Muito interessante e lúcida a visão do colunista da Folha em sua coluna de hoje. Vale a leitura.
O julgamento do recurso de Lula pela 8ª Turma do TRF-4 na última quarta (27) nada teve a ver com direito, leis, Constituição e outros substantivos que afastam a barbárie em benefício do pacto civilizatório.
O que se viu no tribunal foi um concerto de vontades em favor de uma forma especial de excludente de ilicitude. Também nesse particular, o procurador-regional da República Maurício Gotardo Gerum e os três desembargadores se mostraram bastante afinados com o governo de turno.
Excludente de ilicitude? Os magistrados e o representante do Ministério Público Federal deram a entender que tudo é permitido a quem acusa e julga: do plágio descarado na sentença, praticado pela juíza Gabriela Hardt —só 1%, destacou João Pedro Gebran Neto, o relator—, aos pitos e lições de moral dirigidos ao réu. Wesley Safadão não sabia, mas estava rebolando um clássico do direito contemporâneo ao cantar: “99% anjo, perfeito/ Mas aquele 1% é vagabundo”.
Hardt, a mesma juíza que havia homologado aquele acordo que garantia o emprego de multa paga pela Petrobras numa fundação de direito privado, teve seu trabalho elogiado pelo relator. Que este ignorasse o escândalo do plágio, já seria do balacobaco. Que a cópia dos 40 parágrafos tenha dado ensejo a encômios e retórica laudatória, bem...
Eis o excludente de ilicitude que troca a pistola pela toga. Essa mesma turma anulou outra sentença da juíza —no caso, por colar a peça acusatória do Ministério Público. Mas sabem como é... Se Lula tem de ser preso, tudo é permitido.
A objetividade cedeu espaço ao proselitismo, à causa, ao embate que nada tinha a ver com Lula. Gebran Neto, Leandro Paulsen e Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz já não respondiam à ordem legal, ao direito, às regras escritas, mas ao alarido e a corporações eventualmente feridas em sua onipotência.
Como restou claro nos votos, os crimes atribuídos ao réu ofendiam menos a consciência jurídica do grupo do que a insistência em declarar-se inocente e em apontar um concerto político para aprisioná-lo.
Há de se evocar aqui a metáfora, que já é um clichê nos cursos de direito, do moleiro que se insurge contra Frederico, o Grande. A tanto o súdito se atreveu na certeza de que ainda existiam juízes em Berlim.
Em brilhante artigo, o desembargador Ney Bello, do TRF-1, elaborou a síntese perfeita: “Os juízes abandonaram Berlim quando substituíram o direito pela sua moral particular e viram-se como profetas de um novo amanhecer. Alguns substituindo os códigos por uma Bíblia ou outro texto sagrado, o que é mais assustador ainda”.
A 8ª Turma do TRF-4 não tinha de necessariamente seguir a maioria formada no Supremo: no julgamento de um habeas corpus, o tribunal decidiu por maioria de 7 a 4 que devem ser anuladas as sentenças em que o corréu delatado teve negado o pedido para entregar suas alegações finais depois do corréu delator.
A ação penal sobre o sítio de Atibaia se inscreve no caso. Ressalto tratar-se de decisão ancorada no inciso LV do artigo 5º, uma cláusula pétrea, que assegura “o contraditório e a ampla defesa”. Mas também as cláusulas pétreas, com perdão do trocadilho, se tornaram pedras para alvejar a ordem legal. Flertamos mais com a Berlim de 1940 do que com a de 1740...
Um colegiado não estar obrigado pela burocracia judicial a seguir um fundamento civilizatório não pode ser entendido como carta branca para uma decisão obviamente concertada, que mal esconde, e nem é preciso apelar às entrelinhas, o intuito de desafiar o entendimento da corte constitucional da Berlim do cerrado, alinhando-se, como ignorar?, com as vontades de Frederico, o Grande de turno.
Em 2018, Sergio Moro aceitou o convite para ser ministro de Bolsonaro sete meses depois de assinar a ordem de prisão de Lula. Segundo revelou Gustavo Bebianno em entrevista a Fábio Pannunzio, o então juiz já havia mantido cinco ou seis conversas, no curso da campanha, com Paulo AI-5 Guedes sobre a possibilidade de assumir a Justiça. Insuspeito de isenção, convenham.
