celulares e pensam que estão vivos e num país legal.
Ele anda devagar entre os carros, o garupa está atento, se a missão falhar, não terá homenagem póstuma, deixará uma família destroçada, porque a sua já é, e não terá uma multidão triste por sua morte. Será apenas mais um coitado com capacete velho e um 38 enferrujado jogado no chão, atrapalhando o trânsito.
Teve infância, isso teve, tudo bem que sem nada demais, mas sua mãe o levava ao circo todos os anos, só parou depois que seu novo marido a proibiu de sair de casa. Ela começou a beber a mesma bebida que os programas de TV mostram nos seus comerciais, só que, neles, ninguém sofre por beber.
Teve educação, a mesma que todos da sua comunidade tiveram, quase nada que sirva pro século 21. A professora passava um monte de coisa na lousa -mas, pra que estudar se, pela nova lei do governo, todo mundo é aprovado?
Ainda menino, quando assistia às propagandas, entendia que ou você tem ou você não é nada, sabia que era melhor viver pouco como alguém do que morrer velho como ninguém.
Leu em algum lugar que São Paulo está ficando indefensável, mas não sabia o que queriam dizer, defesa de quem? Parece assunto de guerra. Não acreditava em heróis, isso não!
Nunca gostou do super-homem nem de nenhum desses caras americanos, preferia respeitar os malandros mais velhos que moravam no seu bairro, o exemplo é aquele ali e pronto.
Tomava tapa na cara do seu padrasto, tomava tapa na cara dos policiais, mas nunca deu tapa na cara de nenhuma das suas vítimas. Ou matava logo ou saía fora.
Era da seguinte opinião: nunca iria num programa de auditório se humilhar perante milhões de brasileiros, se equilibrando numa tábua pra ganhar o suficiente pra cobrir as dívidas, isso nunca faria, um homem de verdade não pode ser medido por isso.
Ele ganhou logo cedo um kit pobreza, mas sempre pensou que, apesar de morar perto do lixo, não fazia parte dele, não era lixo.
A hora estava se aproximando, tinha um braço ali vacilando. Se perguntava como alguém pode usar no braço algo que dá pra comprar várias casas na sua quebrada. Tantas pessoas que conheceu que trabalharam a vida inteira sendo babá de meninos mimados, fazendo a comida deles, cuidando da segurança e limpeza deles e, no final, ficaram velhas, morreram e nunca puderam fazer o mesmo por seus filhos!
Estava decidido, iria vender o relógio e ficaria de boa talvez por alguns meses. O cara pra quem venderia poderia usar o relógio e se sentir como o apresentador feliz que sempre está cercado de mulheres seminuas em seu programa.
Se o assalto não desse certo, talvez cadeira de rodas, prisão ou caixão, não teria como recorrer ao seguro nem teria segunda chance. O correria decidiu agir. Passou, parou, intimou, levou.
No final das contas, todos saíram ganhando, o assaltado ficou com o que tinha de mais valioso, que é sua vida, e o correria ficou com o relógio.
Não vejo motivo pra reclamação, afinal, num mundo indefensável, até que o rolo foi justo pra ambas as partes.
REGINALDO FERREIRA DA SILVA , 31, o Ferréz, escritor e rapper, é autor de "Capão Pecado", romance sobre o cotidiano violento do bairro do Capão Redondo, na periferia de São Paulo, onde ele vive, e de "Ninguém é Inocente em São Paulo", entre outras obras.
Pensamentos de um "correria"
FERRÉZ
ELE ME olha, cumprimenta rápido e vai pra padaria. Acordou cedo, tratou de acordar o amigo que vai ser seu garupa e foi tomar café. A mãe já está na padaria também, pedindo dinheiro pra alguém pra tomar mais uma dose de cachaça. Ele finge não vê-la, toma seu café de um gole só e sai pra missão, que é como todos chamam fazer um assalto.
Se voltar com algo, seu filho, seus irmãos, sua mãe, sua tia, seu padrasto, todos vão gastar o dinheiro com ele, sem exigir de onde veio, sem nota fiscal, sem gerar impostos.
Quando o filho chora de fome, moral não vai ajudar. A selva de pedra criou suas leis, vidro escuro pra não ver dentro do carro, cada qual com sua vida, cada qual com seus problemas, sem tempo pra sentimentalismo. O menino no farol não consegue pedir dinheiro, o vidro escuro não deixa mostrar nada.
