Pular para o conteúdo principal

Em um trimestre de morte e mais vacina, recessão e CPI, política deve mudar

A CPI da Covid vai durar três meses, pelo menos. Este segundo trimestre será de recessão, afora milagres. Em três meses, acaba a rodada reduzida do auxílio emergencial e ainda nem há auxílios de salário e emprego. Também em três meses, metade dos adultos deve estar vacinada; todas as pessoas dos grupos de risco devem ter recebido a primeira dose, afora desastres novos na produção de vacinas. Até lá, julho, também pelo menos 40% da população deve ter sido infectada. Assim, deve estar provisoriamente imunizada, caso a zona de desastre sanitário que é o Brasil não venha a produzir novas variantes mortíferas do vírus. Mais de meio milhão de brasileiros terão morrido de Covid. Em três meses, pois, pode bem ser que a conversa política e o debate público no país sejam outros, escreve Vinicius Torres Freire em sua coluna na Folha de S. Paulo, em texto publicado sábado, 17/4. Vale a leitura, continua a seguir.


A CPI da Covid apareceu em primeiro lugar neste calendário do outono de sofrimentos variados, mas não é, em si, decisiva. Tende a ser um palco, o “reality show” dos humores políticos do país; talvez tenha mais relevância como telão onde serão projetadas outras revoltas.

Por causa da CPI, pode bem ser que os crimes de Jair Bolsonaro, do general Pesadello e de seus coronéis do Exército, além de outras incompetências e colaboracionismos do Ministério da Saúde, fiquem mais expostos, por semanas. Pode aparecer uma prova mortífera. Mas haverá tanto mais incentivo para a CPI bater em Bolsonaro quanto maior for o desprestígio presidencial, o que depende da reação popular e da (inexistente) oposição à ruína bolsonariana.

Bolsonaro jamais deixou de aparecer com 30% de “ótimo/bom” no Datafolha. Vai ser neste tumulto outonal que sua popularidade vai descambar de modo crítico?

Será um trimestre ruim na economia, o que nem sempre é motivo imediato de abalo do prestígio presidencial. Em março, comércio e serviços afundaram. Abril terá sido algo pior. Com a reabertura, maio pode ser melhor. O balanço final (PIB) deve ser negativo, em um ambiente de auxílios reduzidos, embora o nível de atividade acabe por ser bem melhor que o do segundo trimestre de 2020.

O morticínio não bastou para comover aqueles 30% de bolsonaristas. No entanto, pesquisas internas do governo, de acompanhamento da popularidade, indicam que a barreira dos 30% caiu, um pouco.

Impopularidade, CPI e crise do Orçamento podem aumentar o número de parlamentares desgarrados, que procurem alternativas em 2022, embora 2018 tenha mostrado que eleição se decide ainda menos por apoio político-partidário.

Caso Bolsonaro vete, em parte ou de todo, o dinheiro extra para emendas parlamentares, terá um problema. Caso não o faça, terá de cortar a despesa de funcionamento do governo no osso, terá de negociar o gasto continuamente e ainda estará sujeito a rasteiras do Congresso, pois pode ser enquadrado em crime fiscal. Esse tumulto não contribui para “as reformas” e indica que o teto de gastos está indo para o vinagre. Enfim, a depender da reação de Bolsonaro, de suas ameaças golpistas, pode ser que o STF aumente a fervura dos processos que por lá correm contra o bolsonarismo.

Caso houvesse oposição, seria um trimestre para que se expusesse o desastre do governo e uma alternativa. Isto é, que líderes políticos não apenas batessem de modo organizado no governo mas que apresentassem programas, ideias, slogans, de um país diferente.

O “centro” (a direita), porém, acha que vai aparecer com um garoto-propaganda, em cima da hora, um Bolsocollor atenuado, para levar a eleição. Hum.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...