Vale a pena ler o que escreveu Alberto Dines sobre a despedida do Ombudsman da Folha, Mário Magalhães, no Observatório da Imprensa. Na íntegra, para os leitores do blog:
Impossível separar o lançamento na grande imprensa do livro de Eugênio Bucci (Em Brasília, 19 horas, Editora Record, 2008) do anúncio da não-renovação do mandato do ombudsman da Folha de S.Paulo, Mário Magalhães [ver remissões abaixo].
A convergência não se dá apenas no tempo: a Editora Record conseguiu que os três jornalões nacionais fizessem a apresentação do livro no mesmo dia (sábado, 5/4) enquanto a melancólica despedida de Mario Magalhães deu-se no dia seguinte, domingo, evidentemente só na Folha.
A confluência dá-se também no perfil dos protagonistas – Bucci e Magalhães, embora em veículos e estilos diferentes, revelam-se esmerados e intransigentes media critics. E muito próximos no teor das manifestações. Ambas arrasadoras. Num caso, o alvo é o jornalismo oficial, no outro o jornalismo comercial.
Coragem moral
Uma frase lapidar de Bucci foi parar na primeira página do Globo (repetida na capa do seu "Segundo Caderno"):
"Pode haver a mínima ética jornalística numa empresa cuja administração seja controlada pelo governo? É claro que não. Para que o jornalismo seja viável, o governo deve ser mantido a quilômetros de distância da redação."
A mesma frase, ou paráfrase, poderia ser aplicada às empresas jornalísticas privadas:
Pode haver a mínima ética numa empresa jornalística voltada apenas para o faturamento mensal, esquecida das ameaças que a curto prazo rondam a mídia impressa? É claro que não. Para que o jornalismo privado seja viável e sobreviva à revolução tecnológica, é imperioso que interesses comerciais mesquinhos sejam mantidos a quilômetros de distância da redação.
A verdade é que Eugênio Bucci, com tranqüilidade e discrição, venceu todas as pressões. A Radiobrás que presidiu ao longo do primeiro mandato do presidente Lula não se converteu em extensão do PT ou da base aliada, seu noticiário foi eqüidistante, seu orçamento foi respeitado e a empresa não foi convertida num cabide de empregos.
No plano pessoal, Bucci conseguiu manter uma linha de independência e integridade intelectual raramente igualada na esfera palaciana nas últimas décadas: recusou publicamente o trambique do Conselho Federal de Jornalismo, denunciou a hegemonia dos assessores de comunicação na Federação dos Nacional Jornalistas (Fenaj) e contestou o governo no início do "complô da mídia", afirmando com todas as letras que governos não podem fingir-se de vítimas.
Significa que Bucci, o autor, contradiz Bucci, o presidente de uma empresa de "jornalismo público"? Não. Significa apenas que os nossos conceitos sobre a natureza das instituições não podem passar ao largo das considerações sobre a natureza humana.
É possível, sim, produzir um "jornalismo público" numa empresa estatal de um país dominado pelo patrimonialismo. Basta ter convicção, coragem moral e despir-se de qualquer arrogância.
Vaticínio confirmado
No caso da descontinuidade do mandato do ouvidor Mário Magalhães, a Folha de S.Paulo errou. E errou porque em alguns momentos, influenciada por imponderáveis conjugações dos astros, o mais ousado dos nossos jornalões age como se estivesse acima do bem e do mal, ungido pelos deuses.
Não se mudam as regras do jogo no meio do jogo. Sobretudo quando estas regras foram consagradas como um marco. A circulação pela internet dos comentários diários do ombudsman representa um avanço extraordinário em matéria de transparência e responsabilidade social. Nenhum ouvidor aceitaria uma alteração tão drástica no meio do seu mandato abrindo mão de parte essencial de suas funções.
Uma empresa comercial pode tomar decisões aéticas. A necessidade de garantir a sobrevivência de centenas ou milhares de empregados pode colocá-las diante de impasses só resolvidos no plano do pragmatismo. Seres humanos – e não apenas os encarregados de proteger e estimular a ética profissional – não podem esconder debaixo do tapete as cogitações morais.
No caso de ouvidores, treinados e contratados para serem solitários e exigentes, é inadmissível que capitulem, seduzidos pela argumentação da realpolitik. Seria indecente.
Eugênio Bucci e Mário Magalhães são seres íntegros que levaram as respectivas visões de mundo e visões de vida às últimas conseqüências. Não conflitam, completam-se. Viveram seus desafios em mundos opostos, talvez irreconciliáveis, e comprovam que homens de fibra comprometidos com suas consciências, mesmo impedidos de finalizar seus projetos, jamais poderão ser vistos como derrotados.
***
Quando, em maio de 1975, Octávio Frias de Oliveira afinal aceitou a sugestão deste observador para a criação de uma coluna de crítica da mídia ("Jornal dos Jornais") na Folha de S. Paulo, foi clarividente como sempre: "Você só vai arranjar inimigos". O vaticínio confirmou-se. A crítica da mídia – tanto na esfera pública como privada – é uma função (ou missão) maldita. Viva os malditos.