O motoboy tenta se afastar, desconfia, pois ele está com outro na garupa, lembra das 36 prestações que faltam pra quitar a moto, mas tem que arriscar e acelera, só tem 20 minutos pra entregar uma correspondência do outro lado da cidade, se atrasar a entrega, perde o serviço, se morrer no caminho, amanhã tem outro na vaga.
Quando passa pelos dois na moto, percebe que é da sua quebrada, dá um toque no acelerador e sai da reta, sabe que os caras estão pra fazer uma fita.
Enquanto isso, muitos em seus carros ouvem suas músicas, falam em seus celulares e pensam que estão vivos e num país legal.
Ele anda devagar entre os carros, o garupa está atento, se a missão falhar, não terá homenagem póstuma, deixará uma família destroçada, porque a sua já é, e não terá uma multidão triste por sua morte. Será apenas mais um coitado com capacete velho e um 38 enferrujado jogado no chão, atrapalhando o trânsito.
Teve infância, isso teve, tudo bem que sem nada demais, mas sua mãe o levava ao circo todos os anos, só parou depois que seu novo marido a proibiu de sair de casa. Ela começou a beber a mesma bebida que os programas de TV mostram nos seus comerciais, só que, neles, ninguém sofre por beber.
Teve educação, a mesma que todos da sua comunidade tiveram, quase nada que sirva pro século 21. A professora passava um monte de coisa na lousa -mas, pra que estudar se, pela nova lei do governo, todo mundo é aprovado?
Ainda menino, quando assistia às propagandas, entendia que ou você tem ou você não é nada, sabia que era melhor viver pouco como alguém do que morrer velho como ninguém.
Leu em algum lugar que São Paulo está ficando indefensável, mas não sabia o que queriam dizer, defesa de quem? Parece assunto de guerra. Não acreditava em heróis, isso não!
Nunca gostou do super-homem nem de nenhum desses caras americanos, preferia respeitar os malandros mais velhos que moravam no seu bairro, o exemplo é aquele ali e pronto.
Tomava tapa na cara do seu padrasto, tomava tapa na cara dos policiais, mas nunca deu tapa na cara de nenhuma das suas vítimas. Ou matava logo ou saía fora.
Era da seguinte opinião: nunca iria num programa de auditório se humilhar perante milhões de brasileiros, se equilibrando numa tábua pra ganhar o suficiente pra cobrir as dívidas, isso nunca faria, um homem de verdade não pode ser medido por isso.
Ele ganhou logo cedo um kit pobreza, mas sempre pensou que, apesar de morar perto do lixo, não fazia parte dele, não era lixo.
A hora estava se aproximando, tinha um braço ali vacilando. Se perguntava como alguém pode usar no braço algo que dá pra comprar várias casas na sua quebrada. Tantas pessoas que conheceu que trabalharam a vida inteira sendo babá de meninos mimados, fazendo a comida deles, cuidando da segurança e limpeza deles e, no final, ficaram velhas, morreram e nunca puderam fazer o mesmo por seus filhos!
Estava decidido, iria vender o relógio e ficaria de boa talvez por alguns meses. O cara pra quem venderia poderia usar o relógio e se sentir como o apresentador feliz que sempre está cercado de mulheres seminuas em seu programa.
Se o assalto não desse certo, talvez cadeira de rodas, prisão ou caixão, não teria como recorrer ao seguro nem teria segunda chance. O correria decidiu agir. Passou, parou, intimou, levou.
No final das contas, todos saíram ganhando, o assaltado ficou com o que tinha de mais valioso, que é sua vida, e o correria ficou com o relógio.
Não vejo motivo pra reclamação, afinal, num mundo indefensável, até que o rolo foi justo pra ambas as partes.
REGINALDO FERREIRA DA SILVA , 31, o Ferréz, escritor e rapper, é autor de "Capão Pecado", romance sobre o cotidiano violento do bairro do Capão Redondo, na periferia de São Paulo, onde ele vive, e de "Ninguém é Inocente em São Paulo", entre outras obras.
Você acha mesmo que foi justa essa troca? Estou admirado.
ResponderExcluirO ser humano criou esse "Modus vivendus" e a realidade é que o dinheiro é a raiz de todos os males. Por dinheiro se mata uma pessoa, tem noção? Agora, a questão é que, existem pessoas de boa índole que independente de sua situação financeira que não estão de acordo com essa violência, com a lei que nos é impostas entre outras mil coisas "erradas". Certo?
