O que vai abaixo é o texto do autor deste blog para o Observatório da Imprensa. Em primeira mão para os leitores do Entrelinhas.
LEITURAS DE VEJA
Uma revista megalômana
A última edição do semanário mais lido do Brasil (2.132, com data de capa de 30/09) é a prova concreta de que muita coisa está errada neste país. O pessoal que trabalha no Itamaraty, por exemplo, não está dando expediente no lugar certo. Chanceleres e diplomatas de carreira deveriam todos bater ponto no modernoso prédio da marginal do rio Pinheiros, em São Paulo, ou mais precisamente, para quem não conhece, na sede da Editora Abril, responsável pela publicação de Veja. Sim, porque a matéria de capa desta semana – reproduzida abaixo e que levou o inspirado título “O imperialismo megalonanico”, um trocadalho horroroso perpetrado pelo jornalista Reinaldo Azevedo, blogueiro da revista – é uma das coisas mais arrogantes que já foi publicada na imprensa brasileira.
A julgar pela reportagem de capa da revista, a turma de Veja deveria assumir imediatamente o comando do Itamaraty ou, se isto for pouco, tomar conta logo do Palácio do Planalto, que é onde as coisas são decididas. O tema da matéria, como o leitor já deve imaginar, é a participação brasileira na crise em Honduras, onde o presidente legitimamente eleito está refugiado na embaixada brasileira enquanto o governo golpista tenta negociar alguma saída que evite a volta de Manuel Zelaya ao cargo que lhe é de direito.
Para os editores de Veja, porém, a situação é bem diversa. Ponto um: a política de relações exteriores do governo federal está errada e o Itamaraty se submeteu à lógica do presidente venezuelano Hugo Chávez. Ponto dois: o golpe de Estado em Honduras foi uma “medida justificável”. Para ninguém dizer que trata-se de uma interpretação deste observador, cabe reproduzir o que foi escrito na revista: “Houve um golpe de estado? Sim. País pequeno e pobre, Honduras foi transformada num caso exemplar do repúdio da comunidade internacional aos golpes de estado. Foi castigada com sanções econômicas e congelamento nas relações diplomáticas. Exceto por isso, o problema não era tão grande. A medida de força foi, até certo ponto, justificável pelas leis do país. Até o momento do golpe, o maior perigo para a democracia era o presidente Manuel Zelaya.”
Pode parecer incrível, mas é isto mesmo que está escrito. Veja decidiu que o golpe não era um “problema tão grande”, que a medida de força foi “até certo ponto justificável pelas leis do país” e ainda que o perigo maior era o presidente constitucionalmente eleito Manuel Zelaya, cujo grande pecado teria sido propor uma consulta ao povo do seu país para que, junto com a eleição presidencial, decidisse se quer ou não convocar uma Assembleia Constituinte para rever as leis hondurenhas. Ao contrário do que se tem escrito por aí, esta é a verdade pura e simples: Zelaya não queria um novo mandato, o plebiscito não tinha esta intenção, mas tão somente convocar a Constituinte, se o povo assim decidisse.
Não é o propósito aqui de debater o episódio em si, o que interessa é a cobertura da revista que pretende dar profundas lições aos diplomatas e também ao presidente Lula. Veja mostra que sabe governar melhor do que ninguém e se mostra capaz de elaborar perfis muito profundos da alma das pessoas, mesmo sem entrevistá-las. É precisamente este o caso de Zelaya, que mereceu um parágrafo especialmente afetuoso, digamos assim, na reportagem do semanário da Abril: “Não se deve descartar a hipótese de que o homem seja um lunático. Como sugere sua queixa, na semana passada, de que ‘um grupo de mercenários israelenses’ estava perturbando seu cérebro com ‘radiações de alta frequência’. A paranoia dos raios mentais é um sintoma clássico de esquizofrenia. O certo é que Zelaya não cabe no figurino de um mártir da democracia.”
