Em 21 de fevereiro, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), sentou-se à cabeceira da mesa de jantar retangular da residência oficial do Senado, em Brasília, acompanhado de dois parlamentares de campos opostos. À direita de Pacheco, estava Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho primogênito do presidente Jair Bolsonaro. À sua esquerda, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição e crítico ferrenho do Palácio do Planalto. O convite para esse encontro surgira alguns dias antes. “Randolfe, sei como é a sua relação com Flávio, mas aceitaria ir a um jantar com ele na residência oficial para discutirmos detalhes do projeto (que alterava as regras de aquisição das vacinas)?”, sugeriu o presidente do Senado, numa ligação telefônica. “Contanto que você não queira que eu beba vinho com ele, é claro que aceito”, respondeu o parlamentar da Rede, visto como um adversário intragável pela família Bolsonaro. A reunião entre os dois desafetos políticos, regada a café, água, suco e pão de queijo, começou às 22h15 e terminou à 1h30. Não foi só o papo que rendeu. Três dias depois, o plenário do Senado aprovou o projeto de lei que autorizava os estados, os municípios e empresas a adquirirem imunizantes contra a Covid-19, num acordo costurado por Pacheco com diferentes partidos, com o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF), escrevem Thiago Herdy e Paulo Cappelli na Época desta semana. Continua abaixo.
Apesar da curta experiência no comando do Senado, Pacheco tem equilibrado pratos não só no Congresso, como também em outros prédios da Praça dos Três Poderes. Com o recrudescimento da pandemia no primeiro trimestre, Pacheco enfrentava uma forte pressão de seus colegas para instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar ações e omissões do governo federal no combate à Covid-19. A iniciativa foi assinada por mais de 27 senadores, o mínimo exigido para tirar a investigação do papel.
Apoiado por Bolsonaro na corrida para o comando do Senado no início deste ano, Pacheco segurou quanto pôde as cobranças da oposição, que também em parte o apoiou, argumentando que a CPI poderia conflagrar uma crise inexorável num momento em que o país é assolado pelo novo coronavírus. Tentando contornar essa situação, o presidente do Senado pediu a Bolsonaro que desse um claro sinal de que estava comprometido com o enfrentamento da pandemia. Caso contrário, seria difícil manter engavetada a comissão.
O presidente da República, para salvar a própria pele, decidiu reagir imediatamente no início de março. Chegou a usar máscaras em eventos públicos, defendeu a vacinação em massa e organizou, no dia 24 de março, uma reunião entre representantes do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e governadores para criar o Comitê Nacional da Pandemia, encabeçado por Pacheco.
O presidente do Senado percebeu que seria insustentável segurar a pressão pela CPI quando recebeu ligações dos ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso, do STF, informando que a Corte determinaria, liminarmente, a instauração da comissão, atendendo a um pedido feito pelos senadores Alessandro Vieira (SE) e Jorge Kajuru (GO), ambos do partido Cidadania. Pacheco respondeu que, apesar de não concordar com o mérito, respeitaria a decisão monocrática de Barroso. “Ele demonstra apreço pelo Supremo. Os ministros gostam disso”, disse um dos 11 magistrados do STF.
O revés para o governo deixou Bolsonaro indignado. O alvo foi o STF. “Falta-lhe coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política”, escreveu o presidente da República, referindo-se a Barroso. Dias depois, o senador Kajuru divulgou uma conversa telefônica em que o presidente da República tramava o impeachment de ministros do STF. O áudio chacoalhou a relação entre os Poderes. Pacheco reagiu prorrogando o início dos trabalhos da CPI para a terça-feira 27 de abril, o que deu uma chance para o governo se preparar melhor para a comissão.
Ao obedecer sem críticas à decisão do STF e, ao mesmo tempo, acenar para o governo, Pacheco fez um malabarismo que, até o momento, rendeu elogios de campos opostos. “Apoiei e pedi votos para o Pacheco. Acredito que ele é ponderado e tem missão importante de dar estabilidade para o Brasil. É um advogado qualificado e tem a sabedoria de não deixar ser influenciado por pessoas que querem que o Brasil pegue fogo. Tem responsabilidade com o Poder Executivo”, disse Flávio Bolsonaro. “Pacheco é de centro, mas não é típico do centrão. Tem relação com o Planalto, mas não é bolsonarista desmiolado. É um democrata moderado, liberal”, ponderou Randolfe Rodrigues.
