O episódio da morte da menina Isabella Oliveira Nardoni, de 5 anos, que está comovendo o país, e é um desses casos policiais repletos de mistérios e que pode até ter um final surpreendente. A partir da história contada pelo pai e pela madrasta da menina à polícia, as suspeitas se voltaram justamente contra o casal, especialmente o pai: segundo o relato, ele teria subido para o apartamento com Isabella já adormecida, colocado ela na cama, trancado a porta e retornado para a garagem a fim de ajudar sua mulher a subir com os dois filhos do casal, meio-irmãos da garota. Quando enfim os dois voltaram ao apartamento com as crianças, a porta estaria aberta, a luz do quarto dos irmãos de Isabella, acesa e a rede de proteção, cortada. Por ali a menina teria sido jogada para a morte.
Uma série de indícios, porém, colocaram em xeque a versão do pai e da madrasta: havia vestígios de sangue no apartamento, Isabella parece ter morrido por asfixia e quebrou apenas um pulso na queda. Há também o relato de vizinhos que teriam ouvido a menina gritar "Pára, pai! Pára, pai!". Tudo isto deu motivo para que uma delegada que acompanha o caso tenha chamado o pai de Isabella de assassino na saída do depoimento à polícia. Segundo informação publicada nos jornais, há entre os investigadores quem acredite que Isabella nem sequer foi jogada pela janela.
A soma dos indícios sem dúvida pode levar o público a desconfiar da história contada pelo pai e madrasta da criança morta, mas não pode de maneira alguma permitir que os responsáveis pela publicação das reportagens sobre o caso tratem o casal como culpados ou mesmo suspeitos em um momento tão inicial das investigações.
Quando estourou o caso da Escola Base, hoje um exemplo estudado nas faculdades sobre o que não deve ser feito em matéria de jornalismo policial, um único jornal desconfiou da história e se recusou a dar uma linha sobre a cascata. Quando o caso foi elucidado e a inocência dos donos da escola restou provada, houve quem sugerisse que o Diário Popular recebesse, naquele ano, o Prêmio Esso de jornalismo pela não publicação das matérias. Tempos depois, o Diário Popular foi vendido para as Organizações Globo e mudou de nome para Diário de S. Paulo. Pelo visto, mudou também de caráter: a capa reproduzida acima, da edição de terça-feira (1/04), configura um verdadeiro crime contra o bom jornalismo. Não se trata aqui de defender o pai de Isabella – ele pode até ser culpado pela morte da filha –, mas de constatar que a capa do Diário fere os princípios mais básicos da ética jornalística e da presunção da inocência.
Um cínico pode alegar que tudo que está na manchete do jornal é verdadeiro, o Diário não veiculou informação falsa nem acusou peremptoriamente o pai de Isabella de assassinato. Sim, e provavelmente esta capa passou pelo departamento jurídico do jornal para avaliar se ela poderia ser objeto de processo. A manchete certamente também cumpriu o objetivo de fazer o jornal vender mais. Os responsáveis pela publicação sabem, também, que esta manchete destruiu a reputação do pai de Isabella. Ainda que no final das investigações o assassino seja outra pessoa, como bem observou hoje Clóvis Rossi na Folha de S. Paulo (leia a íntegra abaixo), o pai de Isabella já foi condenado pela imprensa. No caso do Diário de S. Paulo, foi condenado e exposto com requintes de crueldade.
Para o advogado do casal, a menina realmente gritou, mas foi por ajuda: teria sido algo como "Pára, pára! Pai, pai!", o que também faz sentido se ele estivesse sendo atacada por um terceira pessoa. A quem mais ela poderia recorrer senão ao pai?
O Diário de S. Paulo apostou todas as suas fichas em uma hipótese, a de que o pai de Isabella está envolvido na morte da filha. Se ele de fato estiver, o jornal tripudiou sobre um assassino. Se não estiver, acabou com a vida de um homem inocente. O bom jornalismo poderia evitar este tipo de atitude intempestiva. Ao que parece, a lição da Escola Base já começou a ser esquecida.
Leviandade é crime
Clóvis Rossi
SÃO PAULO - Se o poder público brasileiro (no caso, o paulista) adotasse o devido rigor, puniria o delegado responsável pelo caso da menina Isabella Oliveira Nardoni, 5 anos, morta no sábado, por colocar o pai como suspeito.
No fundo, estamos diante de uma gênese idêntica ao escândalo da Escola Base, no qual a mídia foi crucificada, com toda a justiça. Mas faltou mais alguém na cruz: o delegado responsável pela investigação do caso.
