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Brasil é o país onde o setor de luxo menos sofreu na pandemia

Passado o primeiro ano da pandemia de covid-19, a resiliência do mercado brasileiro de produtos de luxo está sendo posta novamente à prova. Os próximos cinco anos devem definir se a máxima difundida na indústria global de que o Brasil seria um oásis para as grifes do setor continua válida. Se os efeitos da recessão iniciada em 2015 já haviam minado os planos de expansão no país das empresas voltadas à venda desses bens, diminuindo em R$ 1,2 bilhão o faturamento anual do segmento até 2019, o fechamento do comércio físico fez com que o tombo acumulado em cinco anos fosse de 15%, segundo dados da consultoria Euromonitor International. No ano passado, porém, o Brasil se saiu menos pior do que o mercado mundial. A receita no país com carros de centenas de milhares de reais, hotéis cinco estrelas, roupas, sapatos, bebidas e cosméticos caros ficou em R$ 25,4 bilhões, com uma retração de 11% do mercado doméstico em relação a 2019. Na mesma base, usando um câmbio constante, as vendas globais de artigos de luxo caíram 13,8%, para US$ 905 bilhões, escreve Pedro Diniz no Valor Econômico, em reportagem publicada dia 9/4. Continua a seguir.


Considerando a flutuação cambial, porém, a receita em dólares gerada pelo país recuou 31,3% no mesmo período, enquanto que no México, maior mercado do setor na América Latina desde que o Brasil perdeu o posto cinco anos atrás, o recuo em dólares foi de 36,4%. A contração em moeda local foi de 26,7%, para 11,93 bilhões de pesos mexicanos.

A Euromonitor estima que o Brasil vai agora acompanhar o crescimento do mercado mundial e, até 2025, acumular ganhos de 34% - o México, por sua vez, cresceria 74%.

Tudo vai depender, no entanto, do efeito das mudanças provocadas pela pandemia no comportamento dos consumidores e do sucesso das estratégias de sedução das marcas. É que, assim como ocorre na China, único país a registrar crescimento no mercado de luxo em 2020, de 1,4%, uma leva de compradores está conhecendo pela primeira vez a sensação de adquirir esses produtos e essas experiências em seu próprio país.

Impedidos de viajar para os corredores de luxo do hemisfério norte e com uma poupança forçada por não ter com o que gastar, parte dos clientes está gastando no mercado doméstico, com um tíquete de compra quase 30% maior do que o registrado por grifes no pré-pandemia. O baque brasileiro não foi maior porque essa pequena mas potente elite manteve o padrão de consumo.

“Antes da pandemia, a indústria de luxo pretendia expandir seu grupo de consumidores. Materiais menos caros estiveram no centro das novidades no mix de produtos. Nos próximos anos, espera-se um foco mais forte nos mais altos níveis de luxo, direcionada a um grupo selecionado de indivíduos focados no mercado local e que demandam produtos sofisticados”, explica Guilherme Machado, analista sênior da Euromonitor.

O setor automotivo ilustra esse apetite. Enquanto montadoras reveem sua atuação no país ao paralisar a fabricação de carros e motos em solo nacional durante os períodos de restrição impostos pela doença, a BMW surfa na onda do consumo de modelos de tiragem limitada.

Neste mês, as cinco unidades disponíveis no país de uma versão do modelo X7 - topo de linha da marca, com preço sugerido de R$ 1,09 milhão - esgotaram em menos de uma semana de pré-venda na versão nacional do marketplace inglês Farfetch. As vendas foram às cegas e sem test-drive.

“No nosso nicho, hoje, passa a valer mais exclusividade do que quantidade. Será uma realidade no futuro próximo o lançamento de mais versões customizadas dos modelos, que geram desejo”, afirma o gerente de comunicações da BMW no Brasil, João Veloso Jr.

O Brasil responde melhor que outros mercados a essa venda exclusiva. Enquanto a venda de carros de alto padrão recuou 10,8% no mundo em 2020, no país ela foi o único segmento a avançar no ano passado, com alta de 2%, segundo o estudo da Euromonitor.

O bom momento, diz Veloso, deve-se em parte ao fato de que os clientes passaram a viajar mais nas estradas e a considerar esses carros bons investimentos num contexto em que “não se sabe o dia de amanhã”.

Materializar o dinheiro como forma de manter seu valor livre das oscilações levou a um consumo de joias classificado como surpreendente pela indústria local. A perenidade e o valor sempre em curva ascendente das pedras preciosas levou o segmento a recuar apenas 14,5% no país, percentual que só não é menor que o de cosméticos e perfumaria de nicho, com retração de 5%.

A lógica é a mesma da mudança no consumo local: menos número de clientes, mais “qualidade” na compra de quem gastou. Segundo o diretor para a América Latina da joalheria italiana Bvlgari, Christian Konrad, a única butique da marca no país, no shopping Iguatemi, em São Paulo, cresceu cerca de 30% em receita no ano passado. Além do poder de compra maior, foi decisivo o contato personalizado com os clientes, que incluiu desde apresentações privadas até entrega de pratos italianos preparados por chefs renomados.

