Vale a pena ler o texto abaixo, do grande Carlinhos Brickmann, na íntegra. A maior parte das notas é sobre o caso Isabella e as duas últimas, sobre os gastos do presidente Lula com chicletes e sorvetes no avião presidencial. À diferença de muitos colegas, Carlinhos sabe fazer contas e pensa sobre o que lê antes de escrever besteiras. O artigo original saiu no Observatório da Imprensa. Este blog só discorda de Carlinhos em um pequeno detalhe: os gastos do AeroSerra jamais serão publicados nos nossos atentos jornalões. Aliás, repórter algum se lembrou de perguntar a Geraldo Alckmin (PSDB) o que ele achou da recompra, por Serra, do avião que ele, Alckmin, tinha vendido... Como a campanha vem aí, fica a sugestão de pergunta para os repórteres que acompanharão o candidato tucano: Geraldo Alckmin, o senhor é contra ou a favor do AeroSerra?
A menina e os abutres da montanha
O filme é de 1951, com Kirk Douglas, direção de Billy Wilder. No Brasil, chamou-se A Montanha dos Sete Abutres. Em inglês, The Big Carnival. É a história de uma tragédia, de um homem que fica preso dentro da montanha. Daria para salvá-lo depressa, mas um repórter esperto vê ali a grande oportunidade de sua vida: acumpliciado com algumas autoridades, arrumou um jeito para que o salvamento demorasse e gerasse muita matéria. A imprensa mergulhou no caso, criando aquilo que hoje se chama "comoção social", ou "clamor público". Em volta da montanha, acamparam curiosos, surgiram camelôs, montou-se um parque de diversões. O filme tem 57 anos – e pouca coisa é tão atual, não é mesmo?
Quem matou a menina Isabella? Não, não é este nosso tema: o que discutimos, na área de comunicação, é que, seja quem for o culpado, a imprensa já escolheu os seus culpados (que podem até ser os mesmos, mas terá sido pura coincidência). E, como no filme, não age sozinha: age com aquela autoridade que grita "assassinos" em vez de trabalhar para provar a autoria do crime. Age com aquela outra autoridade que visivelmente se esforça para manter um olho numa câmera e não perder contato com outra câmera que pode vir a se aproximar. Age com autoridades que garantem que 92,47% do crime estão resolvidos, e não há repórter que lhes peça para elucidar a porcentagem. Num caso de homicídio, apontar o responsável (ou responsáveis) e provar sua culpa representam quantos por cento do caso?
O fato é que a opinião pública, movida em boa parte por nós, da imprensa, escolheu o seu lado. Este colunista já ouviu idiotas dizendo que, se tivessem de encaminhar seu filho num fim de semana ao ex-cônjuge e à sua nova companhia, prefeririam fugir com a criança e enfrentar a Justiça. Há gente – sim, são imbecis, mas nada impede que suas idéias se propaguem – que manifesta preconceitos contra madrastas (só madrastas: padrasto, ao que parece, para essa gente é mais confiável; talvez por que, nos clássicos desenhos de Disney, as madrastas fossem piores).
Imaginemos que os acusados pela tragédia de Isabella sejam o pai e sua segunda esposa. Qual júri será isento o suficiente para julgá-los? E imaginemos que não sejam: quem reconstruirá sua vida destruída? Isso não parece problema para muitos jornalistas: caso os culpados sejam outros, nada melhor do que escrever sobre o Bar Bodega, a Escola Base e botar a culpa nos colegas que não puderam se defender tão rapidamente.
The End
No filme A Montanha dos Sete Abutres, toda a imprensa americana aceita a história falsa, de que o salvamento teria de ser demorado. Quando morre a vítima, o repórter responsável pela armação telefona para seu editor e diz que a tragédia foi, na verdade, um homicídio. É a primeira verdade que o repórter diz. E o editor, irritado, lhe bate o telefone na cara.