O TRF-4 me faz crer que a campanha de 2022 realmente já começou.
O julgamento do recurso de Lula pela 8ª Turma do TRF-4 na última quarta (27) nada teve a ver com direito, leis, Constituição e outros substantivos que afastam a barbárie em benefício do pacto civilizatório.
O que se viu no tribunal foi um concerto de vontades em favor de uma forma especial de excludente de ilicitude. Também nesse particular, o procurador-regional da República Maurício Gotardo Gerum e os três desembargadores se mostraram bastante afinados com o governo de turno.
Excludente de ilicitude? Os magistrados e o representante do Ministério Público Federal deram a entender que tudo é permitido a quem acusa e julga: do plágio descarado na sentença, praticado pela juíza Gabriela Hardt —só 1%, destacou João Pedro Gebran Neto, o relator—, aos pitos e lições de moral dirigidos ao réu. Wesley Safadão não sabia, mas estava rebolando um clássico do direito contemporâneo ao cantar: “99% anjo, perfeito/ Mas aquele 1% é vagabundo”.
Hardt, a mesma juíza que havia homologado aquele acordo que garantia o emprego de multa paga pela Petrobras numa fundação de direito privado, teve seu trabalho elogiado pelo relator. Que este ignorasse o escândalo do plágio, já seria do balacobaco. Que a cópia dos 40 parágrafos tenha dado ensejo a encômios e retórica laudatória, bem...
Eis o excludente de ilicitude que troca a pistola pela toga. Essa mesma turma anulou outra sentença da juíza —no caso, por colar a peça acusatória do Ministério Público. Mas sabem como é... Se Lula tem de ser preso, tudo é permitido.
A objetividade cedeu espaço ao proselitismo, à causa, ao embate que nada tinha a ver com Lula. Gebran Neto, Leandro Paulsen e Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz já não respondiam à ordem legal, ao direito, às regras escritas, mas ao alarido e a corporações eventualmente feridas em sua onipotência.
Como restou claro nos votos, os crimes atribuídos ao réu ofendiam menos a consciência jurídica do grupo do que a insistência em declarar-se inocente e em apontar um concerto político para aprisioná-lo.
Há de se evocar aqui a metáfora, que já é um clichê nos cursos de direito, do moleiro que se insurge contra Frederico, o Grande. A tanto o súdito se atreveu na certeza de que ainda existiam juízes em Berlim.
Em brilhante artigo, o desembargador Ney Bello, do TRF-1, elaborou a síntese perfeita: “Os juízes abandonaram Berlim quando substituíram o direito pela sua moral particular e viram-se como profetas de um novo amanhecer. Alguns substituindo os códigos por uma Bíblia ou outro texto sagrado, o que é mais assustador ainda”.
A 8ª Turma do TRF-4 não tinha de necessariamente seguir a maioria formada no Supremo: no julgamento de um habeas corpus, o tribunal decidiu por maioria de 7 a 4 que devem ser anuladas as sentenças em que o corréu delatado teve negado o pedido para entregar suas alegações finais depois do corréu delator.
A ação penal sobre o sítio de Atibaia se inscreve no caso. Ressalto tratar-se de decisão ancorada no inciso LV do artigo 5º, uma cláusula pétrea, que assegura “o contraditório e a ampla defesa”. Mas também as cláusulas pétreas, com perdão do trocadilho, se tornaram pedras para alvejar a ordem legal. Flertamos mais com a Berlim de 1940 do que com a de 1740...
Um colegiado não estar obrigado pela burocracia judicial a seguir um fundamento civilizatório não pode ser entendido como carta branca para uma decisão obviamente concertada, que mal esconde, e nem é preciso apelar às entrelinhas, o intuito de desafiar o entendimento da corte constitucional da Berlim do cerrado, alinhando-se, como ignorar?, com as vontades de Frederico, o Grande de turno.
Em 2018, Sergio Moro aceitou o convite para ser ministro de Bolsonaro sete meses depois de assinar a ordem de prisão de Lula. Segundo revelou Gustavo Bebianno em entrevista a Fábio Pannunzio, o então juiz já havia mantido cinco ou seis conversas, no curso da campanha, com Paulo AI-5 Guedes sobre a possibilidade de assumir a Justiça. Insuspeito de isenção, convenham.
O TRF-4 me faz crer que a campanha de 2022 realmente já começou.
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