“Os brasileiros reagiram de forma diferente do que em outros países. Sentimos que no Brasil há muita energia e disposição para comprar. Alguns clientes, aliás, assistiam às apresentações de seus iates ou de suas casas de campo”, diz Konrad.

Ele revela que pela primeira vez a marca vendeu no Brasil peças de alta joalheria com valor superior a US$ 150 mil, o que denota o movimento de “gastar menos vezes, mas com preços significantes”.

“Isso nos mostra que a joalheria de moda, com preços mais em conta, sofre mais os efeitos da pandemia, enquanto que para a Bvlgari, ou mesmo para Tiffany e Cartier, o cenário se mantém muito bom.”

Por diretriz do grupo francês LVMH, do qual a joalheria faz parte, o executivo não pode revelar cifras de vendas na região, mas ele afirma que dezembro foi um mês de recorde no país. Os canais digitais, incluindo a comunicação direta com os vendedores por meio de aplicativos, representou 20% do total das vendas, em comparação com usuais 7%.

Um dos desafios desse novo perfil de consumo é alinhar a logística de entrega das peças exclusivas, que precisam ir de algum lugar do mundo para outro e que, taxadas na entrada sem garantia de compra por parte de quem se interessou, precisam chegar o mais rápido possível com o suporte de empresas especializadas em envios desse porte. O esforço e os custos envolvidos, diz Konrad, valem a pena. “São clientes que compravam as mesmas peças, mas fora do país.”

Conhecer esse consumidor, de onde ele vem e seus costumes, é a máxima que guia a estratégia da grife alemã Montblanc. Primeira marca de luxo a iniciar uma operação própria no país no contexto de abertura econômica do início dos anos 1990, quando abriu sua primeira loja em São Paulo, a etiqueta desenvolveu um aplicativo para mapear esses clientes e orientar os vendedores dos 200 pontos de venda espalhados pelo país, suas sete lojas próprias e as cinco butiques externas.

De acordo com o diretor da marca no Brasil, Michel Cheval, a pandemia iluminou a necessidade de criar jornadas de experiências personalizadas para cada cliente com o intuito de não sobrecarregá-lo de informações, entender seus gostos e oferecer produtos dentro de seus hábitos de consumo. As mudanças possibilitaram uma frequência 60% maior no site da marca.

“O começo da pandemia foi muito atribulado, porque trazia desafios novos e uma necessidade de explorar o e-commerce não apenas como uma plataforma de vendas, mas de relacionamento. Os clientes que compraram receberam ligações de vendedores, foram ouvidos, e isso foi muito importante”, explica Cheval.

Uma das surpresas foi o desempenho do Nordeste e do Centro-Oeste, que comumente não entram na lista de principais mercados das grifes de luxo pelo fato de que boa parte dos clientes dessas regiões viajava a São Paulo ou ao Rio de Janeiro para comprar seus luxos.

Em Fortaleza, onde a marca mantém parceria com a loja multimarcas Tallis Joias, as vendas de novembro e dezembro foram “as mais importantes do ano”. Lá, segundo a empresa, houve um aumento de 20% na categoria de escrita - carro-chefe da Montblanc no país -, 50% em itens pequenos de couro e 71% na categoria ampliada de couro, que inclui pastas, bolsas e mochilas.

“Estamos atentos a esses movimentos para olhar com atenção quem é nosso cliente e os potenciais de crescimento nas cidades. Um dos focos agora, por exemplo, será melhorar a penetração em Porto Alegre, um mercado que descobrimos ter um potencial importante para a marca”, diz.

A descentralização dos investimentos não atinge apenas as estratégias das grifes de luxo internacionais. A Arezzo & Co., das marcas Arezzo, Schutz, Ana Capri e Fiever, deve lançar neste segundo trimestre um grande projeto para que, segundo o CEO Alexandre Birman, a empresa dê um salto estratégico para ampliar a capilaridade em regiões desatendidas de suas marcas, mas que têm grande demanda de consumo.

Ele não revela detalhes, mas diz que os focos serão a região Centro-Oeste e o interior de São Paulo, onde, sabe-se, estão algumas das carteiras mais importantes para a manutenção do consumo de alto padrão. “Os brasileiros entenderam que há produtos de extrema qualidade sendo feitos no Brasil e que aquele turismo de compras, para Miami ou Paris, não precisa acontecer”, diz Birman.

A receita da marca homônima do empresário, cujo tíquete de R$ 1.500 é o mais alto do grupo e compete mundialmente com medalhões da ordem de René Caovilla, Christian Louboutin e Aquazzura, cresceu 41% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2019.

O dado vai na contramão do recuo de 16,9% no faturamento gerado por calçados de luxo no mundo em 2020. O bom desempenho recente da marca Alexandre Birman, no entanto, prenuncia clima de otimismo em mercados maduros, especialmente os Estados Unidos, provocado pela vacinação acelerada e o consequente arrefecimento da pandemia.

