Parte da gente remediada, bem de vida ou rica que frequenta as praias do litoral norte de São Paulo marca grandes festas de fim de ano, noticia esta Folha. Aparecem relatos aqui e ali de hospitais privados cuidando de mais doentes de Covid-19, embora os dados não sejam bastantes nem para esboçar um chute de estimativa das internações recentes. O governo paulista, que teria o mapa completo do problema, diz que não há tendência de aumento da ocupação de leitos por causa da epidemia, escreve o colunista Vinicius Torres Freire na Folha, em ótimo artigo publicado dia 13/11 no jornal. Continua a seguir.
As notícias da agenda animada de festas, no entanto, fazem lembrar da negligência do início da calamidade, das festas de casamento e outras aglomerações que ajudaram a espalhar o vírus como bombas sujas, radioativas.
Não há fatos que indiquem um repique da epidemia em São Paulo, na maior parte dos estados ou na média nacional. Mas, como se escrevia faz duas semanas nestas colunas, a Europa outra vez nos dá um alerta. Foi assim em fevereiro e março, para o que muita gente aqui ligou pouco.
Para resumir um assunto complicado, a situação em muitos países da Europa está por ora fora de controle, a julgar pelo número de mortes. Como as novas restrições e distanciamentos foram impostos no início do mês, ainda não dá para saber se tiveram resultado. Mas o espalhamento da doença, com ou sem restrições, vai danar a atividade econômica europeia em novembro.
O repique de casos, mesmo sem restrições, já prejudicara outubro. A retomada em dezembro, se houver, será entre cautelosa e lenta, para ser otimista.
Na Europa, o número relativo de novas mortes é o triplo do brasileiro (medido pela média móvel de mortes em sete dias, por milhão). Na França, 5 vezes o do Brasil. Na Itália, 4,4 vezes. Na Espanha, 3,5 vezes. No Reino Unido, 3,2. Mesmo na disciplinada e organizada Alemanha, o número relativo de novas mortes agora é praticamente igual ao daqui.
A taxa de infecção geral acumulada nos maiores países europeus, menos a Alemanha, não deve ser muito diferente da brasileira, embora estejamos de novo no escuro a respeito disso.
De qualquer modo, o Brasil poderia entrar em temporada menos triste na saúde e na economia. O número diário de mortes rondou a casa de 5 por milhão, em julho; é de 1,7 agora, ainda o horror de 365 mortes por dia, mas diminuindo.
Os auxílios emergenciais vários evitaram recessão convulsiva. As taxas de juros estão em níveis historicamente baixos. Comércio e indústria vinham despiorando em ritmo melhor do que o esperado. Se o controle da epidemia fosse melhor, haveria menos mortes, menos medo, e o setor de serviços estaria andando mais rápido também.
Se houvesse governo federal, haveria um plano sanitário. Haveria ao menos um plano econômico, um programa para lidar com o fim dos auxílios, em dezembro, e um projeto qualquer de diretriz econômica que fosse apenas sensato, “arroz com feijão”. Ou seja, um plano ao menos para satisfazer os donos do dinheiro e não causar tumulto financeiro, um plano básico para cuidar do orçamento. Não há nada disso.
O verão pode ser muito abafado. Que não seja sufocante. As festas da negligência alegre podem ser mortíferas. A paralisia da administração econômica pode largar de novo muita gente em miséria ainda maior, no mínimo. O governo de Jair Bolsonaro continua o seu culto da morte, a campanha de desmoralização das vacinas e a nomeação de terraplanistas militares para cargos técnicos da saúde. Vai ser por sorte ou andanças desconhecidas do vírus que poderemos escapar de uma segunda onda de desgraça.
Vinicius Torres Freire é jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
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