Em mais uma colaboração para o blog, o professor Wagner Iglecias aproveita a deixa do artigo sobre Kátia Abreu e comenta com mais profundidade o grande teste pelo qual passará o DEM, neste ano. A seguir, o texto na íntegra, publicado também na edição desta sexta-feira no jornal DCI.
Durante muito tempo o PFL, atual DEM, foi associado ao que de mais conservador havia na cena política brasileira. Um partido composto por líderes políticos de direita, em geral oriundos da Arena, o braço civil da ditadura militar que comandou o país entre 1964 e 1985. Mais que isso, uma agremiação formada pelas oligarquias familiares de alguns dos estados mais pobres do país, via de regra incrustadas há décadas no poder e mantendo com o eleitorado relações clientelistas, na base da troca de voto e apoio político por benesses individualizadas que em verdade deveriam ser direitos universais.
Apesar de ter possuído desde sua fundação várias correntes, o PFL sempre uniu-se em torno de interesses comuns a todas elas. O partido, à semelhança do PMDB, sempre pareceu uma federação de caciques políticos locais, com pequenas ou nulas condições de pleitear, com chances reais, a Presidência da República. Desta maneira, para além das afinidades ideológicas, o que juntou as várias facções do PFL durante tantos anos foi a oportunidade de se fazerem presentes, como aliados de alguém mais forte, no governo federal. Ressalte-se, neste sentido, que o senso de oportunidade dos pefelistas sempre foi alto. Assim foi quando da fundação do partido, para o apoio à candidatura oposicionista de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, e quando da aliança com o PSDB para o apoio ao então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso dez anos mais tarde, na eleição presidencial de 1994. De fato, desde a eleição de Tancredo os pefelistas só não ocuparam postos de destaque em Brasília durante o breve mandato de Itamar Franco e a partir de 2003, com o início do governo Lula.
Apesar dos muitos êxitos políticos conquistados desde seu surgimento o PFL sofreu também vários revezes em sua história. As urnas têm sido particularmente duras com o partido nos últimos anos, e isso se deve a uma série de fatores de naturezas as mais diversas. O mais significativo talvez seja a transformação da sociedade brasileira no último quarto de século. O Brasil modernizou-se e urbanizou-se nas duas últimas décadas ainda mais intensamente do que havia ocorrido até os anos 70, e é provável que a antiga relação que as lideranças políticas locais estabeleciam no passado com suas clientelas já não responda mais aos anseios do cidadão/eleitor. Ressalte-se ainda que os dois partidos mais competitivos no cenário nacional, PT e PSDB, embora tenham origem urbana enraizaram-se nos chamados grotões, os pequenos municípios no interior do País, em muitos dos quais onde o PFL transitava com maior desenvoltura. Esse enraizamento tucano e petista fez com que o partido visse se comprimir nos últimos anos seu espaço tradicional no "mercado eleitoral". A recíproca jamais foi verdadeira, dada a crônica debilidade do PFL no centro-sul do País e principalmente nas grandes metrópoles, onde na maioria das vezes conseguiu constituir-se apenas como a quarta ou quinta força política. Para além disso ressalte-se que o aliado PSDB sempre teve muito mais trânsito que o DEM junto aos segmentos mais dinâmicos da economia brasileira, como o setor financeiro e a indústria paulista.
Outros fatos, mais específicos, constituíram-se em pesados golpes sofridos pelo partido, tenham sido eles frutos do acaso, da ação de adversários ou dos erros de cálculo de suas lideranças. Entre eles a morte prematura do deputado Luís Eduardo Magalhães, em 1998; a renúncia de ACM ao cargo de senador, em 2001, após um prolongado processo de desgaste junto à opinião pública por conta da crise da adulteração do painel do Senado; a erosão, em 2002, da então ascendente candidatura presidencial de Roseana Sarney depois da apreensão, pela Polícia Federal, de R$ 1,34 milhão em dinheiro na sede da empresa Lunus, pertencente à senadora e a seu marido; o fim melancólico do governo de Jaime Lerner, no Paraná, também em 2002; e a progressiva diminuição do peso de lideranças como Marco Maciel na política pernambucana e de Jorge Bornhausen na política catarinense.