Tanto que, diz Birman, a grife lançará uma coleção especial nos Estados Unidos em maio, “um mês em que esperamos uma explosão do consumo também apoiada pela proximidade do verão”.

O clima é fator fundamental para a venda de luxo porque interfere no humor dos clientes, fator intangível levado em conta nas previsões das consultorias sobre o crescimento da indústria do luxo. Pela proximidade com os Estados Unidos e pelos preços mais em conta dos produtos devido às taxas de importação menos onerosas do que as brasileiras, o México seria, segundo especialistas, o primeiro país latino-americano a sentir a onda de felicidade vindoura.

De acordo com o diretor da consultoria LuxuryLab, Abelardo Marcondes, já é possível perceber uma recuperação do consumo de alto padrão e um fluxo maior de turistas vacinados em hotéis nos pontos turísticos mexicanos - os destaques são a região de Valle del Bravo, margeada pelo lago Avandaro, e o Estado de Nayarit, no qual se localiza a península privada Punta Mita, endereço de bandeiras como Four Seasons e St. Regis.

“Até o ano passado, esses empreendimentos foram os refúgios dos mexicanos, mas agora vemos muitos brasileiros e europeus se hospedando. Há a questão de que as restrições são mais brandas no México do que no Brasil, e, por isso, a hotelaria daqui sofre menos”, explica Marcondes.

A título de comparação, de acordo com os dados mais recentes da Euromonitor, a receita gerada com hotéis de luxo no México recuou 57,7%, com um total de US$ 679,5 milhões, enquanto no Brasil a diminuição do mercado foi de 63,4% em relação ao pré-pandemia, com uma receita estimada em US$ 86 milhões.

Marcondes, que analisa todo o mercado latino-americano e promove eventos voltados para o setor de luxo, afirma que nesse momento a elite do México vem se beneficiando da facilidade de viajar aos EUA e, hospedados com familiares que vivem no país, encontram maneiras de se vacinar contra o coronavírus em cidades do interior. “Essa migração estimula o clima de recuperação e a vontade de festejar e consumir.”

Enquanto isso, no Brasil, o termômetro do consumo de luxo ainda não entrou em clima de festa e aponta para compras mais conservadoras no curto prazo. De acordo com o diretor para América Latina do marketplace Farfetch, Daniel Funis, o perfil de compra de roupas ainda está concentrado nas peças para ficar em casa e nos calçados confortáveis.

“Tivemos mais clientes entrando, enquanto os antigos clientes compraram menos. No entanto, a base de clientes aumentou exponencialmente tanto no mundo quanto no país, e é uma grande oportunidade para apresentar outras categorias de produto que os consumidores não conhecem tanto em nossa plataforma”, diz Funis.

Líder mundial no comércio eletrônico de luxo, a Farfetch estima que em 2020 tenha conseguido adicionar a sua base de clientes 2 milhões de usuários, atentos à diversificação do portfólio e à comodidade das compras on-line. Ao longo do ano, o executivo acrescenta, o segmento de roupas e acessórios infantis deve aumentar em cerca de 20 marcas, seguindo a estratégia de oferta ampliada que o marketplace empreendeu no setor de joias, no qual 15 novas marcas foram implementadas.

Oferta também é o mote dos braços de varejo dos dois principais grupos de shopping centers do país, o JHSF, dono do shopping Cidade Jardim e do marketplace CJ Fashion, e o Iguatemi, da rede homônima de shoppings e do site Iguatemi365.

Ambas aceleraram seus projetos de expansão do portfólio por meio de contratos de parceria nos quais as grifes mitigam custos da operação ao dividir lucros com os grupos. Desde 2019, marcas como a italiana M Missoni (iRetail) e a francesa Balmain (JHSF Retail) chegaram ao país de mãos dadas com os centros comerciais, e agora, com a pandemia, mais grifes vão entrar no pacote.

Enquanto que no novo CJ Shops, versão reduzida do shopping Cidade Jardim lançada em dezembro, foram instalados os primeiros pontos na América Latina das grifes Isabel Marant e Inès de La Fressange, o JK Iguatemi receberá o primeiro da Balenciaga. As peças já estão no Brasil e a abertura, programada para abril, depende do afrouxamento das restrições do comércio por parte do governo de São Paulo.

Para a gerente-geral do iRetail, Manoela Mendes, essas associações tendem a aumentar nos próximos meses devido à proximidade dos clientes com o shopping e às facilidades de logística e acompanhamento das mudanças no perfil de consumo.

“Ao mesmo tempo, sabemos que para essas marcas é importante manter seu posicionamento mundial, e como já temos expertise nisso, vimos avançar essas negociações na pandemia. Além de termos acabado de voltar a operar [a grife de calçados] Christian Louboutin, estamos finalizando tratativas com outra grande marca para iniciar a operação no segundo semestre”, diz Mendes.

Para ela, o segredo da equação do luxo no país envolverá cada vez mais a fidelização da clientela. “Não é apenas conhecê-la, é também abrir outros canais de comunicação. E, é preciso dizer, nem toda marca funciona com loja física. Para dar certo, hoje o brasileiro tem que saber quem ela é.”




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