Pular para o conteúdo principal

Ombudsman deixa o cargo por discordar
de decisão da direção da Folha de S. Paulo

Este blog sempre elogiou muito o trabalho do ombudsman da Folha de S. Paulo, Mário Magalhães, cujo mandato terminou e não foi renovado pela direção do jornal. Segundo o agora ex-ombudsman, a Folha lhe propôs a renovação do mandato com a condição de que ele deixasse de publicar as críticas internas na internet, medida com a qual ele não concordou. Com o impasse, Magalhães deixou o cargo.

Ainda segundo o que escreveu Mário Magalhães, a direção da Folha alega que a crítica interna estava sendo aproveitada por jornais concorrentes, o que acaba prejudicando o diário da Barão de Limeira. Ora, se isto é verdade, ocorria desde 2000, quando a crítica passou a ser publicada na internet. Ademais, Magalhães argumenta que é impossível manter o sigilo de uma crítica interna que passará a ser distribuída por e-mail a uma centena de pessoas (os jornalistas e a cúpula da Folha).

A motivação do jornal para tirar da internet a crítica interna pode até ter sido de ordem comercial ou estratégica, conforme a versão oficial, mas frente à fragilidade dos argumentos
é perfeitamente cabível desconfiar de uma manobra para tirar Mário Magalhães do cargo de Ombudsman. Não se trata aqui de teoria conspiratória: no seu mandato, Magalhães foi o ombudsman que mais expôs (e criticou) a editorialização das reportagens da Folha, apontando em especial uma certa vontade do jornal de defender o governador José Serra (PSDB). Recentemente, Magalhães escreveu sobre o suposto dossiê sobre os gastos da gestão tucana na presidência e apontou diversas falhas de apuração e edição nas matérias da Folha.

Este blog de fato até se surpreendeu com a firmeza do ex-ombudsman, que em momento algum pareceu pressionado pela direção do jornal a "maneirar" nas críticas, mas já duvidada que o seu mandato pudesse ser renovado. Na crítica externa, a exposição dos erros e problemas na cobertura pode parecer constrangedora, mas na verdade é o melhor meio de fazer as reclamações dos leitores serem tornadas públicas, o que só ajuda o bom jornalismo e é uma mão na roda para a função de ombudsman. A decisão da Folha de não publicar mais este material na web contradiz este que é o maior dos acertos do jornal paulista nos últimos tempos: incluir a observação da mídia nas suas próprias páginas e em seu site na internet. Desde já o Entrelinhas se habilita a publicar as críticas internas do futuro Ombudsman que "vazarem" por e-mail.

Comentários

  1. Esta era uma das bolas mais cantadas dos últimos tempos: Magalhães não iria durar muito mesmo na Folha. É bem interessante... PHA, agora o Mário Magalhães...

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...

Dúvida atroz

A difícil situação em que se encontra hoje o presidente da República, com 51% de avaliação negativa do governo, 54% favoráveis ao impeachment e rejeição eleitoral batendo na casa dos 60%, anima e ao mesmo tempo impõe um dilema aos que articulam candidaturas ditas de centro: bater em quem desde já, Lula ou Bolsonaro?  Há quem já tenha a resposta, como Ciro Gomes (PDT). Há também os que concordam com ele e vejam o ex-presidente como alvo preferencial. Mas há quem prefira investir prioritariamente no derretimento do atual, a ponto de tornar a hipótese de uma desistência — hoje impensável, mas compatível com o apreço presidencial pelo teatro da conturbação — em algo factível. Ao que tudo indica, só o tempo será capaz de construir um consenso. Se for possível chegar a ele, claro. Por ora, cada qual vai seguindo a sua trilha. Os dois personagens posicionados na linha de tiro devido à condição de preferidos nas pesquisas não escondem o desejo de se enfrentar sem os empecilhos de terceira,...