Impossível separar o lançamento na grande imprensa do livro de Eugênio Bucci (Em Brasília, 19 horas, Editora Record, 2008) do anúncio da não-renovação do mandato do ombudsman da Folha de S.Paulo, Mário Magalhães [ver remissões abaixo].
A convergência não se dá apenas no tempo: a Editora Record conseguiu que os três jornalões nacionais fizessem a apresentação do livro no mesmo dia (sábado, 5/4) enquanto a melancólica despedida de Mario Magalhães deu-se no dia seguinte, domingo, evidentemente só na Folha.
A confluência dá-se também no perfil dos protagonistas – Bucci e Magalhães, embora em veículos e estilos diferentes, revelam-se esmerados e intransigentes media critics. E muito próximos no teor das manifestações. Ambas arrasadoras. Num caso, o alvo é o jornalismo oficial, no outro o jornalismo comercial.
Coragem moral
Uma frase lapidar de Bucci foi parar na primeira página do Globo (repetida na capa do seu "Segundo Caderno"):
"Pode haver a mínima ética jornalística numa empresa cuja administração seja controlada pelo governo? É claro que não. Para que o jornalismo seja viável, o governo deve ser mantido a quilômetros de distância da redação."
A mesma frase, ou paráfrase, poderia ser aplicada às empresas jornalísticas privadas:
Pode haver a mínima ética numa empresa jornalística voltada apenas para o faturamento mensal, esquecida das ameaças que a curto prazo rondam a mídia impressa? É claro que não. Para que o jornalismo privado seja viável e sobreviva à revolução tecnológica, é imperioso que interesses comerciais mesquinhos sejam mantidos a quilômetros de distância da redação.
A verdade é que Eugênio Bucci, com tranqüilidade e discrição, venceu todas as pressões. A Radiobrás que presidiu ao longo do primeiro mandato do presidente Lula não se converteu em extensão do PT ou da base aliada, seu noticiário foi eqüidistante, seu orçamento foi respeitado e a empresa não foi convertida num cabide de empregos.
No plano pessoal, Bucci conseguiu manter uma linha de independência e integridade intelectual raramente igualada na esfera palaciana nas últimas décadas: recusou publicamente o trambique do Conselho Federal de Jornalismo, denunciou a hegemonia dos assessores de comunicação na Federação dos Nacional Jornalistas (Fenaj) e contestou o governo no início do "complô da mídia", afirmando com todas as letras que governos não podem fingir-se de vítimas.
Significa que Bucci, o autor, contradiz Bucci, o presidente de uma empresa de "jornalismo público"? Não. Significa apenas que os nossos conceitos sobre a natureza das instituições não podem passar ao largo das considerações sobre a natureza humana.
É possível, sim, produzir um "jornalismo público" numa empresa estatal de um país dominado pelo patrimonialismo. Basta ter convicção, coragem moral e despir-se de qualquer arrogância.
Vaticínio confirmado
No caso da descontinuidade do mandato do ouvidor Mário Magalhães, a Folha de S.Paulo errou. E errou porque em alguns momentos, influenciada por imponderáveis conjugações dos astros, o mais ousado dos nossos jornalões age como se estivesse acima do bem e do mal, ungido pelos deuses.
Não se mudam as regras do jogo no meio do jogo. Sobretudo quando estas regras foram consagradas como um marco. A circulação pela internet dos comentários diários do ombudsman representa um avanço extraordinário em matéria de transparência e responsabilidade social. Nenhum ouvidor aceitaria uma alteração tão drástica no meio do seu mandato abrindo mão de parte essencial de suas funções.
Uma empresa comercial pode tomar decisões aéticas. A necessidade de garantir a sobrevivência de centenas ou milhares de empregados pode colocá-las diante de impasses só resolvidos no plano do pragmatismo. Seres humanos – e não apenas os encarregados de proteger e estimular a ética profissional – não podem esconder debaixo do tapete as cogitações morais.
No caso de ouvidores, treinados e contratados para serem solitários e exigentes, é inadmissível que capitulem, seduzidos pela argumentação da realpolitik. Seria indecente.
Eugênio Bucci e Mário Magalhães são seres íntegros que levaram as respectivas visões de mundo e visões de vida às últimas conseqüências. Não conflitam, completam-se. Viveram seus desafios em mundos opostos, talvez irreconciliáveis, e comprovam que homens de fibra comprometidos com suas consciências, mesmo impedidos de finalizar seus projetos, jamais poderão ser vistos como derrotados.
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Quando, em maio de 1975, Octávio Frias de Oliveira afinal aceitou a sugestão deste observador para a criação de uma coluna de crítica da mídia ("Jornal dos Jornais") na Folha de S. Paulo, foi clarividente como sempre: "Você só vai arranjar inimigos". O vaticínio confirmou-se. A crítica da mídia – tanto na esfera pública como privada – é uma função (ou missão) maldita. Viva os malditos.
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