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Quércia quer o PMDB contra Lula

Vale a pena ler a íntegra da entrevista reproduzida abaixo, publicada originalmente na Folha de S. Paulo desta quarta-feira. O ex-governador Orestes Quércia é um político à antiga, daqueles que não dá ponto sem nó. O apoio às pretensões presidenciais do governador José Serra é uma resposta bem direta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que prometeu mundos e fundos ao PMDB paulista e não entregou coisa alguma. Em 2002, Quércia foi um dos primeiros peemedebistas, ao lado de Roberto Requião, a abandonar a candidatura patrocinada pelo então presidente Fernando Henrique, qual seja a do mesmo Serra que hoje ele apóia, para dar suporte ao então oposicionista Lula. Naquela época, os argumentos de Quércia eram praticamente os mesmos de hoje: ele batia na falta de arrojo do governo federal em promover o crescimento do país. Agora, o ex-governador reclama da tibieza da gestão Lula e diz que Serra sempre foi crítico tanto da política econômica de FHC como da de Lula. A seguir, a íntegra da entrevista.

"Candidatura de Serra é a única opção para derrotar governo Lula"

MÔNICA BERGAMO

De patinho feio da política, no início dos anos 90, o ex-governador Orestes Quércia (PMDB-SP) se transformou, este ano, no cisne mais vistoso da eleição municipal em São Paulo. Disputado pelos principais candidatos e partidos, graças principalmente aos quatro minutos que o PMDB dispõe para os programas de TV da campanha eleitoral, Quércia acabou fechando com o prefeito Gilberto Kassab (DEM-SP).
E diz claramente que fez isso para fortalecer a candidatura de José Serra (PSDB-SP) à Presidência da República em 2010. "É preciso mudar o governo. E a única possibilidade que eu vejo hoje é de o Serra ganhar a eleição." Abaixo, os principais trechos da conversa que ele teve com a Folha, na segunda-feira, em seu escritório:

FOLHA - Por que Gilberto Kassab?
ORESTES QUÉRCIA - Basicamente, nós decidimos não apoiar o PT. As pessoas falam: "Ah, mas você é candidato a senador", e o Kassab me ofereceu [a vaga ao Senado numa chapa DEM-PMDB em 2010]. E o DEM, por sua vez, tinha interesse nos quatro minutos de televisão do PMDB na eleição. Tem essas questões. Mas sobretudo eu acho que o país precisa mudar o governo do PT. E hoje só existe uma alternativa para derrotar o governo do Lula, que é a candidatura do José Serra [a presidente da República em 2010].
Como a eleição municipal tem esse objetivo, de fortalecer uma candidatura [a presidente], eu decidi tomar uma posição que beneficiasse os democratas e a aliança deles com o Serra. É claro, eu sou favorável a que o PMDB tenha candidato à Presidência. Meu candidato é o Roberto Requião [governador do Paraná]. Mas ele tem muitas dúvidas.

FOLHA - Não é uma candidatura colocada de verdade.
QUÉRCIA - Não é. Por isso eu fico numa situação difícil. Eu acho que é preciso mudar o governo. E a única possibilidade que eu vejo hoje é de o Serra ganhar a eleição em 2010.

FOLHA - Mas para a candidatura do Serra é melhor a vitória do Kassab do que a de Geraldo Alckmin (PSDB-SP), que é do partido dele?
QUÉRCIA - O Kassab é do DEM, mas a administração dele é tucana. É mais lógico que ele seja candidato a prefeito.

FOLHA - O senhor acha que a vitória do Alckmin ajudaria o projeto presidencial do governador Aécio Neves (PSDB-MG) contra Serra?
QUÉRCIA - Como existe essa dúvida, e até por causa dela, o ideal seria que o Alckmin apoiasse a eleição do Kassab a prefeito e depois se candidatasse ao governo de São Paulo em 2010, numa chapa com Serra candidato à Presidência. Agora, se o Alckmin definir ser candidato, o ideal é não brigar com o Kassab. Nem com o Quércia. Li hoje no jornal que [partidários de Alckmin] vão brigar comigo por causa de desavenças antigas que tive com o Mario Covas.
Não tem nenhum cabimento isso. Eu sempre fui amigo do Covas. Eu cometi um erro: fui agressivo com ele [na campanha ao governo de SP, em 1990, Quércia chamou Covas de "bundão"]. Fui grosseiro. Infelizmente aconteceu. Me arrependo. Ele não merecia. Eu teria me desculpado se tivesse tido chance. O que vai fazer, né? Mas, até a semana passada, eles [alckmistas] queriam que eu apoiasse o Alckmin para prefeito. Como é que, de repente... As uvas estão verdes? Aliás, o primeiro que me ofereceu vaga para me candidatar ao Senado foi o Alckmin.

FOLHA - Como foram as conversas com o ex-governador?
QUÉRCIA - Foram em dezembro. E, há um mês, eu estive com o José Aníbal [deputado federal ligado a Alckmin], que é meu amigo. E falamos sobre a hipótese de apoio ao Alckmin.

FOLHA - O senhor conversou com Serra sobre o acordo com Kassab?
QUÉRCIA - Não, não. Eu só conversei com o Serra numa festa que a esposa dele deu e convidou a minha mulher. E conversei aqui, na porta do prédio [onde Quércia tem escritório]. O Serra de vez em quando usa o heliponto daqui.

