A decisão de Francis Ford Coppola de escalar a própria filha Sofia para um dos papéis centrais de “O Poderoso Chefão 3” (1990) foi considerada um erro imperdoável, responsável pelo (suposto) desastre do filme. Mas o gesto não deve ser lido como mero favorecimento. A operística e visualmente espetacular terceira parte da trilogia foi realizada quase 20 anos depois das duas primeiras partes (lançadas em 1972 e 1974), quando os filmes e o próprio Coppola já haviam sido alçados à condição de mitos da “Nova Hollywood”. A escolha foi um aceno a essa mitologia, que criava um curto-circuito entre as dimensões familiares da obra e dos criadores, escreve Pedro Butcher no Valor, em resenha publicada dia 6/11. Vale a leitura, continua a seguir.
Mas se escalação fazia sentido para o diretor e para a obra, foi potencialmente desastrosa em uma dimensão pessoal. Com 19 anos à época, Sofia foi exposta a uma cruel tempestade midiática que culminou nos prêmios Framboesa de Ouro de pior atriz e pior atriz revelação do ano.
A menina sobreviveu ao escárnio crítico para reaparecer, nove anos depois, como diretora de seu próprio longa-metragem - “As Virgens Suicidas”. Rejeitada como atriz, no espaço onde as mulheres supostamente teriam mais trânsito na hierarquizada e fechada indústria hollywoodiana, Sofia apareceu na cena independente conquistando um justo lugar no campo da realização, um dos mais fechados à presença das mulheres.
Observando essa trajetória, “On the Rocks” ganha um significado todo especial. O tema do filme, afinal, é uma relação entre pai e filha em que os gestos do pai, concebidos como amorosos e de proteção, têm consequências perversas na vida da filha. Laura (Rashida Jones) é uma mulher que começa a desconfiar do comportamento do marido (Marlon Wayans) quando seu pai, Felix (Bill Murray), reaparece, depois de uma longa temporada na França.
Felix é um milionário “playboy” e mulherengo que induz a filha a duvidar ainda mais do marido. “Pense como um homem”, ele diz.
Ao mesmo tempo em que traz essa dimensão mais pessoal, “On the Rocks” também parece em busca de um movimento reflexivo e de distanciamento em relação aos filmes anteriores de Sofia, apontando, mesmo que timidamente, para um desejo por novos caminhos.
Com uma direção suave, sempre precisa nos enquadramentos, e uma comicidade leve que nem sempre encontra bom suporte nos atores, “On the Rocks” parece uma tentativa de reconfigurar o universo em que Sofia sempre transitou com familiaridade - o das elites americanas.
Ela se mantém nesse universo, mas procura desenhá-lo de forma mais diversa e incorporar pautas - sobretudo a luta feminista, antipatriarcal, pós-movimento Me Too. “On the Rocks” é mais um filme-retrato deste tempo de ajustes.
“On the Rocks”
EUA, 2020. Direção: Sofia Coppola Onde: Apple TV+ BB+
AAA Excepcional / AA+ Alta qualidade / BBB Acima da média / BB+ Moderado / CCC Baixa qualidade / C Alto risco
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