É deveras espetacular o nível de aprofundamento e a percepção certeira da revista ao elaborar o “perfil humano” do presidente hondurenho. Além do que, os leitores foram brindados com uma aula de psicanálise ao serem informados de que os raios mentais são sintomas clássicos de esquizofrenia – seria interessante saber quantos psicólogos e psiquiatras Veja consultou para chegar a esta conclusão tão peremptória. Mais ainda, a revista sabe com toda a certeza que “Zelaya não cabe no figurino de um mártir da democracia”, afirmação que simplesmente dispensou qualquer argumento adicional. Pois é, o homem parece ser o próprio coisa ruim, veste chapéu, usa guayabera, tem mais de dois metros de altura, então só pode ser o coisa ruim mesmo. E assim sendo, não pode gostar de democracia, conclui a revista...
Aos leitores que acompanham este observador nas análises que faz do material produzido pela redação de Veja para este Observatório, pode parecer até um tanto repetitivo, mas é preciso sempre voltar ao âmago da questão: o semanário da editora Abril há muito tempo não é um veículo noticioso, mas um panfleto político com objetivos e ideologia bastante claros. O que se lê na Veja não é jornalismo, mas proselitismo político. A revista tem lado e faz questão de mostrar, em todas as edições, os ideais que defende. Em algumas, até consegue disfarçar um pouco e apresentar como jornalismo o contrabando editorial que quase todas as suas matérias possuem. Em casos como o da edição corrente, a redação deixa o pudor de lado e vai direto ao ponto, abordando o leitor de maneira grotesca e impondo sua visão de mundo na forma de reportagem. Para o público mais desatento, a coisa pode até passar por jornalismo; para os mais politizados, deve até soar como uma espécie de humor nonsense, mas, na soma geral, é apenas propaganda disfarçada de algo remotamente próximo ao jornalismo.
LEITURAS DE VEJA
Uma revista megalômana
A última edição do semanário mais lido do Brasil (2.132, com data de capa de 30/09) é a prova concreta de que muita coisa está errada neste país. O pessoal que trabalha no Itamaraty, por exemplo, não está dando expediente no lugar certo. Chanceleres e diplomatas de carreira deveriam todos bater ponto no modernoso prédio da marginal do rio Pinheiros, em São Paulo, ou mais precisamente, para quem não conhece, na sede da Editora Abril, responsável pela publicação de Veja. Sim, porque a matéria de capa desta semana – reproduzida abaixo e que levou o inspirado título “O imperialismo megalonanico”, um trocadalho horroroso perpetrado pelo jornalista Reinaldo Azevedo, blogueiro da revista – é uma das coisas mais arrogantes que já foi publicada na imprensa brasileira.
A julgar pela reportagem de capa da revista, a turma de Veja deveria assumir imediatamente o comando do Itamaraty ou, se isto for pouco, tomar conta logo do Palácio do Planalto, que é onde as coisas são decididas. O tema da matéria, como o leitor já deve imaginar, é a participação brasileira na crise em Honduras, onde o presidente legitimamente eleito está refugiado na embaixada brasileira enquanto o governo golpista tenta negociar alguma saída que evite a volta de Manuel Zelaya ao cargo que lhe é de direito.
Para os editores de Veja, porém, a situação é bem diversa. Ponto um: a política de relações exteriores do governo federal está errada e o Itamaraty se submeteu à lógica do presidente venezuelano Hugo Chávez. Ponto dois: o golpe de Estado em Honduras foi uma “medida justificável”. Para ninguém dizer que trata-se de uma interpretação deste observador, cabe reproduzir o que foi escrito na revista: “Houve um golpe de estado? Sim. País pequeno e pobre, Honduras foi transformada num caso exemplar do repúdio da comunidade internacional aos golpes de estado. Foi castigada com sanções econômicas e congelamento nas relações diplomáticas. Exceto por isso, o problema não era tão grande. A medida de força foi, até certo ponto, justificável pelas leis do país. Até o momento do golpe, o maior perigo para a democracia era o presidente Manuel Zelaya.”