Para piorar um pouco mais o cenário o PFL encontra-se fora do governo federal há mais de cinco anos, algo que jamais havia ocorrido antes na história do partido. Seu nome mais conhecido, ACM, morreu em 2007 e a maioria de suas lideranças envelheceu. Há alguns anos o partido já vinha conhecendo derrotas significativas em importantes capitais de seu berço político, o Nordeste, e em 2006 foi praticamente varrido do mapa eleitoral da região, não tendo conquistado o comando de nenhum estado. Além disso a cada legislatura é menor a presença do partido na Câmara dos Deputados. Mas nem tudo são espinhos na história recente da agremiação. A sucessão geracional está em marcha, com a ascensão interna de jovens lideranças, e a mudança de nome para Democratas parece constituir-se numa iniciativa daquilo que os profissionais de marketing chamam de “reposicionamento da marca”. O novo nome do partido remete à tentativa de criar uma nova imagem, mais moderna, urbana e sintonizada com os anseios da cidadania. O partido vai aos poucos tentando aprender a ser oposição, colocando-se muitas vezes de forma bem mais incisiva em relação ao governo Lula do que o PSDB, seu parceiro preferencial. Bate duro na questão da lisura no trato do dinheiro público, reitera os valores da democracia e coloca-se como o verdadeiro herdeiro da esperança após a debàcle moral do PT no poder. Aposta na recondução de Gilberto Kassab à prefeitura de São Paulo e conta com a força de César Maia para manter o comando da prefeitura do Rio de Janeiro. Ali a candidata deverá ser Solange Amaral, numa estratégia na qual talvez se possa antever a possibilidade, nestes tempos de ventos femininos na política mundial, de o partido apostar em outra mulher para a eleição presidencial de 2010, com uma eventual candidatura da senadora Katia Abreu, de Tocantins. Daqui até lá, no entanto, muita água ainda vai rolar por debaixo da ponte, e as urnas de 2008 serão a prova de fogo para o partido. Com a palavra o eleitorado, que dirá se acredita nesta cara moderna do DEM ou se vê no partido o velho PFL de outrora.
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
Durante muito tempo o PFL, atual DEM, foi associado ao que de mais conservador havia na cena política brasileira. Um partido composto por líderes políticos de direita, em geral oriundos da Arena, o braço civil da ditadura militar que comandou o país entre 1964 e 1985. Mais que isso, uma agremiação formada pelas oligarquias familiares de alguns dos estados mais pobres do país, via de regra incrustadas há décadas no poder e mantendo com o eleitorado relações clientelistas, na base da troca de voto e apoio político por benesses individualizadas que em verdade deveriam ser direitos universais.
Apesar de ter possuído desde sua fundação várias correntes, o PFL sempre uniu-se em torno de interesses comuns a todas elas. O partido, à semelhança do PMDB, sempre pareceu uma federação de caciques políticos locais, com pequenas ou nulas condições de pleitear, com chances reais, a Presidência da República. Desta maneira, para além das afinidades ideológicas, o que juntou as várias facções do PFL durante tantos anos foi a oportunidade de se fazerem presentes, como aliados de alguém mais forte, no governo federal. Ressalte-se, neste sentido, que o senso de oportunidade dos pefelistas sempre foi alto. Assim foi quando da fundação do partido, para o apoio à candidatura oposicionista de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, e quando da aliança com o PSDB para o apoio ao então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso dez anos mais tarde, na eleição presidencial de 1994. De fato, desde a eleição de Tancredo os pefelistas só não ocuparam postos de destaque em Brasília durante o breve mandato de Itamar Franco e a partir de 2003, com o início do governo Lula.
