Em “La Casa de Papel”, o personagem de Álvaro Morte, El Profesor, forma uma quadrilha batizando seus integrantes com nomes de cidades aleatórias, como Tóquio, Rio e Bogotá. Qualquer semelhança com “Cães de Aluguel” não é mera coincidência - quem viu o filme de 1992 deve se lembrar dos codinomes Mr. Pink, Mr. Black etc., usados num contexto idêntico. Atualmente o maior “showrunner” da TV espanhola, Álex Pina nunca escondeu sua verve “tarantiniana”. Há ecos de Quentin Tarantino em “Vis a Vis”, “White Lines” e, sobretudo, no fenômeno “La Casa de Papel”, que chega a citar nominalmente o diretor americano numa cena. Nem sempre as referências são tão diretas, mas estão sempre lá: no texto “nonstop”, no ritmo de videoclipe e na estética pop, com marcante uso da trilha sonora. Quem ainda não havia percebido essa influência, agora não vai poder deixar de notar em “Sky Rojo”. O parentesco é tão óbvio que Pina cunhou o termo “Latin pulp” para facilitar seu trabalho com a imprensa, escreve Luciano Buarque de Holanda em resenha para o Valor sobre a série exibida pela Netflix, publicada dia 1/4 no jornal. Continua a seguir.
Logo de início, a série parece tomar emprestado o “storyboard” de “Um Drink no Inferno”, de Tarantino e Robert Rodriguez, tanto pelos enquadramentos quanto pelo cenário árido que cerca um imponente prostíbulo.
O lugar em questão chama-se Las Novias, o que nos traz à memória a alcunha da personagem de Uma Thurman em “Kill Bill”, The Bride. Mais para frente, até mesmo espadas de samurais entram em cena.
As referências seguem amontoando-se. O figurino do trio protagonista herda algo da Alabama de “Amor à Queima-Roupa” e do uniforme de enfermeira de Daryl Hannah em “Kill Bill”. O acento “girl power”, somado às perseguições em estradas empoeiradas, remete diretamente ao longa “À Prova de Morte”.
Criado em parceria com Esther Martínez Lobato, com quem Pina já havia colaborado em “O Píer”, “Sky Rojo” pretende mostrar, nas palavras dos realizadores, “a impunidade, a ambiguidade e a realidade brutal” do mundo da prostituição.
Nada mais contraditório, tratando-se de uma série que se ancora numa narrativa “quadrinesca”, com um vilão que não poderia ser mais caricato. Já a bagagem dramática das heroínas é frágil, superficial demais para validar qualquer denúncia.
Elas são Coral, Wendy e Gina (Verónica Sánchez, Lali Espósito e Yany Prado, respectivamente), três acompanhantes do Las Novias Club, um bordel situado no meio do deserto de Tenerife e mantido à mão de ferro pelo nefasto Romeo (Asier Etxeandia), cafetão capaz de mandar desmembrar suas funcionárias e ainda mantê-las na ativa.
O conflito central surge após um violento confronto entre Gina e o patrão, testemunhado pelas amigas Coral e Wendy, que acabam interferindo em sua defesa. Quando o chefe cai inconsciente no chão, o trio sai às pressas do Las Novias e pega a estrada, com os capangas de Romeo logo saindo em seu encalço.
Simples assim, a trama é como um “Thelma e Louise” acrescido da já bem enfatizada violência “tarantiniana”. As personagens são planas, nunca vão muito além do previsível.
Ex-bióloga, Coral vem de um passado negro e um progressivo problema com drogas. Gina deixou Cuba sob promessas de uma vida melhor na Europa, sem saber que caía num esquema de tráfico sexual compactuado pela própria mãe. A argentina Wendy entrou no ramo do sexo para proporcionar um futuro melhor para ela e sua namorada.
Há muito mais espaço para a ação do que para esses conflitos internos. Generosas doses de humor negro ajudam a minar qualquer pretensão dramática da série.
“Sky Rojo”, entretanto, preserva as qualidades que fizeram de “La Casa de Papel” um hit mundial. A narrativa é ágil, enxuta, vai direto ao ponto. Cada qual com cerca de meia hora de duração, os oito episódios da primeira temporada passam voando.
Sky Rojo (1ª temporada)
Espanha - 2021. Criadores: Álex Pina; Esther Martínez Lobato. Onde: Netflix / BB+
AAA Excepcional / AA+ Alta qualidade / BBB Acima da média / BB+ Moderado / CCC Baixa qualidade / C Alto risco
Comentários
Postar um comentário
O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.