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A barbárie em um estacionamento de supermercado

Não é preciso relatar aqui o que aconteceu em uma loja do Carrefour em Porto Alegre na semana passada, a do feriado da Consciência Negra, o Brasil inteiro assistiu, perplexo, as imagens reproduzidas inicialmente nas redes sociais e depois em todos os noticiários televisivos do país. Não foi o primeiro e não será o último “acidente” com viés racista no Brasil. Não terá sido o primeiro e não será o último assassinato de uma pessoa negra por conta de sua cor. 

Os números estão aí escancarando o racismo estrutural que existe no Brasil, negado pelas autoridades que por ora ocupam o poder no governo federal e por boa parte da elite, que procuram sempre apontar outros fatores para casos lamentáveis como o que vitimou João Alberto Freitas. Pouco importa se ele começou uma briga, se estava fora de si, pouco importa até mesmo a cor dos seus algozes, porque também há muita morte de negros provocada por policiais negros, as estatísticas também mostram isto. 

Não há outra maneira de enfrentar a questão do racismo senão a educacional, mas esta é uma ação de longo prazo. Enquanto não se modifica a mentalidade das pessoas, só há duas maneiras de tentar coibir o racismo: legislação dura contra qualquer tipo de ato racista – já temos uma, a Lei Afonso Arinos, que precisa apenas ser mais aplicada – e políticas de reparação ao que ocorreu no passado e ocorre no presente. Políticas de cotas, iniciativas empresariais como a da Magazine Luiza, que enfrentou muitas críticas ao abrir concurso para contratação apenas de negros.

Ou o Brasil enfrenta com coragem o racismo, e o primeiro passo para fazê-lo é admitir a sua existência, coisa que o presidente Jair Bolsonaro e seu vice Hamilton Mourão não foram capazes até um caso tão evidente como o ocorrido no Rio Grande do Sul, ou vamos seguir sempre a reboque, lamentando os episódios que se sucedem em todos os cantos do país, muitos deles sem serem noticiados pro não envolverem uma marca como a do Carrefour, tão conhecida por todos. 

Punir, claro, os responsáveis diretos é obrigação, mas também aqueles que observaram as cenas bárbaras e nada fizeram precisam ser exemplarmente punidos, foram cúmplices de um assassinato, mais um de um homem negro no nosso país. Triste ter que escrever sobre algo assim, tão assustador e covarde, uma morte que poderia ter sido evitada com muita facilidade, bastava um mínimo de bom senso aos envolvidos.  (por Luiz Antonio Magalhães em 22/11/20)




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