Pode parecer incrível, mas é isto mesmo que está escrito. Veja decidiu que o golpe não era um “problema tão grande”, que a medida de força foi “até certo ponto justificável pelas leis do país” e ainda que o perigo maior era o presidente constitucionalmente eleito Manuel Zelaya, cujo grande pecado teria sido propor uma consulta ao povo do seu país para que, junto com a eleição presidencial, decidisse se quer ou não convocar uma Assembleia Constituinte para rever as leis hondurenhas. Ao contrário do que se tem escrito por aí, esta é a verdade pura e simples: Zelaya não queria um novo mandato, o plebiscito não tinha esta intenção, mas tão somente convocar a Constituinte, se o povo assim decidisse.
Não é o propósito aqui de debater o episódio em si, o que interessa é a cobertura da revista que pretende dar profundas lições aos diplomatas e também ao presidente Lula. Veja mostra que sabe governar melhor do que ninguém e se mostra capaz de elaborar perfis muito profundos da alma das pessoas, mesmo sem entrevistá-las. É precisamente este o caso de Zelaya, que mereceu um parágrafo especialmente afetuoso, digamos assim, na reportagem do semanário da Abril: “Não se deve descartar a hipótese de que o homem seja um lunático. Como sugere sua queixa, na semana passada, de que ‘um grupo de mercenários israelenses’ estava perturbando seu cérebro com ‘radiações de alta frequência’. A paranoia dos raios mentais é um sintoma clássico de esquizofrenia. O certo é que Zelaya não cabe no figurino de um mártir da democracia.”
É deveras espetacular o nível de aprofundamento e a percepção certeira da revista ao elaborar o “perfil humano” do presidente hondurenho. Além do que, os leitores foram brindados com uma aula de psicanálise ao serem informados de que os raios mentais são sintomas clássicos de esquizofrenia – seria interessante saber quantos psicólogos e psiquiatras Veja consultou para chegar a esta conclusão tão peremptória. Mais ainda, a revista sabe com toda a certeza que “Zelaya não cabe no figurino de um mártir da democracia”, afirmação que simplesmente dispensou qualquer argumento adicional. Pois é, o homem parece ser o próprio coisa ruim, veste chapéu, usa guayabera, tem mais de dois metros de altura, então só pode ser o coisa ruim mesmo. E assim sendo, não pode gostar de democracia, conclui a revista...
Aos leitores que acompanham este observador nas análises que faz do material produzido pela redação de Veja para este Observatório, pode parecer até um tanto repetitivo, mas é preciso sempre voltar ao âmago da questão: o semanário da editora Abril há muito tempo não é um veículo noticioso, mas um panfleto político com objetivos e ideologia bastante claros. O que se lê na Veja não é jornalismo, mas proselitismo político. A revista tem lado e faz questão de mostrar, em todas as edições, os ideais que defende. Em algumas, até consegue disfarçar um pouco e apresentar como jornalismo o contrabando editorial que quase todas as suas matérias possuem. Em casos como o da edição corrente, a redação deixa o pudor de lado e vai direto ao ponto, abordando o leitor de maneira grotesca e impondo sua visão de mundo na forma de reportagem. Para o público mais desatento, a coisa pode até passar por jornalismo; para os mais politizados, deve até soar como uma espécie de humor nonsense, mas, na soma geral, é apenas propaganda disfarçada de algo remotamente próximo ao jornalismo.
Ainda bem que não consumo essa porcaria de revista.
ResponderExcluirBravo, Luiz Antônio!
ResponderExcluirNunca comento, mas venho aqui quase todos os dias. É bom saber que ainda há vida inteligente no meio jornalístico.
Eu parei de ler quando falou-se que "o presidente legitimamente eleito está refugiado na embaixada brasileira enquanto o governo golpista tenta negociar alguma saída que evite a volta de Manuel Zelaya ao cargo que lhe é de direito".
ResponderExcluirZelaya é que é o golpista, pois pisoteou a constituição daquele país. E o governo legítimo é o governo de facto. Zelaya não foi derrubado por um golpe. Foi derrubado pela Suprema Corte, pelo legislativo e também pela vontade popular, a mesma que o colocou.
A Veja é uma revista que comumente merece críticas, mas é preciso baixar a guarda quando acertam.
