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Nada de extraordinário – apenas a beleza das relações cotidianas
Existem famílias perfeitas? É possível criar filhos sem traumas durante suas infâncias? O que está por trás da história dos patriarcas e das matriarcas? Essas e diversas outras reflexões sobre nossas próprias trajetórias de vida são incitadas pela série This Is Us, produzida pela FOX e disponível na plataforma Amazon Prime em 4 temporadas.
O roteiro – bastante complexo, com diversas linhas narrativas e viagens no tempo – tem como fio principal a história do casal Jack e Rebecca Pearson, que se conhecem na década de 70, nos EUA. A primeira temporada se inicia com o nascimento dos trigêmeos Kevin e Kate – biológicos e brancos – e Randall, um recém-nascido negro, abandonado em um corpo de bombeiros próximo ao hospital e adotado pelo casal protagonista. Ao longo dos episódios, a narrativa realiza movimentos de vai e vem entre o passado e o futuro, sem criar confusões ao espectador, o que permite uma construção aprofundada de cada personagem com suas nuances psicológicas.
Esse, aliás, é o ponto forte da série: detalhes imperceptíveis aos olhos dos pais, que buscam a criação de um ambiente que acolha as diferenças entre as três crianças, acabam formando os primeiros traumas que se intensificam na vida adulta. Neste sentido, vale ressaltar que a série traz um olhar bastante psicologizado, até freudiano, no que tange à interpretação da formação de personalidade e caráter. Também são abarcadas pelo roteiro pautas identitárias, como a questão em torno da Kate ter um corpo gordo ou os impactos que a branquitude da família Pearson causou na formação de Randall. São questões abordadas não apenas para se adequar aos tempos do politicamente correto – como muitas produções Netflix fazem de forma superficial – mas planejadas na construção do roteiro do começo ao fim.
O drama não traz em si uma grandiosa narrativa, ou um clímax principal. Exceto em alguns momentos acompanhados de trilha sonora repetitiva e brega, a preciosidade da série se dá pelo brilho colocado nos momentos banais: olhares que traduzem todo um passado, um choro carregado de história e risadas que marcam reconciliações discretas. O retrato do ordinário faz lembrar as produções do diretor japonês Hirokazu Koreeda, conhecido pelos filmes Assunto de Família (2018) e Andando (2008) que comovem a audiência pela identificação com as pequenas capturas do cotidiano.
Outra face que demonstra a profundidade das personagens e as relações estabelecidas entre elas é a imagem sustentada nos primeiros episódios da figura de Jack, pai dos trigêmeos. É um personagem atencioso, engraçado, romântico, dedicado e louvado, um herói da família. Assim como tendemos, na vida real, a idealizar figuras de autoridade, Jack é retratado como um indivíduo quase que perfeito. O roteiro busca a desconstrução sutil dessa figura, junto tanto das personagens como dos espectadores.
Para os fãs do gênero, vale a experiência de assistir a primeira temporada, que já garante muitas lágrimas. O brilho que a série coloca nesses pequenos momentos pode ser refletido também na forma como encaramos – e valorizamos – momentos com amigos e familiares. Diversos outros sentimentos serão incitados, como uma saudade do que ainda não se foi: nossos pais morrem, mas não morrem; continuam vivos dentro de nós. Talvez caiba resolver pendências e questões enquanto em vida. (Por Megan Sutton-Kirkby em 31/10/2020)
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