Vamos rebobinar um pouco a fita e analisar as circunstâncias em que se deu a desumana crucificação dos responsáveis pela escola, apontados como abusadores de crianças.
Quem detinha, com exclusividade, todas as informações? O delegado.
Ninguém mais. Quem repassou as informações aos jornalistas, coletivamente? O delegado. Aos jornalistas, restava um de dois caminhos: duvidar ou acreditar (claro que me refiro aos jornalistas de boa-fé; os que têm índole sensacionalista não precisam acreditar ou duvidar de nada para dar vazão à índole).
Mais: se duvidassem e decidissem não publicar, seria preciso que todos tivessem idêntico comportamento. Um só que publicasse já estaria provocando o dano à reputação dos donos da escola.
Agora é um pouco a mesma coisa.
O delegado deu entrevista que a Rede Globo, pelo menos, pôs no ar (não vi outros telejornais, mas suspeito que todos o tenham feito).
Adiantaria alguma coisa se a Folha, digamos, não publicasse a acusação ao pai da menina?
Salvaria a face do jornal, mas não salvaria o principal, que é a reputação do pai.
Nem importa, no caso, se vier a se comprovar que o pai é mesmo culpado. Não cabe ao delegado, ao menos nesta fase da investigação, dizer quem é ou não suspeito.
Se o pai for de fato culpado, será punido ao fim da investigação. Se for inocente, já está punido.
Uma série de indícios, porém, colocaram em xeque a versão do pai e da madrasta: havia vestígios de sangue no apartamento, Isabella parece ter morrido por asfixia e quebrou apenas um pulso na queda. Há também o relato de vizinhos que teriam ouvido a menina gritar "Pára, pai! Pára, pai!". Tudo isto deu motivo para que uma delegada que acompanha o caso tenha chamado o pai de Isabella de assassino na saída do depoimento à polícia. Segundo informação publicada nos jornais, há entre os investigadores quem acredite que Isabella nem sequer foi jogada pela janela.
A soma dos indícios sem dúvida pode levar o público a desconfiar da história contada pelo pai e madrasta da criança morta, mas não pode de maneira alguma permitir que os responsáveis pela publicação das reportagens sobre o caso tratem o casal como culpados ou mesmo suspeitos em um momento tão inicial das investigações.
Quando estourou o caso da Escola Base, hoje um exemplo estudado nas faculdades sobre o que não deve ser feito em matéria de jornalismo policial, um único jornal desconfiou da história e se recusou a dar uma linha sobre a cascata. Quando o caso foi elucidado e a inocência dos donos da escola restou provada, houve quem sugerisse que o Diário Popular recebesse, naquele ano, o Prêmio Esso de jornalismo pela não publicação das matérias. Tempos depois, o Diário Popular foi vendido para as Organizações Globo e mudou de nome para Diário de S. Paulo. Pelo visto, mudou também de caráter: a capa reproduzida acima, da edição de terça-feira (1/04), configura um verdadeiro crime contra o bom jornalismo. Não se trata aqui de defender o pai de Isabella – ele pode até ser culpado pela morte da filha –, mas de constatar que a capa do Diário fere os princípios mais básicos da ética jornalística e da presunção da inocência.
Um cínico pode alegar que tudo que está na manchete do jornal é verdadeiro, o Diário não veiculou informação falsa nem acusou peremptoriamente o pai de Isabella de assassinato. Sim, e provavelmente esta capa passou pelo departamento jurídico do jornal para avaliar se ela poderia ser objeto de processo. A manchete certamente também cumpriu o objetivo de fazer o jornal vender mais. Os responsáveis pela publicação sabem, também, que esta manchete destruiu a reputação do pai de Isabella. Ainda que no final das investigações o assassino seja outra pessoa, como bem observou hoje Clóvis Rossi na Folha de S. Paulo (leia a íntegra abaixo), o pai de Isabella já foi condenado pela imprensa. No caso do Diário de S. Paulo, foi condenado e exposto com requintes de crueldade.
Para o advogado do casal, a menina realmente gritou, mas foi por ajuda: teria sido algo como "Pára, pára! Pai, pai!", o que também faz sentido se ele estivesse sendo atacada por um terceira pessoa. A quem mais ela poderia recorrer senão ao pai?
O Diário de S. Paulo apostou todas as suas fichas em uma hipótese, a de que o pai de Isabella está envolvido na morte da filha. Se ele de fato estiver, o jornal tripudiou sobre um assassino. Se não estiver, acabou com a vida de um homem inocente. O bom jornalismo poderia evitar este tipo de atitude intempestiva. Ao que parece, a lição da Escola Base já começou a ser esquecida.