Ponto pra Veja, que nem sempre é tão eficaz em mostrar o raio-x da articulação esquerdista latino-americana.
Até quando este panfleto impresso vai continuar nesta linha? Será que sossegam se o Serra ganhar?
ResponderExcluirEm todo caso penso que o estrago à sua imagem já está feito e aumentando a cada número.
Frank
Caro Luiz Antônio Magalhães, gostaria de lhe aconselhar o excelente artigo de Abreu Dallari sobre o assunto, publicado no OI sob o título de fundamento legal omitido. Ao que vejo vossa senhoria padece do mesmo viés panfletário a que acusa a revista veja de praticar, e que o senhor faz questão de enunciar como âmago da questão. Por favor não brinque com a nossa inteligência, afinal, esse ataque pessoal e direto nem para um público desatento pode passar por jornalismo. Fica pelo menos o abono do humor metaliguístico do sujo falando do mal lavado.
ResponderExcluirRavi Marques- Estudante
Ravimarques@hotmail.com
Caro LAM, seu texto é oportuno e brilhante. Expõe com clareza a falta de informações e o teor meramente panfletário no qual se transformou, lamentavelmente para a história do jornalismo brasileiro, a revista da Abril. Leio "Veja" por dever de ofício, como jornalista e pesquisador, mas tá cada vez mais insuportável de chegar ao final...
ResponderExcluirQuanto ao suposto "fundamento legal" ao qual se refere o estudante Ravi Marques, li o artigo do prof. Dallari e sua interpretação jurídica dos fatos. Há omissões graves no texto do eminente jurista, que se fechou no mundo jurídico, esquecendo que todos os atos (da Suprema Corte e do Congresso hondurenho) são posteriores ao golpe. E olhe que ainda podemos entrar no mérito da proposta original, que nada tinha de golpista nem antidemocrática.
A mesma constituição que impede a reeleição também proíbe que cidadãos daquele país seja deportados - e Manuel Zelaya foi sequestrado, em sua casa e expulso de seu País de pijamas.
Não é à-toa, caro Ravi, que o golpe militar em Honduras recebeu a rara unanimidade de organismos como a OEA e a ONU. Confira as manifestações das autoridades daqueles organismos e tire suas conclusões. O plano Arias, aceito por todos os envolvidos, exceto os golpistas, contempla a solução: volta do presidente legítimo ao seu cargos, o processo eleitoral democrático e que Zelaya tenha amplo direito de defesa dos crimes que supostamente tenha cometido, como convém a um Estado democrático de Direito.
Acabo de ver uma entrevista do ministro Celso Amorim na Globo News e ele foi conclusivo: nenhum país do mundo criticou ou condenou a atitude do Brasil em abrigar o presidente legítimo de Honduras.
Mas, no mundo dos barões da mídia o "vale tudo" político passou, há muito, a ser a única regra. "Veja", desgraçadamente, rasga o seu passado histórico e se queda a desprezível categoria de panfleto.
Samuel Lima, jornalista.
Caro Samuel, li e compreendi seus argumentos. Não pretendo me delongar sobremaneira na questão de Honduras já que ambos concordamos que a constituição daquele país impede a reeleição e impede que cidadãos daquele país sejaM deportados, bastando somente punir os responsáveis pelas duas infrações. Ponto.
ResponderExcluirConcordo também com você no que tange ao proselitismo e caráter panfletário de Veja.
Isso não exime o texto do jornalista pecar pelos mesmos erros que veja comete. A terceira parte do texto se resume a um ataque simples, vil e direto à revista. Chega a ser ironicamente metalingüistica, não existem argumentos, não existem dados nem propostas, resume-se apenas ao autodenominado observador "abordando o leitor de maneira grotesca e impondo sua visão de mundo na forma de reportagem". Eu digo e repito, nem para um leitor desantento isso pode ser confundido com jornalismo sério. Sou leitor costumaz do observatório da imprensa há muitos anos e me entristece ver que o mesmo padece do mesmo mal daqueles que pretensamente julga vigiar.
Ravi