O julgamento do ex-policial Derek Chauvin, ocorrido na penúltima semana de abril, entra para a história como um marco no movimento negro nos Estados Unidos e no mundo. O agente foi considerado culpado pelo assassinato do ex-segurança George Floyd, sufocado com o joelho no dia 25 de maio de 2020 durante uma abordagem policial. O processo ainda deve ganhar novos capítulos, pois o condenado pode recorrer da decisão. Além disso, o tempo de prisão será determinado pela Justiça em até oito semanas. Estima-se que Chauvin pegue até 40 anos de cadeia, mas o fato de ser réu primário pode atenuar esse prazo. A promotoria, por outro lado, briga para que o tempo de detenção do homem de 45 anos seja mais longo, por causa de agravantes do caso. Durante o julgamento, cujas audiências começaram em 29 de março, Chauvin preferiu não prestar depoimento e apenas se declarou inocente. O júri o considerou culpado em três categorias diferentes de homicídio existentes na lei dos Estados Unidos: em segundo grau (quando o réu mata alguém sem a intenção enquanto pratica intencionalmente um outro crime), em terceiro grau (quando o réu mata alguém por ter tomado uma atitude perigosa, na qual foi indiferente ao risco de fazer o outro perder a vida) e culposo em segundo grau (quando o réu não tinha a intenção, mas assumiu o risco de matar naquele momento por imprudência ou negligência), escreve Giuliana de Toledo na Época desta semana. Continua abaixo.
Os jurados repassaram o que ocorreu naqueles nove minutos e 29 segundos em que o joelho de Chauvin esteve contra o pescoço de Floyd — um tempo ainda maior que os oito minutos e 46 segundos inicialmente contados. O número anterior se tornou um símbolo da luta contra a violência policial, estampado em cartazes de protesto, camisetas e mensagens nas redes sociais. Passou a ser também usado para marcar momentos cronometrados de silêncio entre os manifestantes.
O assassinato de Floyd no meio de uma rua da cidade mais populosa do estado de Minnesota, porém, não foi silencioso. As gravações, tanto daqueles que passavam pelo local quanto das câmeras embutidas nos uniformes dos policiais, mostraram a vítima dominada, tentando avisar sobre a asfixia. Os transeuntes, algumas das 45 testemunhas no processo, também contaram que chamaram a atenção para o excesso de força, mas não foram ouvidos. “Eu não consigo respirar”, frase mais angustiante de Floyd no vídeo que se espalhou pelas redes sociais desde o episódio, também se tornou imediatamente uma palavra de ordem de movimentos como o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).
Após a morte de Floyd, diversas cidades americanas arderam em protestos, assim como outras na Europa, na Ásia, na África e na América do Sul, naquela que foi considerada a maior movimentação antirracismo das últimas décadas. Os ativistas saíram às ruas mesmo em meio à pandemia de Covid-19, um novo capítulo numa longa história de luta. Os anos 1960 foram especialmente pródigos na batalha pela igualdade racial. A década ainda contou com manifestações gigantes após o assassinato de Martin Luther King, ativista dos direitos humanos baleado em 4 de abril de 1968. Os movimentos de hoje ecoam aquela época: o punho cerrado do Black Lives Matter foi herdado dos Panteras Negras, movimento armado e partidário famoso naquela década.
Anos depois, em 1992, Los Angeles se tornou o cenário de mais protestos que entraram para a história. Em 29 de abril daquele ano, o desfecho não foi como este de agora para Derek Chauvin. Naquele dia, um júri absolveu agentes do Departamento de Polícia da cidade pela agressão a Rodney King, negro que dirigia embriagado. Os agressores eram três brancos e um hispânico. Indignados, milhares de pessoas protestaram na região de Los Angeles ao longo de seis dias. As manifestações deixaram 53 mortos e centenas de feridos. King, que teve mais sorte que Floyd, tornou-se a partir dali um ativista do movimento negro. Apesar de o mundo ainda não estar repleto de câmeras como atualmente, a agressão dos policiais também foi filmada.
A Associação Nacional pelo Avanço das Pessoas de Cor (NAACP, na sigla em inglês) ressaltou, em nota, que “o capítulo sobre Derek Chauvin pode ser fechado, mas a luta pela responsabilização da polícia e pelo respeito pelas vidas negras está longe de acabar”. O Black Lives Matter foi ainda mais enfático. “Trezentos e trinta dias (tempo do assassinato até a sentença) para confirmar o que já sabíamos. Trezentos e trinta dias revivendo o trauma do assassinato de George, temendo que o sistema nos decepcionasse novamente e lamentando tantos mais que perdemos. Por um assassinato testemunhado por milhões. Isso não prova que o sistema funciona. Até que tenhamos um mundo onde nossas comunidades possam prosperar sem medo, não haverá justiça”, declarou.
Em uma fala mais otimista, Courtney Ross, ex-namorada de Floyd, entendeu o resultado como uma chance de revisão de outras histórias. “Hoje foi um grande dia para o mundo. Para mim, significa que meus amigos e outras pessoas que também perderam entes queridos agora têm uma chance de reabrirem seus casos.” A família de Floyd declarou que “justiça para a América negra é justiça para a América inteira”, mas ressaltou que a ideia precisa ser espalhada. “Esse caso é um ponto de virada na história americana quanto à responsabilização das forças de segurança e envia uma mensagem clara, que esperamos que seja ouvida em todas as cidades.”
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