Leviandade é crime
Clóvis Rossi
SÃO PAULO - Se o poder público brasileiro (no caso, o paulista) adotasse o devido rigor, puniria o delegado responsável pelo caso da menina Isabella Oliveira Nardoni, 5 anos, morta no sábado, por colocar o pai como suspeito.
No fundo, estamos diante de uma gênese idêntica ao escândalo da Escola Base, no qual a mídia foi crucificada, com toda a justiça. Mas faltou mais alguém na cruz: o delegado responsável pela investigação do caso.
Vamos rebobinar um pouco a fita e analisar as circunstâncias em que se deu a desumana crucificação dos responsáveis pela escola, apontados como abusadores de crianças.
Quem detinha, com exclusividade, todas as informações? O delegado.
Ninguém mais. Quem repassou as informações aos jornalistas, coletivamente? O delegado. Aos jornalistas, restava um de dois caminhos: duvidar ou acreditar (claro que me refiro aos jornalistas de boa-fé; os que têm índole sensacionalista não precisam acreditar ou duvidar de nada para dar vazão à índole).
Mais: se duvidassem e decidissem não publicar, seria preciso que todos tivessem idêntico comportamento. Um só que publicasse já estaria provocando o dano à reputação dos donos da escola.
Agora é um pouco a mesma coisa.
O delegado deu entrevista que a Rede Globo, pelo menos, pôs no ar (não vi outros telejornais, mas suspeito que todos o tenham feito).
Adiantaria alguma coisa se a Folha, digamos, não publicasse a acusação ao pai da menina?
Salvaria a face do jornal, mas não salvaria o principal, que é a reputação do pai.
Nem importa, no caso, se vier a se comprovar que o pai é mesmo culpado. Não cabe ao delegado, ao menos nesta fase da investigação, dizer quem é ou não suspeito.
Se o pai for de fato culpado, será punido ao fim da investigação. Se for inocente, já está punido.
há alguns dias mandei um e-mail pro observatório da imprensa com essa mesma pergunte: uma nova escola-base? parece que a imprensa não aprende (e o delegado parece completamente descontrolado). a ver.
ResponderExcluirBelíssimo texto, LAM! A coragem de tocar nessa ferida faz a diferença deste espaço. O julgamento da mídia, com seu júri moldado em termos nazi-fascistas, tem sido uma velha canção nos nossos ouvidos. Com mais de 20 anos de profissão já vivenciei muitos ritos sumários. O assassinato de reputações é o pior dos crimes.
ResponderExcluirClóvis Rossi tem razão: se o pai for culpado, será condenado mais uma vez ao final da apuração.
E se for inocente, haveria alguma forma de reparar esse crime da imprensa? No caso da "Escola Base", a professora Cida Shimada morreu, recentemente, sem ver a cor da "indenização por danos morais".
Saudações democráticas.
Samuca
Também acredito, assim como o Clóvis Rossi, que o delegado Calil Filho deva ser punido. O cidadão anda falando demais, parece adorar o frenesi da mídia.
ResponderExcluirE os advogados do Nardoni então? Não sei se rio ou choro.
Estes dias fui obrigada a ouvir o Datena, já que não estava na minha casa tive que suportar aquele arremedo de jornalista, falar bobagens por uma hora à respeito do caso. Aliás, quero crer que ele ganhe por bobagem falada, pois do contrário o sujeito seria o exemplo do pensamento raso dos "sem noção de nada".
Vamos aguardar.
vcs. imaginem só neste fim de semana como será na midia - só vai ser falado disto, acho que a mídia
ResponderExcluirdeveria ser mais amena com tudo isto - vc. vai ver no gugu no faustão no fantástico, eu me coloco no lugar da família deste rapaz imagina o que se passa com eles, mesmo q. se prove q. ele seja
culpado é triste ver uma família destruida.
sonia
Parabéns, excelente post. Impossível não associar o caso Isabela ao caso da Escola Base.
ResponderExcluirInfelizmente o populacho tem uma vaga lembrança de qualquer coisa
É incrível como esse tipo de assunto desperta o interesse da população quase que em geral.
ResponderExcluirDesde o dia 30/03, não teve um dia que deixei de ser questionada sobre o que achava do caso Isabela, e a minha resposta sempre foi a mesma: desde o caso da Escola Base aprendi que não se deve fazer prejulgamento, principalmente quando a tragédia é de tamanha proporção.
Espero realmente que o caso seja toalmente esclarecido, mas jamais esquecido, independente do desfecho que venha ter. Fico feliz em saber que a Escola Base não caiu totalmente no esquecimento.