Apesar dos muitos êxitos políticos conquistados desde seu surgimento o PFL sofreu também vários revezes em sua história. As urnas têm sido particularmente duras com o partido nos últimos anos, e isso se deve a uma série de fatores de naturezas as mais diversas. O mais significativo talvez seja a transformação da sociedade brasileira no último quarto de século. O Brasil modernizou-se e urbanizou-se nas duas últimas décadas ainda mais intensamente do que havia ocorrido até os anos 70, e é provável que a antiga relação que as lideranças políticas locais estabeleciam no passado com suas clientelas já não responda mais aos anseios do cidadão/eleitor. Ressalte-se ainda que os dois partidos mais competitivos no cenário nacional, PT e PSDB, embora tenham origem urbana enraizaram-se nos chamados grotões, os pequenos municípios no interior do País, em muitos dos quais onde o PFL transitava com maior desenvoltura. Esse enraizamento tucano e petista fez com que o partido visse se comprimir nos últimos anos seu espaço tradicional no "mercado eleitoral". A recíproca jamais foi verdadeira, dada a crônica debilidade do PFL no centro-sul do País e principalmente nas grandes metrópoles, onde na maioria das vezes conseguiu constituir-se apenas como a quarta ou quinta força política. Para além disso ressalte-se que o aliado PSDB sempre teve muito mais trânsito que o DEM junto aos segmentos mais dinâmicos da economia brasileira, como o setor financeiro e a indústria paulista.
Outros fatos, mais específicos, constituíram-se em pesados golpes sofridos pelo partido, tenham sido eles frutos do acaso, da ação de adversários ou dos erros de cálculo de suas lideranças. Entre eles a morte prematura do deputado Luís Eduardo Magalhães, em 1998; a renúncia de ACM ao cargo de senador, em 2001, após um prolongado processo de desgaste junto à opinião pública por conta da crise da adulteração do painel do Senado; a erosão, em 2002, da então ascendente candidatura presidencial de Roseana Sarney depois da apreensão, pela Polícia Federal, de R$ 1,34 milhão em dinheiro na sede da empresa Lunus, pertencente à senadora e a seu marido; o fim melancólico do governo de Jaime Lerner, no Paraná, também em 2002; e a progressiva diminuição do peso de lideranças como Marco Maciel na política pernambucana e de Jorge Bornhausen na política catarinense.
Para piorar um pouco mais o cenário o PFL encontra-se fora do governo federal há mais de cinco anos, algo que jamais havia ocorrido antes na história do partido. Seu nome mais conhecido, ACM, morreu em 2007 e a maioria de suas lideranças envelheceu. Há alguns anos o partido já vinha conhecendo derrotas significativas em importantes capitais de seu berço político, o Nordeste, e em 2006 foi praticamente varrido do mapa eleitoral da região, não tendo conquistado o comando de nenhum estado. Além disso a cada legislatura é menor a presença do partido na Câmara dos Deputados. Mas nem tudo são espinhos na história recente da agremiação. A sucessão geracional está em marcha, com a ascensão interna de jovens lideranças, e a mudança de nome para Democratas parece constituir-se numa iniciativa daquilo que os profissionais de marketing chamam de “reposicionamento da marca”. O novo nome do partido remete à tentativa de criar uma nova imagem, mais moderna, urbana e sintonizada com os anseios da cidadania. O partido vai aos poucos tentando aprender a ser oposição, colocando-se muitas vezes de forma bem mais incisiva em relação ao governo Lula do que o PSDB, seu parceiro preferencial. Bate duro na questão da lisura no trato do dinheiro público, reitera os valores da democracia e coloca-se como o verdadeiro herdeiro da esperança após a debàcle moral do PT no poder. Aposta na recondução de Gilberto Kassab à prefeitura de São Paulo e conta com a força de César Maia para manter o comando da prefeitura do Rio de Janeiro. Ali a candidata deverá ser Solange Amaral, numa estratégia na qual talvez se possa antever a possibilidade, nestes tempos de ventos femininos na política mundial, de o partido apostar em outra mulher para a eleição presidencial de 2010, com uma eventual candidatura da senadora Katia Abreu, de Tocantins. Daqui até lá, no entanto, muita água ainda vai rolar por debaixo da ponte, e as urnas de 2008 serão a prova de fogo para o partido. Com a palavra o eleitorado, que dirá se acredita nesta cara moderna do DEM ou se vê no partido o velho PFL de outrora.
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
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