O caro colega
Um jornalista muito bom, Guilherme Fiúza (que escrevia um belo blog no portal Nomínimo e escreveu o livro Meu nome não é Johnny, em que se baseou o filme), sabe o que é ser trucidado pela imprensa, porque esteve lá. Seu filho pequeno estava no colo da mãe, na varanda. Ela tropeçou, o garoto caiu . "Em meia hora", lembra Fiúza, "estava preso, com vizinhos dizendo que eu vivia brigando com minha esposa, que tinham ouvido na noite anterior ruídos de porta batendo, de muita gritaria. Coisa que surgiu na cabeça de vizinhos delirantes."
A repórter Luísa de Alcântara e Silva, da Folha de S.Paulo, que fez a bela entrevista, perguntou-lhe o que mais o chocou no caso de Isabella. Responde Fiúza: "Quando eu vi a mãe dela chegando na delegacia e quase sendo derrubada por jornalistas, que são meus colegas. Acho que as pessoas enlouqueceram ao tratar uma mãe que perde uma filha dessa maneira. Falo da combinação perigosa de vizinhos fofoqueiros, delegados precipitados e a imprensa ávida por notícia. Falta respeito. É possível que o Alexandre seja culpado. Agora, a gente não sabe. Pode ser que não seja".
O valor da testemunha
Qual o leitor desta coluna que já não foi incomodado por algum vizinho que imaginou festas em seu apartamento? Este colunista já foi acordado às 2h30 da manhã por uma vizinha que reclamava do barulho do pessoal que andava de salto alto. Naquele momento, o colunista era a única pessoa acordada da casa. E mesmo assim foi difícil convencer a vizinha insone.
Incrível!!!
Investigação é isso aí: apuraram que, a bordo do AeroLula, na viagem da comitiva presidencial para Nova York, foram gastos 80 dólares em chicletes. Mais terrível ainda: havia 104 dólares gastos em sorvetes! Agora vamos fazer a conta (uma conta generosa, com o dólar a dois reais): viagem de umas trinta pessoas a Nova York, ida e volta, umas vinte horas de vôo, e gastaram 160 reais em chicletes? Gastaram duzentinhos em sorvete? Dá uns três reais de sorvete por pessoa, em cada braço da viagem. Dá uns dois reais de chicletes. O problema do AeroLula, pelo jeito, não é o excesso de gastos: é o pão-durismo com os comes. Só faltou a tenebrosa barra de cereal da Gol e aquele horroroso sanduíche congelado da TAM
.
Extraordinário!!!
Come-se mal, muito mal, também nos vôos do governador José Serra. Ele tem mania de contar calorias. E toque sanduíches de pão integral com queijo branco diet e uma folha de alface. Mas, somando tudo, num bom período, deve dar um gasto que parece grande. Já já vão denunciá-lo.
A menina e os abutres da montanha
O filme é de 1951, com Kirk Douglas, direção de Billy Wilder. No Brasil, chamou-se A Montanha dos Sete Abutres. Em inglês, The Big Carnival. É a história de uma tragédia, de um homem que fica preso dentro da montanha. Daria para salvá-lo depressa, mas um repórter esperto vê ali a grande oportunidade de sua vida: acumpliciado com algumas autoridades, arrumou um jeito para que o salvamento demorasse e gerasse muita matéria. A imprensa mergulhou no caso, criando aquilo que hoje se chama "comoção social", ou "clamor público". Em volta da montanha, acamparam curiosos, surgiram camelôs, montou-se um parque de diversões. O filme tem 57 anos – e pouca coisa é tão atual, não é mesmo?
Quem matou a menina Isabella? Não, não é este nosso tema: o que discutimos, na área de comunicação, é que, seja quem for o culpado, a imprensa já escolheu os seus culpados (que podem até ser os mesmos, mas terá sido pura coincidência). E, como no filme, não age sozinha: age com aquela autoridade que grita "assassinos" em vez de trabalhar para provar a autoria do crime. Age com aquela outra autoridade que visivelmente se esforça para manter um olho numa câmera e não perder contato com outra câmera que pode vir a se aproximar. Age com autoridades que garantem que 92,47% do crime estão resolvidos, e não há repórter que lhes peça para elucidar a porcentagem. Num caso de homicídio, apontar o responsável (ou responsáveis) e provar sua culpa representam quantos por cento do caso?
