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Reportagem de primeira para reviver tempos difíceis
O Brasil não é só São Paulo e Rio de Janeiro, há vida inteligente no interior também, como prova o belo livro Cova 312, da jornalista Daniela Arbex, que retrata a busca pela verdade em uma obscura morte de um militante de esquerda durante o regime militar, ocorrido na cidade de Juiz de Fora, no interior de Minas Gerais.
Arbex é dessas repórteres com faro apurado, que reconhece uma boa história e não desiste de apurar, algo cada vez mais raro nesses tempos em que jornalistas recorrem ao Google para qualquer coisa, deixando as ruas e os arquivos de lado. Nem tudo está no Google, muita coisa está na memória das pessoas, em documentos que não foram e provavelmente não serão digitalizados tão logo.
Daniela trabalha como repórter no jornal Tribuna de Minas há 20 anos e já ganhou dezenas de prêmios por suas reportagens, sendo autor de outro belo livro, Holocausto Brasileiro, em que descreve os horrores do manicômio de Juiz de Fora, uma espécie de campo de concentração onde os internados viviam horrores diversos.
Cova 312 trata de uma história bem interessante – e trágica. A repórter se interessou por uma morte de um dos militantes presos na fracassada tentativa de guerrilha na Serra do Caparaó, ocorrida em 1967, na penitenciária conhecida pelo nome de Linhares, em Juiz de Fora. O que chamou mais atenção foi o fato de Milton Soares de Castro, o guerrilheiro gaúcho morto, supostamente por suicídio, não ter sido enterrado. Sim, não havia qualquer registro público de onde o corpo teria sido enterrado, sua família não pode se despedir do militante, simplesmente ninguém sabia o que teria ocorrido com ele.
Segredo dos militares mineiros, a localização do corpo era apenas um dos enigmas que giravam em torno de sua morte. A causa também não estava clara, nem o horário da morte, apenas o local era inequívoco: Milton morreu em sua cela, enforcado.
Daniela Arbex demorou uma década apurando o caso e o resultado primeiro foi estampado em manchete do jornal Tribuna de Minas, antes de se tornar livro. Sem spoilers, porque o final é emocionante, vale acompanhar não apenas a história em sim, mas também a história da reportagem, que a jornalista vai contando ao longo da narrativa, envolvente e ágil. Além de reconstituir a trajetória dos guerrilheiros do Caparaó, Daniela consegue apresentar um belo panorama dos anos de chumbo que o país viveu no final da década de 1960, sem precisar para isto recorrer ao que se passou nos grandes centros urbanos, com foco apenas na Juiz de Fora que foi objeto da investigação jornalística.
O texto de Daniela também é muito bom, outro ponto positivo do livro, que se lê muito rapidamente, embora em alguns momentos derrape em adjetivações desnecessárias, como sobre o AI-5, por exemplo. A agilidade do texto faz com que esta obra possa ser lida praticamente como um romance histórico, coisa que não é.
Tudo somado, Cova 312 vale a leitura, rápida e ágil, por mostrar que sim, há muita coisa boa sendo escrita fora dos grandes centros urbanos brasileiros, inclusive reportagens bem apuradas, com fontes que fogem do Google. #ficaadica
(Por Luiz Antonio Magalhães em 15/11/2020)
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