Da costura política miúda em Minas Gerais em sua primeira disputa eleitoral seis anos atrás ao sucesso meteórico em Brasília, que o levou ao terceiro posto na linha sucessória brasileira, Pacheco manteve intocável a personalidade de sujeito disposto ao diálogo, à solução e à costura. Agir como quem quer disputar sem brigar ou fechar portas é o que traz a sua órbita figuras distintas como Flávio, Randolfe, Fux e Barroso. Para quem gosta dele, trata-se de um boa-praça. Para os críticos, às vezes, é escorregadio.
Nascido em Porto Velho, Rondônia, o senador mineiro viveu a maior parte da infância em Passos, cidade no sul de Minas Gerais. A mãe era professora da rede pública estadual, e o pai empresário do setor de ônibus. O casal se separou quando Pacheco ainda era criança. A mãe foi transferida para trabalhar em Belo Horizonte, onde o jovem estudante passou a maior parte de sua adolescência na companhia de seus dois irmãos mais velhos. Naquele período, ele já demonstrava tanto interesse pela política que, em domingo de eleição, gostava de ir para a sede do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), na capital mineira, acompanhar a apuração de votos e o desempenho dos candidatos.
Os amigos de escola, no ensino médio, o chamavam “Pachecão”. Na faculdade de Direito, cursada na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais, em Belo Horizonte, era o “Rodrigão”. Dois resultados da voz grave e de seus 1,94 metro de altura. Era um assíduo frequentador dos júris simulados na faculdade, onde alunos debatem um tema até chegarem a um veredicto. “Ele sempre se deu bem com todos, era educado e atencioso. Difícil ver ele desagradar a alguém”, disse um ex-colega. Mesmo depois de virar senador, ele seguiu participando do grupo de WhatsApp dos colegas de Direito.
O caminho que o levaria ao primeiro emprego começou em sala de aula. Mais especificamente pelas mãos do professor de processo penal do curso de Direito da PUC Minas, o criminalista Maurício Campos Júnior, na época sócio no Ariosvaldo Campos Pires Advogados, um dos mais renomados escritórios de Belo Horizonte. O professor já percebia o aluno como alguém “discreto, nada invasivo nas relações” e com “perceptível capacidade de se relacionar bem com todo mundo”. Campos Júnior contou que o jovem estudante de Direito apareceu a poucas horas do fim do processo seletivo para uma vaga de estagiário no escritório. “Estava praticamente definida a contratação de uma moça. Ele foi o último a fazer a entrevista. E nos impressionou por ser um advogado completo. Com postura, presença e intuição”, resumiu Campos Júnior. Depois de formado, Pacheco seria integrado ao time do escritório. Em pouco tempo, viraria sócio.
A carreira foi um sucesso do ponto de vista jurídico e financeiro. Ele amealhou R$ 24,5 milhões, de acordo com sua primeira declaração de patrimônio à Justiça Eleitoral, em 2014. Entre sua clientela estava a defesa de prefeitos mineiros condenados por fraudes em licitação, delegados acusados de corrupção, PMs investigados por tortura e mentores de esquemas de sonegação fiscal.
A especialização em Direito Penal Econômico levou Pacheco a mergulhar nos casos que envolviam um importante cliente do escritório, o Banco Rural. Foi aí que ele se deparou com os caminhos não tão republicanos da política nacional. A instituição financeira se envolveria ao longo das últimas décadas em rumorosos episódios de lavagem de dinheiro e de corrupção — do esquema montado pelo ex-presidente Fernando Collor com seu tesoureiro de campanha PC Farias ao mensalão do PSDB e do PT.
Pacheco nada tinha a ver com as atividades ilegais do Rural, mas o trabalho para o banco foi uma espécie de curso intensivo da realpolitik de Brasília. “O Banco Rural teve um volume enorme de procedimentos administrativos do Banco Central, que foram se tornando procedimentos criminais”, lembrou Maurício Campos Júnior, que integrava a banca. O caso do mensalão ficou pronto para ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal em 2012, mas Pacheco já atuava desde a aceitação da denúncia contra 40 investigados em 2007. Nas sessões do STF televisionadas, ele era o mais jovem na linha de frente da ação de defesa do banco. “Era um sujeito brilhante, advogado muito dedicado aos processos e belíssimo orador”, disse o ex-ministro da Justiça e advogado José Carlos Dias, cujo escritório participou da defesa do Rural. “Agora, como político, não sei avaliar. Faço ressalvas sobre a forma como ele vem lidando com algumas questões, mas não vem ao caso eu elencar”, disse.
Antes de decidir entrar em sua primeira disputa política, em 2014, Pacheco consultou seus principais clientes no ramo da advocacia, para verificar se eles teriam alguma objeção. Vencida a etapa, lançou-se candidato a deputado federal pelo PMDB (atual MDB). Planejou e gastou do bolso R$ 2,8 milhões, quase 12% de seu patrimônio na época, para uma campanha em que almejava 130 mil votos, mas obteve 92.743. Não escondeu sua frustração com aliados. Por pouco, quase ficou de fora da Câmara. Tinha interesse em poder legislar em assuntos especialmente ligados a questões de Direito e Código Penal, temas que estavam sempre em debate com sua participação em entidades representativas como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Aproximou-se do grupo liderado pelo ex-deputado e ex-vice-governador mineiro Antonio Andrade.
No início da campanha, sua principal dobradinha era com o primo de primeiro grau e candidato a deputado estadual Cássio Soares (PSD), que já havia sido secretário de Desenvolvimento Social no governo de Antonio Anastasia (PSDB) em Minas Gerais e batalhava por seu segundo mandato. Todos na cidade perceberam quando Pacheco descumpriu acordo na própria família. Ele passou a fazer dobradinha com adversários de Soares na cidade. Os dois romperam. Procurado, Soares não quis dar entrevista sobre o tema. “Desejo ainda uma reaproximação com ele, mas principalmente como família. Éramos como irmãos”, limitou-se a dizer.
Pacheco já mirava seu plano mais ambicioso, porém nunca realizado: um dia ser candidato ao governo de Minas Gerais. Para testar seu nome nas urnas, disputou a prefeitura da capital mineira em 2016, sob o slogan “Prefeito em tempo integral”. Ficou em terceiro lugar, com 118.772 votos. O vencedor foi Alexandre Kalil, ex-presidente do Atlético Mineiro que debutava na política.
Conciliando a carreira de advogado com a de deputado federal, Pacheco foi escolhido para um dos mais disputados postos da Casa, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), cuja gestão durou entre 2017 e 2018. Conduziu as sessões sobre as denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República contra o então presidente Michel Temer. Para não se complicar, absteve-se de proferir seu voto.
Mesmo em Brasília, ele não tirou os olhos de Minas Gerais e seguiu articulando sua campanha ao governo. Entendeu que só era possível realizá-la deixando o PMDB e filiando-se ao DEM. Em março de 2018, a dois dias de migrar de legenda e do lançamento de sua pré-candidatura, Pacheco e o mundo político mineiro foram surpreendidos com Anastasia lançando-se candidato do PSDB a comandar o estado. Era uma tentativa de formar um palanque forte para Geraldo Alckmin (PSDB), candidato à Presidência, no segundo maior Colégio Eleitoral do país.
Pacheco tinha relação afável e de confiança com Anastasia. Mas entendia que uma terceira via à polarização PT versus PSDB tinha boa chance de sucesso naquele momento. O presidente nacional do DEM, ACM Neto, desembarcou em Belo Horizonte para dar a ele a má notícia: não haveria candidatura própria, a orientação do partido era apoiar Anastasia. Seu prêmio de consolação seria uma candidatura ao Senado, na mesma chapa do tucano. Totalmente desconhecido do mundo político até ali, o candidato do Novo, Romeu Zema, foi a terceira via e venceu a eleição. Pacheco foi eleito para o Senado com 3,6 milhões de votos, quase 1 milhão a mais do que obteve a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que também disputava uma vaga.
A frustrada pré-campanha ao governo de Minas Gerais em 2018 deixou rastros. Pacheco ganhou a inimizade do ex-deputado Carlos Melles, atual presidente do Sebrae, então presidente regional do partido. Na época, Melles fez circular que entregou a Pacheco o controle do DEM mineiro logo em sua chegada, sob a expectativa de fortalecer seu nome na disputa. “Havia um acordo de cavalheiros para que o posto voltasse ao Melles, mas Rodrigo não cumpriu”, contou um antigo aliado do senador. Melles não quis dar entrevista sobre Pacheco.
Logo na chegada ao Senado, Pacheco escolheu com lupa funcionários de seu gabinete em Brasília e em Minas Gerais. Entre eles há uma penca de políticos derrotados nas últimas eleições, de diferentes partidos. Há processados por improbidade administrativa devido a mau uso de verba indenizatória, envolvidos em escândalos de passagem área, donos de legenda suspeitos de vender apoio e espaço de TV em campanhas e um ex-candidato a deputado citado como recebedor de caixa dois da JBS.
ÉPOCA perguntou a Pacheco se a vida pregressa desses assessores era para ele motivo de constrangimento. Ele respondeu que “todos exercem funções efetivas no assessoramento parlamentar” e que “desconhece fatos que os desabonem”. Ainda segundo ele, “a equipe de assessores é escolhida por critério de confiança, experiência e competência”. Até o fim de 2020, ele empregava o hoje deputado federal Aelton Freitas (PL-MG), que no passado foi gravado ensinando a comprar votos de eleitores no interior de Minas. Na escolha da equipe, o senador buscou angariar apoios de diferentes partes do estado. A gama de partidos é diversa: há filiados ao PP, MDB, Solidariedade, PDT, PTC, PRTB e PSDB. O presidente da Juventude Nacional do DEM também está empregado lá.
Com o antigo partido, o MDB, também manteve boas pontes. Ao lado do deputado Newton Cardoso Junior (MDB-MG), Pacheco batalhou pela manutenção de um antigo aliado do partido à frente da presidência das Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (CeasaMinas). A ação levou à inclusão de seu nome em lista de políticos agraciados com cargos por apoiarem as pautas do governo no Congresso. Perguntado sobre o caso, ele disse não ter feito indicação para cargos no governo Bolsonaro.
A chegada à presidência do Senado foi impulsionada pelo movimento frustrado de seu antecessor, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que tentou alterar a regra para ser reeleito. Barrado pelo Supremo, ele apostou suas fichas em Pacheco, então líder de seu partido na Casa. Os dois colegas de legenda receberam a bênção de Bolsonaro num café no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República.
Durante a campanha de Pacheco para tentar chegar ao comando do Congresso, o senador Carlos Portinho (PL-RJ) lhe enviou uma mensagem de texto contando que estava deixando o PSD para assumir a liderança do PL no parlamento e informou que estava em Minas Gerais, mais especificamente em Santana do Deserto, a 306 quilômetros de distância de Belo Horizonte. Pacheco, que estava na capital mineira, não titubeou: entrou num helicóptero e viajou para cumprimentar Portinho. “É uma pessoa de iniciativa. Gosto disso”, disse o senador do PL.
Em certas rodas em Brasília, o protagonismo precoce de Pacheco causa mal-estar. Em 19 de março, ele enviou uma carta à vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, que acumula o cargo de presidente do Senado americano, solicitando “socorro ao Brasil” nas ações de combate à pandemia. A correspondência pedia “autorização especial” para a aquisição de vacinas excedentes nos EUA. O episódio fez o Palácio do Planalto e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), torcerem o nariz. “A cadeira de Pacheco é espinhosa. Não é fácil sentar nela. É preciso ter muita paciência e firmeza. Não pode se sobrepor nem se submeter aos membros do Congresso”, resumiu Eunício Oliveira, um ex-presidente do Senado.
Mais recentemente, caciques do DEM passaram a especular o nome de Pacheco como pré-candidato à Presidência. A alternativa começou a ser ventilada diante do vácuo de um representante de partidos de centro. O principal nome do PSD, o ex-ministro Gilberto Kassab, é um entusiasta da ideia. Os dois tiveram encontros reservados com diferentes grupos na casa do presidente do PSD onde a hipótese foi aventada, sempre com a negativa de Pacheco. A pessoas próximas, o senador garante que ainda não está em seus planos tentar vestir a faixa presidencial. Em Minas, dizem, que Pacheco segue dois exemplos: Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves. Ambos nasceram na política do pão de queijo, foram deputados, senadores, chegaram a governar Minas Gerais e, por fim, foram eleitos presidentes. Pacheco ainda está no início da trajetória.
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