O fato é que a opinião pública, movida em boa parte por nós, da imprensa, escolheu o seu lado. Este colunista já ouviu idiotas dizendo que, se tivessem de encaminhar seu filho num fim de semana ao ex-cônjuge e à sua nova companhia, prefeririam fugir com a criança e enfrentar a Justiça. Há gente – sim, são imbecis, mas nada impede que suas idéias se propaguem – que manifesta preconceitos contra madrastas (só madrastas: padrasto, ao que parece, para essa gente é mais confiável; talvez por que, nos clássicos desenhos de Disney, as madrastas fossem piores).
Imaginemos que os acusados pela tragédia de Isabella sejam o pai e sua segunda esposa. Qual júri será isento o suficiente para julgá-los? E imaginemos que não sejam: quem reconstruirá sua vida destruída? Isso não parece problema para muitos jornalistas: caso os culpados sejam outros, nada melhor do que escrever sobre o Bar Bodega, a Escola Base e botar a culpa nos colegas que não puderam se defender tão rapidamente.
The End
No filme A Montanha dos Sete Abutres, toda a imprensa americana aceita a história falsa, de que o salvamento teria de ser demorado. Quando morre a vítima, o repórter responsável pela armação telefona para seu editor e diz que a tragédia foi, na verdade, um homicídio. É a primeira verdade que o repórter diz. E o editor, irritado, lhe bate o telefone na cara.
O caro colega
Um jornalista muito bom, Guilherme Fiúza (que escrevia um belo blog no portal Nomínimo e escreveu o livro Meu nome não é Johnny, em que se baseou o filme), sabe o que é ser trucidado pela imprensa, porque esteve lá. Seu filho pequeno estava no colo da mãe, na varanda. Ela tropeçou, o garoto caiu . "Em meia hora", lembra Fiúza, "estava preso, com vizinhos dizendo que eu vivia brigando com minha esposa, que tinham ouvido na noite anterior ruídos de porta batendo, de muita gritaria. Coisa que surgiu na cabeça de vizinhos delirantes."
A repórter Luísa de Alcântara e Silva, da Folha de S.Paulo, que fez a bela entrevista, perguntou-lhe o que mais o chocou no caso de Isabella. Responde Fiúza: "Quando eu vi a mãe dela chegando na delegacia e quase sendo derrubada por jornalistas, que são meus colegas. Acho que as pessoas enlouqueceram ao tratar uma mãe que perde uma filha dessa maneira. Falo da combinação perigosa de vizinhos fofoqueiros, delegados precipitados e a imprensa ávida por notícia. Falta respeito. É possível que o Alexandre seja culpado. Agora, a gente não sabe. Pode ser que não seja".
O valor da testemunha
Qual o leitor desta coluna que já não foi incomodado por algum vizinho que imaginou festas em seu apartamento? Este colunista já foi acordado às 2h30 da manhã por uma vizinha que reclamava do barulho do pessoal que andava de salto alto. Naquele momento, o colunista era a única pessoa acordada da casa. E mesmo assim foi difícil convencer a vizinha insone.
Incrível!!!
Investigação é isso aí: apuraram que, a bordo do AeroLula, na viagem da comitiva presidencial para Nova York, foram gastos 80 dólares em chicletes. Mais terrível ainda: havia 104 dólares gastos em sorvetes! Agora vamos fazer a conta (uma conta generosa, com o dólar a dois reais): viagem de umas trinta pessoas a Nova York, ida e volta, umas vinte horas de vôo, e gastaram 160 reais em chicletes? Gastaram duzentinhos em sorvete? Dá uns três reais de sorvete por pessoa, em cada braço da viagem. Dá uns dois reais de chicletes. O problema do AeroLula, pelo jeito, não é o excesso de gastos: é o pão-durismo com os comes. Só faltou a tenebrosa barra de cereal da Gol e aquele horroroso sanduíche congelado da TAM
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Extraordinário!!!
Come-se mal, muito mal, também nos vôos do governador José Serra. Ele tem mania de contar calorias. E toque sanduíches de pão integral com queijo branco diet e uma folha de alface. Mas, somando tudo, num bom período, deve dar um gasto que parece grande. Já já vão denunciá-lo.
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