FOLHA - Falaram sobre o quê?
QUÉRCIA - Nada que eu me lembre (risos). Foi uma conversa rápida.

FOLHA - O Aloysio Nunes Ferreira [secretário da Casa Civil de Serra] foi à sua casa.
QUÉRCIA - É. Isso aí eu não estou me lembrando também não (risos).

FOLHA - Por que esconder um diálogo com o Serra?
QUÉRCIA - Eu tive diálogo com o Kassab. E o Kassab não fala três palavras sem citar o Serra. Então, o acordo que nós fizemos com ele tem ligações com o Serra. Eu sei que tem.

FOLHA - E por que não apoiar uma alternativa tucana como Alckmin e Aécio Neves?
QUÉRCIA - Aécio, não. Aí, não. Como faz cinqüenta anos que Minas não tem presidente, e cem que São Paulo não tem, fico com São Paulo. Eu era amigo do Tancredo Neves, avô dele. Conheço o Aécio daquela época, respeito muito, é muito inteligente. Mas ele tem tempo ainda para ser presidente, né? A alternativa Serra é melhor.

FOLHA - E se o Aécio entrar no PMDB?
QUÉRCIA - Eu não acredito nisso. O PMDB é um partido muito dividido. Para ele, seria um risco muito grande.

FOLHA - De entrar no partido e não ser candidato?
QUÉRCIA - É. Ele jamais entraria, eu acho.

FOLHA - Mas, caso ele entre, o senhor o apoiaria para ser candidato à Presidência?
QUÉRCIA - Hoje, não.

FOLHA - O senhor diz que sua decisão de apoiar Kassab foi, basicamente, para derrotar o PT. Mas o senhor conversou com o partido sobre a candidatura de Marta Suplicy (PT-SP).
QUÉRCIA - Eu não podia dizer que eu não conversaria com eles. Eu tinha que conversar. A Marta esteve comigo aqui. Foi uma conversa boa. Mas sempre disse que era difícil, explicando essa questão a nível nacional.

FOLHA - As pessoas creditam sua decisão a uma mágoa antiga com o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), que lançou um candidato ao Senado em 2006 contrariando um acordo e atrapalhado sua candidatura.
QUÉRCIA - Se disser que não levo isso em conta... Eu tenho que levar, uai! Até cheguei a fazer locação de dois imóveis para montar o comitê Lula/Quércia.
Que nunca foi montado. Tudo bem. Mas eu não tomaria uma decisão por causa disso. Eu tomei uma decisão política. O ideal é que o PT não ganhe a eleição em 2010. O governo tem que mudar porque eles não têm competência para governar. E é preocupante o PT ter essa hegemonia no país.

FOLHA - Por quê?
QUÉRCIA - É mensalão, problemas políticos, falta de cumprimento de compromissos.

FOLHA - O PT diz que o mensalão era caixa dois. O senhor também já admitiu que fez caixa dois.
QUÉRCIA - Uma coisa era, antigamente, fazer a campanha eleitoral. Era assim. Mas pagar mensalidade para deputado? Isso é um absurdo, isso eu nunca vi. Para você ver a cabeça do PT, o perigo que isso significa, né? Agora eles aprenderam que isso daí é um absurdo. Espero que não volte a acontecer. Mas as coisas vão mal no Brasil com o PT. O governo vai bem porque o mundo inteiro vai bem.
Então ele vai surfando numa onda. Mas o governo não consegue nem gastar o orçamento que tem para obras, infra-estrutura. E não consegue porque não há competência de administrar. O PAC é o orçamento normal que eles já tinham, e juntaram. Aliás, isso eles aprenderam com o Collor, que fazia um lançamento de coisas que já estavam programadas. E a aliança que o PT fez com o PMDB não está funcionando em nível nacional.

FOLHA - Por quê?
QUÉRCIA - O presidente Lula, quando ganhou a eleição em 2006, falou em fazer uma coalizão com o partido. Até aquele momento, ele só negociava com o José Sarney e com o Renan Calheiros. Participei até de uma conversa com ele em que estavam também o [deputado] Michel Temer (PMDB-SP) e o Moreira Franco (PMDB-RJ). E a coalizão não existiu. O que aconteceu? O PMDB não participa do processo da economia, do governo. Nada. Ficou correndo atrás de cargos, virou o partido que só pensa em cargo.
Até o Geddel [Veira Lima, ministro da Integração Nacional], que é do PMDB, foi indicado pelo governador da Bahia [Jaques Wagner, do PT]. O ministro José Gomes Temporão, da Saúde, foi indicado pelo Lula.

FOLHA - Não foi pelo governador do Rio, Sérgio Cabral, do PMDB?
QUÉRCIA - Ele indicou a pedido. O Lula disse: "Oh, indica aí que é bom". E ele indicou.

FOLHA - O senhor sempre criticou o governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, apoiado pelo PFL, hoje DEM, de "neoliberal". O senhor mudou? Ou eles mudaram?
QUÉRCIA - Eles fizeram o Plano Real e a coisa funcionou. Mas o Fernando Henrique deixou de fazer muito investimento porque ele não tinha aquele desprendimento. Como o Lula. Não é por acaso que o Serra sempre foi um crítico da economia do governo do qual ele participava. Ele achava que o país precisava ter um processo de crescimento. Ele tem uma postura de acordo com o que eu sempre defendi.

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