Um breve passo realista
Eles vivem em Londres e se conhecem em um site de paquera. Ela, viúva, 70 e poucos, moderna e pragmática e, como se verá, disposta a ignorar alertas para seguir com a nova relação. Ele, 80, um golpista só de olho na boutique da crush, uma herança de mais de £ 2 milhões.
Desde a sinopse de A Grande Mentira, direção de Bill Condon, em cartaz em São Paulo, o público é advertido sobre o que esperar das intenções de Roy Courtnay (Ian McKellen, duas indicações ao Oscar). Sobressaem em sua personalidade e atividades a adrenalina e violência na constante apropriação do alheio. Como anticlímax, o público o vê rumar para os encontros com a viúva, situações em que se “sente sufocando em bege”. Respira fundo e, transfigurado em elegância e delicadeza, vai afofar o terreno junto a Betty McLeish (Helen Mirren, vencedora de um Oscar), encenando gestos de carinho e de fragilidade fictícios, enquanto ajusta detalhes e encaminha a crush ao seu bote final.
Culta, sensível e vivida, ex-professora da Universidade de Oxford, Betty não deveria ser o perfil de uma presa fácil. Mas pode-se perguntar se de fato há um perfil moldado para isso. À medida que crescem as investidas do novo amigo, também sobem as desconfianças e a vigília de seu neto sobre o cerco do estranho. Ela defende a nova relação, ignorando os alertas do jovem e de sua própria intuição. Diante do suspeito convite para unificar seus investimentos com os de Roy numa única conta, a fim de driblar a cobrança de impostos, ela parece vislumbrar a aproximação do abismo, mas decide ignorar a ameaça e seguir adiante rumo ao penhasco.
Surpreendente em um e em outro personagem é o quadro não soar exagerado, nem no contexto da história e nem fora dela. Ao contrário. De tão naturais, as cenas remetem a situações conhecidas do público, nada hollywoodianas, cujo desenrolar com frequência desagua no noticiário da realidade – os nem tão incompreensíveis caminhos que levam aos casos de feminicídio. Apesar das mudanças culturais, do decorrer do tempo e mesmo considerando que cada caso é um caso, as estatísticas policiais praticamente permitem pensar que a natureza ancestral feminina não muda no que diz respeito à sua inclinação, por vezes cega, de buscar um amor romântico mesmo que junto a um predador.
Trata-se de mera provocação, pois esta é uma bola que quica durante o filme, embora não seja intenção associar o potencial amoroso da mulher a fator de fragilidade, bem ao contrário, é senso comum ser estar aí também a força ilimitada do elemento feminino. Simplificando com Jean-Luc Godard, “uma mulher é uma mulher”.
De volta à A Grande Mentira, a dinâmica de Betty e Roy logo caminham para se descolar de um final previsível. Alerta: pitadas de spoiler à frente. Os próprios atores Helen Mirren e Ian McKellen disseram em entrevista o quanto a imprevisibilidade da história foi decisiva para que aceitassem os papeis. Fica a dica portanto, de que apesar da sinopse oficial do filme sugerir um desfecho água com açúcar, o desenrolar dos acontecimentos segue em direção a uma reviravolta. É então hora de rever o título original da fita, “The Good Liar”, em inglês ‘a boa pessoa que mente’, sem indicação de gênero, e considerar as surpresas que podem advir daí. E também que Betty, a afetuosa viúva, ex-professora de Oxford, de fato não decepcionaria quem apostou em seu personagem nem em seu perfil pelas experiências em que a vida a conduziu. Por Denise Brito em 29/11/19.
Eles vivem em Londres e se conhecem em um site de paquera. Ela, viúva, 70 e poucos, moderna e pragmática e, como se verá, disposta a ignorar alertas para seguir com a nova relação. Ele, 80, um golpista só de olho na boutique da crush, uma herança de mais de £ 2 milhões.
Desde a sinopse de A Grande Mentira, direção de Bill Condon, em cartaz em São Paulo, o público é advertido sobre o que esperar das intenções de Roy Courtnay (Ian McKellen, duas indicações ao Oscar). Sobressaem em sua personalidade e atividades a adrenalina e violência na constante apropriação do alheio. Como anticlímax, o público o vê rumar para os encontros com a viúva, situações em que se “sente sufocando em bege”. Respira fundo e, transfigurado em elegância e delicadeza, vai afofar o terreno junto a Betty McLeish (Helen Mirren, vencedora de um Oscar), encenando gestos de carinho e de fragilidade fictícios, enquanto ajusta detalhes e encaminha a crush ao seu bote final.
Culta, sensível e vivida, ex-professora da Universidade de Oxford, Betty não deveria ser o perfil de uma presa fácil. Mas pode-se perguntar se de fato há um perfil moldado para isso. À medida que crescem as investidas do novo amigo, também sobem as desconfianças e a vigília de seu neto sobre o cerco do estranho. Ela defende a nova relação, ignorando os alertas do jovem e de sua própria intuição. Diante do suspeito convite para unificar seus investimentos com os de Roy numa única conta, a fim de driblar a cobrança de impostos, ela parece vislumbrar a aproximação do abismo, mas decide ignorar a ameaça e seguir adiante rumo ao penhasco.
Surpreendente em um e em outro personagem é o quadro não soar exagerado, nem no contexto da história e nem fora dela. Ao contrário. De tão naturais, as cenas remetem a situações conhecidas do público, nada hollywoodianas, cujo desenrolar com frequência desagua no noticiário da realidade – os nem tão incompreensíveis caminhos que levam aos casos de feminicídio. Apesar das mudanças culturais, do decorrer do tempo e mesmo considerando que cada caso é um caso, as estatísticas policiais praticamente permitem pensar que a natureza ancestral feminina não muda no que diz respeito à sua inclinação, por vezes cega, de buscar um amor romântico mesmo que junto a um predador.
Trata-se de mera provocação, pois esta é uma bola que quica durante o filme, embora não seja intenção associar o potencial amoroso da mulher a fator de fragilidade, bem ao contrário, é senso comum ser estar aí também a força ilimitada do elemento feminino. Simplificando com Jean-Luc Godard, “uma mulher é uma mulher”.
De volta à A Grande Mentira, a dinâmica de Betty e Roy logo caminham para se descolar de um final previsível. Alerta: pitadas de spoiler à frente. Os próprios atores Helen Mirren e Ian McKellen disseram em entrevista o quanto a imprevisibilidade da história foi decisiva para que aceitassem os papeis. Fica a dica portanto, de que apesar da sinopse oficial do filme sugerir um desfecho água com açúcar, o desenrolar dos acontecimentos segue em direção a uma reviravolta. É então hora de rever o título original da fita, “The Good Liar”, em inglês ‘a boa pessoa que mente’, sem indicação de gênero, e considerar as surpresas que podem advir daí. E também que Betty, a afetuosa viúva, ex-professora de Oxford, de fato não decepcionaria quem apostou em seu personagem nem em seu perfil pelas experiências em que a vida a conduziu. Por Denise Brito em 29/11/19.
Comentários
Postar um comentário
O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.