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Para a humanidade ter um futuro, é necessário pensar globalmente, escreve Martin Rees

É da ordem de 50% a probabilidade de que este seja o último século do processo civilizador, reafirma um dos mais notáveis astrofísicos do mundo. Porém, tamanho pessimismo político vem agora temperado de otimismo tecnológico bem mais instigante que o exposto, há quase 20 anos, no best-seller “Hora Final: Alerta de Cientista” (Companhia das Letras, 2005). Desta vez, é ainda mais enfática a exortação por uma visão otimista do destino da vida. “Precisamos pensar globalmente, precisamos agir racionalmente, precisamos pensar em longo prazo - empoderados pela tecnologia do século XXI, mas guiados por valores que apenas a ciência não pode fornecer.” É com essas palavras de muita confiança que Martin Rees fecha a recém-lançada má tradução de seu livro de 2018, “Sobre o Futuro - Perspectivas para a Humanidade: Questões Críticas sobre Ciência e Tecnologia que Definirão a Sua Vida”. Sim, as perspectivas poderão apontar para um admirável mundo novo, impossível de ser imaginado por quem desconhece as imensas oportunidades de progresso oferecidas por combinações da inteligência artificial à cibernética, à robótica e à biotecnologia, escreve José Eli da Veiga em outra boa resenha publicada no Valor na sexta, 9/4. Continua a seguir.


Porém, a sobrevivência humana neste século dependerá de responsavelmente acelerar e restringir tais inovações, evitando-se futuro tão ou mais vulnerável. Para que sejam evitadas as incertezas existenciais decorrentes de arsenais nucleares, bioterrorismos ou desastrosos erros biológicos.

Antes de discutir o futuro da própria ciência, tema do último capítulo, Martin Rees organiza seus argumentos em três sucessivos cenários espaço-temporais: primeiro, o do atual Antropoceno, seguido pelo futuro da humanidade aqui na Terra e, só em terceiro, suas amplas perspectivas cósmicas. No entanto, para sintetizá-los, parece mais cativante inverter tal ordem cronológica.

Os humanos obterão significância genuinamente cósmica ao transcenderem suas limitações e propagarem sua influência mediante transição para entidades eletrônicas, potencialmente imortais. Os pioneiros explorarão superpoderosas tecnologias genéticas e de ciborgues, dando o primeiro passo rumo a uma nova espécie. Tal transição para inteligências inorgânicas inaugurará a era pós-humana.

Se as tendências técnicas atuais seguirem sem impedimentos, algumas pessoas poderão alcançar a imortalidade - ao menos no sentido limitado de que, transferidos, seus pensamentos e memórias poderiam ter tempo de vida independente de seus corpos atuais.

No entanto, Rees pergunta ao leitor: se seu cérebro fosse transferido para uma máquina, em que sentido ainda seria “você”? Ficaria confortável quanto à posterior destruição de seu corpo? O que aconteceria se diversos clones fossem fabricados a partir de “você”? Será que a contribuição de nossos órgãos sensoriais e as interações físicas com o mundo externo real são tão essenciais a nossas existências que tal transição seria, não apenas repugnante, como também impossível?

Em todas as especulações sobre o pós-2050, não se sabe onde fica a fronteira entre o que pode acontecer e o que permanecerá ficção científica. Mas não há razão para duvidar que, um dia, as máquinas superarão as capacidades humanas.

Interrogações têm mais a ver com a velocidade da viagem, não com sua direção. Poderá demorar séculos para que humanos de carne e osso sejam superados, mas isso será um piscar de olhos na comparação ao tempo evolutivo que permitiu o surgimento da humanidade.

O mundo já está tão interligado, que eventuais catástrofes, mesmo que localizadas, certamente teriam cascatas de consequências globais. Por isso, é preciso considerar seriamente a hipótese de um colapso socioambiental que traria gravíssimo retrocesso civilizador. Talvez fosse temporário, mas também poderia ser tão devastador que os sobreviventes jamais conseguiriam regenerar sequer as bases das atuais civilizações.

Físicos teóricos apontaram para a possibilidade de destruição da Terra ou, até mesmo, do universo inteiro, mediante formação de um buraco negro propenso a sugar tudo ao seu redor. Outra possibilidade assustadora é de que os quarks poderiam se reorganizar em objetos chamados “strangelets”.

Sob algumas condições, apenas um desses objetos poderia, por contágio, converter qualquer coisa que encontrasse em nova forma de matéria, transformando a Terra inteira em uma esfera hiperdensa, de cerca de 100 metros de diâmetro. A terceira possibilidade, ainda mais exótica e desastrosa, é a de uma calamidade cósmica que engoliria o próprio espaço.

Tais chutes sobre o que foi catalogado como “riscos existenciais” decorreram do funcionamento de potentes aceleradores no Brookhaven National Laboratory e no Cern, em Genebra, capazes de gerar concentrações de energia sem precedentes.

Todavia, Martin Rees se orgulha de ter sido um dos cientistas a destacar que “raios cósmicos” - partículas com energia muito maior do que as que podem ser geradas nos aceleradores - colidem frequentemente na galáxia, mas sem rasgarem o universo. E penetram estrelas muito mais densas, sem causar sua conversão em “strangelets”. Mesmo assim, insiste: não há razão para se confiar que a humanidade sobreviveria ao pior que as tecnologias futuras poderiam trazer.

Sobre o Futuro

Martin Rees Trad.: Vinicius Rocha Altabooks, 256 págs., R$ 59,90

AAA Excepcional / AA+ Alta qualidade / BBB Acima da média / BB+ Moderado / CCC Baixa qualidade / C Alto risco

José Eli da Veiga é professor sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP: www.zeeli.pro.br



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