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Free Fire atrai jovens brasileiros de baixa renda e anunciantes

O time do Corinthians não vem ganhando muita coisa ultimamente no futebol, em compensação é campeão nacional e mundial em outro esporte, o jogo eletrônico Free Fire. Depois que se tornou o “game” para celular mais baixado no Brasil e no mundo, Free Fire, ou Frifa, para os íntimos, virou alvo de grandes anunciantes. Ao lado de Índia e Indonésia, o Brasil é um dos grandes mercados para o jogo, com cerca de 30 milhões de usuários ativos. Os torneios no último semestre de 2020 tiveram mais de 170 milhões de seguidores on-line, segundo dados da empresa. A Liga Brasileira de Free Fire (LBFF) é uma das mais ativas no mundo. O atual patrocinador oficial é o Santander. O banco digital Next, ligado ao Bradesco, está na camisa do time brasileiro Fluxo, que disputará o campeonato mundial em maio em Cingapura. O Banco do Brasil patrocina influenciadores. Enquanto Telefônica, dona da marca Vivo, e Kalunga se associam aos times, reporta Ricardo Lessa no Valor, em matéria publicada dia 16/4. Continua abaixo.


A receita global dos jogos eletrônicos chegou a US$ 165 bilhões no ano passado. E o Brasil é o quarto país que mais consome games no mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Índia, segundo dados da Comscore.

Com os estádios de futebol vazios, os ídolos dos jogos eletrônicos reúnem milhões de torcedores nas telas de celulares. O nome do campeão mundial de Free Fire, do Corinthians, Bruno Goes, o Nobru, é certamente mais lembrado, entre os torcedores jovens, do que o do centroavante do “timão”.

Criado por um estúdio no Vietnã, em 2017, para funcionar em celulares mais simples, o jogo de tiros e eliminação de adversários se popularizou em favelas e comunidades mais pobres do Brasil como o Jardim Novo Oriente, na zona sul de São Paulo onde Nobru se criou.

Como muitos jovens da periferia, Nobru sonhava em ser jogador de futebol. Com os pais desempregados, ele não conseguia pagar a faculdade, mesmo com a bolsa de 50% da mensalidade. Aos 17 anos, dispensado do time em que treinava para jogar bola, refugiou-se no Free Fire. Usou o aparelho do pai, quando a mãe perdeu o dela num assalto. Escondeu-se durante um mês na casa da avó para praticar.

Mesmo contrariado, o pai acabou ajudando o filho a comprar equipamentos melhores para o esporte eletrônico, no cartão em 10 prestações. A recompensa veio rápido. Nobru foi contratado para a equipe do Corinthians de Free Fire. Foi campeão nacional e campeão do mundo, em 2019, considerado o jogador mais valioso do torneio, o “MVP”. Em 2020 não houve o mundial, por causa da pandemia. O próximo está marcado para começar em 24 de abril.

Com o prêmio para a equipe de US$ 200 mil, Nobru comprou um carro para a mãe. Seu parceiro de equipe, Lucio dos Santos Lima, o Cerol, que se criou na periferia do Rio de Janeiro, agora tem um Porsche na garagem. Vitor Luis, o Coringa, nascido em uma família humilde do interior de Minas Gerais, tem mais de 8 milhões de seguidores no Instagram.

Com agasalhos da Dolce e Gabbana, marca de moda que passou a lançar coleção nos jogos eletrônicos, Nobru virou ídolo, com 10 milhões de seguidores no Instagram, e passe milionário comprado pela principal plataforma de streaming de jogos, o Twitch. “O Free Fire salvou minha vida e de muitas outras pessoas”, disse Nobru, em entrevistas para canais no YouTube.

“Uma postagem do Nobru gera 200 mil comentários”, diz Paulo Aguiar, diretor de marketing do banco Next, “10 vezes mais que o Cristiano Ronaldo, que é o perfil mais seguido no Instagram”. “O jogador não é mais aquele jovem que levava bronca dos pais porque não queria estudar, 18% dos jogadores têm mais de 40 anos”, diz.

“O mercado de games movimenta bilhões, são mais de 80 milhões de brasileiros que jogam com frequência”, diz Marcos Medeiros, da agência CP&B, que representa o jogo concorrente Call of Duty. “A estrutura dos times hoje é impressionante, tem até assistência psicológica para os pais”.

A torcida virtual dos brasileiros também faz a diferença nos jogos eletrônicos, diz Douglas Souza, chefe da área de games da agência Cheil. “Muitos times estrangeiros querem jogar com os brasileiros porque sabem que vão atrair muita gente empolgada.”

De crítico, o pai de Nobru, Jefferson, virou fã dos jogos eletrônicos. Depois de mediar as conversas do filho nas redes sociais, lançou sua própria conta no Instagram, #paidonobru, já com mais de um milhão de seguidores.

“Muita menino de favela agora pensa mais em ser craque de Free Fire do que de futebol”, diz Marcus Vinicius Athayde, que organizou a primeira Taça das Favelas de Free Fire no ano passado, com o patrocínio do café Três Corações e parceria com a Garena.

O campeonato serviu como revelação de jovens de outras favelas brasileiras. O time vencedor, da comunidade de Divinéia, na periferia da cidade de Paranaguá (PR), revelou dois craques que foram jogar em times profissionais.

Os prêmios e os salários no início da carreira ainda não chegam perto dos ganhos dos grandes ídolos. Dinizffx, apelido de Pedro Paulo Diniz, de 16 anos, comprou roupas e vem ajudando a mãe, enfermeira recém-formada. Ele foi jogar profissionalmente no time Sintonia, patrocinado pelo cantor Dinho Alves, e conta que não precisou deixar o segundo ano do colegial para jogar.

A Sea, empresa de Cingapura, é dona da Garena, do Free Fire, do aplicativo de compras Shopee e da plataforma de pagamento Seamoney. Em 2017, abriu seu capital na Bolsa de Nova York. O sucesso mundial do Free Fire dobrou o faturamento da empresa em 2020, em relação a 2019, passando para US$ 4,4 bilhões. O valor de mercado está cotado em cerca de US$ 250 bilhões.

Dois de seus fundadores, Gang Ye e Forrest Li, chineses que estudaram em universidades americanas e se nacionalizaram em Cingapura, já entraram no restrito clube dos bilionários. Eles popularizaram a palavra Booyah!, vitória para os jogadores do Free Fire.



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