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Época: o tropeço de alguns IPOs na bolsa brasileira

Num ano em que a economia deverá encolher pelo menos 5%, resultado da paralisia causada pelo coronavírus, a Bolsa de Valores brasileira registrou um movimento inédito desde 2007. Pelo menos 20 empresas estrearam no pregão, o que os americanos chamam de IPO, sigla em inglês para oferta pública inicial de ações. O lançamento de papéis de empresas novatas girou até agora uma bolada de R$ 95,7 bilhões, superando, mesmo num período de crise, o movimento do ano passado, que somou R$ 89,6 bilhões, escreve João Sorima Neto na edição da semana passada de Época. Continua a seguir.


Mas nem tudo é euforia no mercado acionário num ano em que a economia vai se contrair. Na ponta do lápis, das 20 empresas que realizaram IPO, dez estão com desempenho positivo, com ações valorizadas. Mas a outra metade está no vermelho. Nesse caso, significa prejuízo para quem investiu. Nas últimas semanas, de olho no desempenho ainda incerto da Bolsa neste ano, dez empresas desistiram de abrir capital.

Entre elas estão a incorporadora You,inc, a Caixa Seguridade, a companhia de gás Compass, controlada pela Cosan, e até a rede de varejo Havan, que adiou seus planos. A construtora Pacaembu mudou do início de outubro para o próximo dia 29 a data de precificação de sua oferta de ações. Uma das perguntas que não querem calar é por que essas companhias estão desistindo de buscar sócios se o número de investidores com apetite para ações chegou a 3 milhões neste ano, ante os 1,68 milhão de pessoas físicas com conta na B3 em dezembro de 2019.

Há várias razões que explicam as desistências ou o adiamento. “Muitas empresas estão em situação financeira estável, avaliam que o mercado passa por um momento de incertezas e o investidor não está disposto a pagar o preço proposto pela ação”, observou Rodrigo Guedes, especialista no mercado de ações da consultoria KPMG. Entre as empresas que desistiram, a incorporadora You,inc, por exemplo, informou que postergou a realização de seu IPO, previsto para agosto, “devido à grande movimentação de empresas do mesmo segmento para abertura de capital e pelos múltiplos que ficaram aquém do que a empresa esperava”. Em comunicado, a companhia diz que tem caixa positivo e saudável e, por isso, prefere aguardar um cenário mais favorável para captar recursos no mercado de capitais. Atualmente, o setor imobiliário representa 35% das ações oferecidas no pregão, o que mostra que a concorrência já é grande e é preciso uma tese de investimento arrojada que convença o investidor a tirar o dinheiro do bolso.

A Caixa Seguridade suspendeu a oferta de ações em setembro e diz que ela não será retomada antes do início de 2021. Para os especialistas, algumas empresas vão para a Bolsa movidas pela euforia do mercado, mas não estão prontas para essa operação. Muitas acabaram abrindo capital com um preço inicial muito elevado para suas ações. Nesse caso, o IPO acaba saindo pelo preço mínimo e os papéis se desvalorizam quando começam a ser negociados. Esse é um dos temores.

Mas mesmo entre as companhias que sofreram com o preço decrescente de seus papéis, há quem se diga satisfeito. A incorporadora Moura Dubeux, que atua nas regiões Norte e Nordeste do país, abriu o capital em fevereiro e suas ações se desvalorizaram mais de 40% até o dia 20 de outubro, segundo a Economática, empresa de informações financeiras. Na avaliação da companhia, isso não vai durar porque o mercado imobiliário vem se recuperando, com mais gente interessada em comprar imóveis. “O ciclo do mercado imobiliário é longo, de pelo menos cinco anos. E o cenário de juro baixo ajuda nos financiamentos. Foi o momento certo para o IPO. Já fizemos quatro lançamentos neste ano e vamos mostrar ao mercado que temos muita capacidade de geração de caixa com margens de ganho boas”, disse Diego Villar, presidente da Moura Dubeux, lembrando que o R$ 1,25 bilhão levantado com a oferta será usado para amortizar dívidas.

“As empresas que vão a mercado estão de olho na enorme quantidade de recursos que estão migrando de aplicações mais conservadoras, entre elas a popular caderneta de poupança, para investimentos considerados mais arrojados”, disse Alexandre Pierantoni, diretor da consultoria financeira Duff & Phelps no Brasil. O dinheiro aplicado em renda fixa cresceu a uma velocidade de 9% ao ano entre 2016 e 2019. Já para o mercado de renda variável, onde se enquadra a Bolsa de Valores, o fluxo cresceu 49% ao ano, no mesmo período, segundo um levantamento da consultoria KPMG. Especialistas apontam esse movimento como resultado de uma mudança estrutural no país, depois que a taxa de juros caiu à mínima de 2% ao ano.

Do ponto de vista do investidor pessoa física, os analistas recomendam certa cautela com os IPOs. O melhor caminho é entrar nessas operações por meio de fundos de investimento, onde gestores profissionais analisam a situação da empresa com certo grau de profundidade antes de recomendar a compra. Aliás, nos IPOs, o investidor pessoa física costuma ficar só com 10% dos papéis. A maior parte vai para investidores institucionais (fundos de investimento) locais, que têm ficado com 60% do total, e investidores estrangeiros, que ficam com 30%. Também é preciso lembrar que Bolsa é investimento de longo prazo e que uma queda abrupta no mercado pode ser compensada por altas ao longo dos anos. “Não existe comprar IPO. Existe entender o negócio que está sendo oferecido, se a empresa está crescendo, qual potencial de expansão e por que ela está indo a mercado. Nesse caso, o investidor pessoa física é o lado mais fraco da história, porque tem pouca informação. Um fundo pode ser uma boa opção de entrada”, disse Pedro Serra, gerente de pesquisa da Ativa Investimentos, lembrando que, mesmo com o crescimento de empresas na Bolsa, o brasileiro ainda tem poucas opções de investimento. No Brasil, são pouco menos de 400 companhias listadas, enquanto a Bolsa da Austrália tem mais de 2 mil empresas de capital aberto.




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