Pular para o conteúdo principal

Dica da Semana: El Camino, filme, Netflix

Filhotes da série Breaking Bad restauram a fé no cinema e na humanidade

(Advertência: se o leitor ainda não viu a série, esta resenha contém spoiler sobre ela.)  El Camino, a breaking bad movie, é um grande filme, mas esta não é a notícia, visto que está sendo aclamado por toda parte. A atuação magistral de Aaron Paul no papel do protagonista Jesse Pinkman, o filme começa onde Breaking Bad termina, e isto não é nem de longe um spoiler, também não é a grande novidade da fita. Os coadjuvantes Jonathan Banks (Mike), impagável sempre, e a dupla de jerks Charles Baker (Skinny Pete) e Matt Jones (Badger), fiéis e atrapalhados escudeiros de Pinkman na trama, dão show, assim como a direção e o roteiro, ao cargo de Vince Gilligan, o criador de Breaking Bad. O que de fato espanta, encanta, provoca perplexidade e reflexão, ao final das duas horas e mais exatos dois minutos de duração, é a capacidade do diretor e atores na construção de uma narrativa contemporânea, atual, forte, incisiva, com muita crítica social e política, apresentando um painel multifacetado da sociedade norte-americana, no fundo da sociedade ocidental. E o que fica deste painel, infelizmente, não é bom, não é saudável nem legal, é o retrato da barbárie em que o mundo se enfiou, deliberadamente, conscientemente.
O futuro que nos espera – e quem tem filhos, como tenho, pensa mais nisto -, é o resultado de escolhas equivocadas, não apenas dos governantes ou de quem os escolhe, mas das pessoas em seu dia a dia. Jesse, curiosamente, taxado como bandido e caçado implacavelmente pelas forças policiais do estado americano, em todos os níveis, é uma doce criatura, que teve sua infância roubada pela droga, que depois foi sua redenção no encontro com Walter White, o que lhe permitiu recursos para sobreviver.
A relação de Jesse com os seus amigos junkys e trapalhões é a única manifestação de solidariedade, amizade verdadeira, até de amor, que vemos no filme e vimos na série – Walter White também era assim, amava a esposa e a família, nutria por Jesse um sentimento quase paternal, e se auto impunha uma conduta do tipo 8 ou 80, acabando morto por este motivo, depois de tantas idas e vindas, quase sempre com Jesse ao seu lado.
Tudo somado, El Camino não é apensas diversão garantida – o filme é muito engraçado, um certo humor negro britânico -, mas é também food for toughts, como dizem os britânicos. Ele convida à reflexão sobre este mundão de Deus que parece não ter jeito, mas deixa, na figura de Pinkman, uma pontinha de esperança na redenção deste projeto de civilização que parece condenado à falência, ao inevitável fracasso, decadência paulatina. Em tempos de Trump presidente dos Estados Unidos, mas fraco como jamais foi,acossado por um processo de impeachment provocado por uma atitude idiota, não deixa de ser um alento. Portanto, bora assistir o filmaço do ano. #ficaadica  Por Luiz Antonio Magalhães em 22/10/19.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe