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Dica da Semana: Estou me guardando para quando o Carnaval chegar, documentário, Netflix

“Eu tenho tanta alegria adiada, abafada, quem dera gritar…”

Com direção e roteiro assinados por Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e Urubus), Estou me guardando para quando o Carnaval chegar é um documentário brasileiro que registra a vida na cidade de Toritama, Pernambuco. Localizada no meio do sertão agreste, rodeada por apenas uma rodovia e mata típica do cerrado (pequenas árvores e arbustos que resistem à secura). Esta pequena cidade produz 20 milhões de peças em jeans por ano. 

Em fábricas de fundo de quintal, conhecidas como “facções”, todos, ou quase todos os moradores de Toritama (fora crianças e alguns velhos) trabalham com a feitura de jeans. Orgulhosos de serem seus próprios patrões e controlarem o seu tempo de trabalho, nunca tiram férias. Nunca é exagero: saem de férias por alguns dias no Carnaval. 

O filme é narrado por um personagem que revisita sua cidade natal após anos fora, e quase não a reconhece. A Toritama antiga, uma cidade pacata e rural, onde as pessoas se sentavam na calçada para ver o tempo passar, se transforma em barulho incessante das máquinas das facções, das seis da manhã às dez da noite. Os poucos habitantes que ainda se sentam à calçada, estão com alguma peça de jeans na mão, trabalhando. 

Ao ver essa população, completamente dominada pelo trabalho, que opera sem direito trabalhista algum e vangloria-se por possuir um espírito empreendedor, acabamos refletindo sobre como o mercado capitalista acabou dominando a noção de vida das pessoas. Até em uma cidade tão pequena, isolada no meio do sertão pernambucano, os trabalhadores pensam estar sob controle de si mesmos, quando, na verdade, dedicam toda sua vida ao mercado, ao giro do capital. Refletimos então: o quanto somos parecidos com essas pessoas? Há alguma diferença entre os moradores de Toritama, que parecem completamente alienados de suas próprias vidas, e nós, trabalhadores da metrópole - que não controlamos o próprio tempo de trabalho, mas refletimos sobre a nossa condição? 

Além das reflexões, o filme é visualmente lindo. Ficamos durante todo o documentário imersos em um mar de azul. Tão distantes do mar de verdade, quem vive em Toritama está também rodeado por um azul profundo, que se contrasta com o vermelho das ruas de terra batida. Nessa cor que permeia o filme, há também uma ironia: quando chega o Carnaval, os trabalhadores do jeans vendem tudo o que tem e o que não tem para viajar ao litoral e ver o mar. Todo o trabalho duro, realizado durante o ano, escoa-se na espuma do mar pernambucano. Dessa forma, não há possibilidade nenhuma de se libertar desse ciclo, já que nada é poupado, já que a esperança de uma outra vida não está colocada. 

O título do documentário, uma menção à música Quando o carnaval chegar, de Chico Buarque, é preciso. O compositor carioca narra a história de um homem que se guarda, quase moralmente, para o Carnaval. O feriado vem carregado de possibilidades de libertinagem, liberdade, escape à vida. No filme, os moradores de Toritama também extravasam a vida trabalhadora em uma semana na praia, gastando tudo o que tinham guardado. 

Estou me guardando para quando o Carnaval chegar recebeu menção honrosa do júri oficial no 24º Festival É Tudo Verdade e foi escolhido como melhor filme pelo júri da Associação de Críticos de Cinema. Está disponível na Netflix. (Por Teresa de Carvalho Magalhães em 04/11/2020)





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