Pular para o conteúdo principal

Possibilidade de contrair Covid ao tocar superfície ou objeto é muito rara

Caríssimo leitor, se você tiver paciência para ler até o final a coluna de hoje, vai se lembrar dela muitas vezes. No início da pandemia, eu passava horas na pia para lavar tudo o que chegava do supermercado. Ficava até tonto de tanto jogar álcool nos sacos plásticos, ensaboava, um por um, os tomates, as maçãs, o mamão, as peras, as jabuticabas. Depois, enxaguava e enxugava antes de guardar na geladeira. A depender do volume de compras, a operação durava meia hora ou mais, período em que eu lastimava o desperdício de um tempo que me faltava para responder os malditos emails e mensagens no WhatsApp que se acumulam em moto-contínuo, ler um trabalho científico, escrever ou exercer qualquer atividade capaz de tirar meus neurônios do modo letárgico. Esses cuidados tinham origem num estudo laboratorial publicado em março de 2020, que revelara a presença do coronavírus por vários dias em plásticos e superfícies metálicas. Os achados reforçavam a afirmação da Organização Mundial da Saúde, divulgada no mês anterior, de que o coronavírus também se disseminava pelo contato com superfícies contaminadas, escreve Drauzio Varella em sua coluna na Folha, publicada neste sábado, 24/3. Vale a leitura! Continua a seguir.


Uma tarde, com vontade de chorar diante de uma montanha de batatas, cenouras, abobrinhas e berinjelas, recebi uma visita rara: a do bom senso. Pensei: se o mecanismo de transmissão desse vírus é semelhante ao da gripe, quantas vezes fiquei gripado porque comi um tomate ou uma mexerica?

No mesmo momento, fui assaltado por outra dúvida: por que preciso deixar meus sapatos na área de serviço? Alguma vez peguei gripe depois de deitar no tapete da sala?

Em julho de 2020, um grupo da Universidade Rutgers, nos Estados Unidos, publicou um estudo com a seguinte conclusão: “As superfícies não estão entre os meios importantes de transmissão”.

Com a progressão da epidemia, surgiram evidências de que a maioria das transmissões ocorriam por meio das gotículas maiores e menores (aerossóis) expelidas ao falar, tossir ou respirar. Na conclusão, os autores escreveram: “Embora possível, a transmissão por contato com superfícies não representa um risco significativo”.

Em dezembro, a engenheira ambiental Ligia Marr escreveu no Washington Post: “Está cada vez mais claro que a transmissão por inalação de aerossóis formados por microgotas dispersas no ar é o modo dominante de transmissão”. Segundo ela, os cuidados excessivos com a desinfecção de superfícies demandam tempo e recursos que deveriam ser aplicados na melhoria da ventilação dos ambientes.

A ideia de que o coronavírus seria transmitido com facilidade por superfícies e objetos contaminados veio por analogia com outros agentes infecciosos. Nos hospitais, algumas bactérias (como o estafilococo resistente) e certos vírus (como o sincicial respiratório) podem se espalhar pelas mesas de cabeceira, grades de cama e até pelos estetoscópios dos médicos.

Os primeiros testes com o coronavírus apontaram na mesma direção: no ambiente hospitalar, garrafas de água, óculos e outros objetos testaram positivo para o RNA do vírus. Em pias e chuveiros de residências com doentes e em mesas de restaurantes, também. E pior, as pesquisas mostravam que a contaminação persistia por dias.

Em abril de 2020, um estudo mostrou que em superfícies de plástico ou de aço o RNA do vírus chegava a persistir por seis dias; nas cédulas de dinheiro, três dias; em máscaras cirúrgicas, sete dias; nas roupas, oito horas.

O fato de detectar a presença do RNA viral, no entanto, não quer dizer que ali existam vírus viáveis. As partículas virais encontradas nesses experimentos são incapazes de infectar células, em laboratório. Além disso, as condições laboratoriais são diferentes daquelas do cotidiano.

Um grupo americano da Universidade Tufts, calculou a probabilidade de contrair Covid ao tocar maçanetas de portas e botões nos sinais de tráfico nos cruzamentos para pedestres, de uma cidade de Massachussetts. Com base nos níveis de RNA viral encontrado e na frequência da manipulação desses locais, o risco calculado foi abaixo de cinco em cada 10 mil.

Embora seja impossível descartar a possibilidade de adquirir a infecção ao tocar uma superfície ou um objeto, os dados mostram que essa forma de transmissão é muito rara.

Em vez de perder horas do seu dia lavando tudo o que entra em casa, lave as mãos com frequência, use máscara ao sair e ventile ao máximo os ambientes em que estiver.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe