Pular para o conteúdo principal

Loucura e paranoia derrubam 25 Boeings por dia. CPI da Covid já!

A loucura, a paranoia e a incompetência derrubam 25 Boeings 737 por dia no país. A CPI da Covid no Senado não é só uma imposição constitucional. Passou a ser uma obrigação moral. Agiu com acerto o ministro Luís Roberto Barroso ao determinar a sua instalação. Manda cumprir o que está na Carta. O requerimento, com 32 assinaturas, foi protocolado por Randolfe Rodrigues (Rede-AP) no dia 4 de fevereiro. Em 11 de março, Alessandro Vieira (SE) e Jorge Kajuru (GO), ambos do Cidadania, recorreram ao STF com um mandado de segurança para que o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), cumprisse as regras do jogo. O relator é Barroso. Pacheco vinha tentando adiar a comissão. O senador já havia afirmado que achava inevitável a investigação, ponderando, no entanto, que ela poderia ser feita mais à frente. A prioridade, insistia, era combater a doença e conseguir as vacinas. Tinha e tem razão. Mas com CPI. Em nada ela obsta o combate à doença. Quem produz vacinas no país, ainda que com Ingredientes Farmacêuticos Ativos importados, são o Butantan —80%— e a Fiocruz, escreve Reinaldo Azevedo em sua coluna, publicada sexta, 9/4, na Folha de São Paulo. Continua a seguir.


Não restava a Barroso caminho alternativo ao que estabelecem a Constituição e a jurisprudência do STF. O pedido cumpre o que dispõe o parágrafo 3º do artigo 58 da Carta, que prevê apenas três requisitos para uma CPI: a assinatura de ao menos um terço da Casa, existência de fato determinado e estabelecimento de um prazo de vigência. Inexiste arbitragem ou ato monocrático do presidente da Câmara ou do Senado a deslanchar o processo.

Pacheco concedeu uma entrevista furiosa e errada depois da decisão de Barroso. Remédios para acalmar: Constituição e jurisprudência. Convém não tomar a cloroquina do arranjo e a ivermectina da indignação corporativista e infundada. Não corrigem a doença da incompetência do governo e ainda causam eventos adversos graves.

Voltemos a 2007, quando a então oposição criou na Câmara a chamada “CPI do setor aéreo”. Reuniu-se o número necessário de assinaturas, e o petista Arlindo Chinaglia (SP), presidente, determinou a sua instalação. Mas acatou um recurso interposto por Luiz Sérgio (PT-RJ), líder do partido, que acusava irregularidades no pedido. Chinaglia aceitou votar a questão, e a comissão foi derrubada por maioria no plenário.

Os que defendiam a investigação recorreram ao STF justamente com um mandado de segurança, cujo relator foi o ministro Celso de Mello. Ele concedeu a liminar, determinando a instalação da comissão, e submeteu a sua decisão ao pleno. Foi referendada por unanimidade. Um dos que entraram com recurso foi o então líder do PFL na Casa e hoje secretário-geral da Presidência, Onyx Lorenzoni.

Aquela CPI começou a ser gestada depois da queda de um Boeing 737 da Gol, que matou 154 pessoas, no dia 19 de setembro de 2006. O episódio se deu em meio ao que ficou conhecido como “apagão aéreo”. Governos e governistas não gostam de CPIs. E é justamente neste ponto que entra o Supremo.

Escreveu Celso de Mello no acórdão: “O direito de oposição, especialmente aquele reconhecido às minorias legislativas, para que não se transforme numa prerrogativa constitucional inconsequente, há de ser aparelhado com instrumentos de atuação que viabilizem a sua prática efetiva e concreta”.

Observem que, naquele caso, a CPI havia sido derrubada pela maioria da Câmara. Nem assim a garantia se apagava. Acrescentou o acórdão: “A maioria legislativa não pode frustrar o exercício, pelos grupos minoritários que atuam no Congresso Nacional, do direito público subjetivo que lhes é assegurado pelo artigo 58, § 3º (...)”.

Num primeiro momento, até me pareceu razoável que Pacheco pudesse tentar negociar com os subscritores do requerimento um prazo. No dia 24 de março, por exemplo, houve uma reunião entre os Três Poderes para a criação do tal Comitê de Combate à Covid. Talvez um princípio de racionalidade, quem sabe... Cinco dias depois, Bolsonaro criou uma crise militar, ameaçando o país, mais de uma vez, com o “meu (seu?) Exército”.

O adiamento da CPI em nada facilitou o processo de vacinação nem teve o condão de chamar o presidente da República à razão. Cumpra-se o que dispõem a Constituição e a jurisprudência do Supremo. Foi o que fez Barroso. CPI já! Para que Congresso e Supremo não se tornem cúmplices do morticínio em massa e para que eventuais responsáveis paguem pela tragédia.

Ou será que a queda — trágica, mas felizmente rara — de um avião comove, mas a de 25 por dia anestesia o espírito?



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Um pai

Bruno Covas, prefeito de São Paulo, morreu vivendo. Morreu criando novas lembranças. Morreu não deixando o câncer levar a sua vontade de resistir.  Mesmo em estado grave, mesmo em tratamento oncológico, juntou todas as suas forças para assistir ao jogo do seu time Santos, na final da Libertadores, no Maracanã, ao lado do filho.  Foi aquela loucura por carinho a alguém, superando o desgaste da viagem e o suor frio dos remédios.  Na época, ele acabou criticado nas redes sociais por ter se exposto. Afinal, o que é o futebol perto da morte?  Nada, mas não era somente futebol, mas o amor ao seu adolescente Tomás, de 15 anos, cultivado pela torcida em comum. Não vibravam unicamente pelos jogadores, e sim pela amizade invencível entre eles, escreve Fabrício Carpinejar em texto publicado nas redes sociais. Linda homenagem, vale muito a leitura, continua a seguir.  Nos noventa minutos, Bruno Covas defendia o seu legado, a sua memória antes do adeus definitivo, para que s...

Dica da Semana: Tarso de Castro, 75k de músculos e fúria, livro

Tom Cardoso faz justiça a um grande jornalista  Se vivo estivesse, o gaúcho Tarso de Castro certamente estaria indignado com o que se passa no Brasil e no mundo. Irreverente, gênio, mulherengo, brizolista entusiasmado e sobretudo um libertário, Tarso não suportaria esses tempos de ascensão de valores conservadores. O colunista que assina esta dica decidiu ser jornalista muito cedo, aos 12 anos de idade, justamente pela admiração que nutria por Tarso, então colunista da Folha de S. Paulo. Lia diariamente tudo que ele escrevia, nem sempre entendia algumas tiradas e ironias, mas acompanhou a trajetória até sua morte precoce, em 1991, aos 49 anos, de cirrose hepática, decorrente, claro, do alcoolismo que nunca admitiu tratar. O livro de Tom Cardoso recupera este personagem fundamental na história do jornalismo brasileiro, senão pela obra completa, mas pelo fato de ter fundado, em 1969, o jornal Pasquim, que veio a se transformar no baluarte da resistência à ditadura militar no perío...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...