Supondo que sim - Essa pessoas não tem culpa de nada. É o meu caso, o seu caso talvez. Sendo da periferia ou ganhando muito dinheiro HONESTO, SUADO, SEM TRAPASSAS então eu não tenho culpa. Caso contrário a pessoa é protagonista do filme real de terror. Este é o culpado!
Caso contrário, na situação de ser humano que não tem culpa e que descorda de tudo aquilo que eu escrevi acima, como poderei dizer que a trocas foi justa? GOG disse uma frase: "Trabalhando contra nós mesmos, sempre sairemos derrotados". Entendo a revolta dos injustiçados e menos favorecidos mas essa revolta está sendo direcionada à pessoas erradas. Lembra do personagem que eu descrevi, que ganha dinheiro desonesto... este é o alvo. E mesmo sabendo o alvo certo temos que saber exatamente a forma de agir. E o povo? O povo se importa com isso realmente? Pelo que eu saiba, o povo nem gosta de rap, nem gosta de política, nem se interessa muito em estudar. Eles preferem "Lotar os pagodes rumo a cadeira eletrica", assistir novelas, dançar axé e funk.. É complicado abraçar a causa. É corda pra se enforcar - como disse o Brown. Esta não é uma crítica e sim meu ponto de vista, ok. Nada pessoal. Acho que a vida não foi o prêmio pra vitima porque a vitima é um direito de todos. O Rolex não foi prêmio pro ladrão porque quando ele for pego, a vida dele estará acabada. Perderá a liberdade, a dignidade e será humilhado e vilentado peo sistema policial. Deixará de de desfrutar das "coisas que tem valor de fato" como, "Uma pá de arvore na praça, as crianças na rua, o vento fresco na cara, as estrelas, a lua..." - Racionais mcs. Descordo amigo!
Neuru's
Grande Ferrez!
ResponderExcluirQue texto CRIMINOSO>.
ResponderExcluirEspero que quem defenda esse texto seja assaltado todos os dias da vida..
Assim terá justiça todos os dias na vida.
Interessante como funciona a moral de certos defensores dos direitos humanos(desde que este ser humano seja um bandido).Eles defendem a violência dos bandidos e repudiam quando ela parte da polícia.Nunca li nenhuma palavra desses 'humanistas", quando um policial é fuzilado dentro do carro, tendo como testemunhas, seus filhos, apenas pelo fato de ser policial.Aqui, no Recife, uma dentista foi assassinada com um tiro pela costas,pelo simples fato de ter corrido ao ter o carro abordado pelos bandidos.Uma coisa é discordar do conteúdo inexpressivo dos programas do huck ou o fato dele achar que pelo fato de manter uma organização social estaria livre da violência, outra coisa é concordar com a covardia dos bandidos.
ResponderExcluirLuciano Huck não é aquele goleiro do São Paulo?
ResponderExcluirAh não, é aquele apresentador de vídeo-mediocridades que tem uma pousada em Fernando de Noronha, cuja diária só pode ser paga pela elite branca do Lembo.
Pois é, Huck, quer paz? Vá morar na Suécia e, por favor, leva a mulher junto!!!
Ferrez 10 x 0 Huck
Tinha que pegar esse cabra e meter o Ferréz nele.
ResponderExcluirAqui em Brasilia teve passeata contra a violência.
De manhã a playboyzada participa, de noite, é nos rachas.
Taca o dedo nessa pôrra 14!
" Chamem já o Capitão
ResponderExcluirOh Capitão Nascimento
venha espancar o ladrão
que me deixou com cara de jumento
Estava só dando um rolé
sem meu personal trainner
Alguém me achou o maió mané
Ali eu era só David Banner
Foi aí que virei Incrível Hulk
Me levaram o suado rolex
Mas não adiantou ter pulão e muque
O ladrão era o The Flash
{ Repete refrão
{
entrementes, uma voz ao fundo com jeitão malandro : Sentinela da Liberdade! Ah, tem um super-escudo!
Ralava embaixo do sol
num programa que não é marrento
Lá pobre até joga futebol
Paga mico, eu lhe pago o sustento
Não como não durmo não vou à missa
Enquanto não acharem meu rolex
Vou contratar a Liga da Justiça
O Justiceiro, um Tiranossauro Rex
{
{ Repete Refrão
Solta o pancadão nos favelado:
Entra em ritmo de "Funk":
Sou um bam-bam-bam
da classe A e B
Vivo às custa dos impostos
da Classe C e D
Voz ao fundo:
Que musicããããooo!!!!! "