Pular para o conteúdo principal

Reinaldo: Real people X fake news em 2022

Muito interessante o texto de Reinaldo Azevedo publicado na Folha de S. Paulo hoje, vale a leitura!
Abaixo, na íntegra

O encanto do discurso da direita disruptiva já se quebrou

Todos os meus amigos, sem exceção, estão convictos de que o pêndulo de opinião se deslocou para a direita por um bom tempo e de que a esquerda, desde já, deve ser descartada como opção eleitoral possível —se viável, aí o debate é outro— para 2022. Eu não estou. E olhem que isso nada tem a ver com “Lula livre” ou “Lula preso”.

Ouso sugerir que se coloquem os pobres na equação. No país que teve deflação em setembro —e duvido que Paulo Guedes tenha tido tempo de explicar para Jair Bolsonaro que isso não é bom—, o presidente decidiu fazer um esparramo em seu próprio quintal ideológico ao detonar o PSL. Que importa que isso crie dificuldades adicionais para alguns objetivos que deveriam ser estratégicos para o governo, como as reformas?

Nesta quinta (10), li cheio de interesse uma fala de Guedes a investidores brasileiros e estrangeiros. O trecho que mais me encantou foi este: “Estamos com o crescimento subindo, a inflação descendo e retomando provavelmente agora um longo ciclo de crescimento. Num momento em que o mundo sincronizadamente desacelera, entrando em uma clínica de reabilitação após um período de excessos, o Brasil está saindo da clínica de reabilitação”.

O discurso do ministro sempre pareceu complexo demais para o meu curto entendimento. Como quando prometeu arrecadar R$ 1 trilhão com privatizações ou zerar o déficit ainda em 2019. Com o mundo na clínica de reabilitação, e o Brasil iniciando seu longo ciclo de crescimento, suponho que a sustentação de que trata estará ancorada no mercado interno.

Não sou especialista em economia. Ele é. O debate no país consegue ser bem despudorado quando o tema é o rendimento das famílias, não é mesmo?

Vejo o escarcéu que se fez com o estudo do Banco Mundial sobre os gastos com o funcionalismo. Os números parecem especialmente perversos porque o rendimento médio do trabalho no país é de R$ 2.300.

Quase metade das famílias tem renda de R$ 1.996. O aluguel de uma casa de dois cômodos, com banheiro e quintal coletivo, na Vila Brasilândia, na zona norte de São Paulo, custa R$ 700. Na parte nobre da favela de Paraisópolis, na Zona Sul, pode ser um pouco mais caro.

Precisamos cortar os excessos do funcionalismo, sem dúvida. Mas de quais categorias? Não vi se o estudo do Banco Mundial cruza a formação escolar dos servidores com a do conjunto dos brasileiros e dos trabalhadores da iniciativa privada. Professores do ensino público podem ser confundidos com nababos. São?

Ainda que a renda média das famílias não o escandalize, leitor, deve-se entender que Banânia vai sustentar o crescimento, na contramão do mundo, incentivando o mercado interno, mas tirando dinheiro das mãos dos brasileiros —ou da parcela que consegue guardar alguma coisinha. O tempo dirá se faz sentido.

Não sei, não... O encanto do discurso da direita disruptiva, entendo, já se quebrou. A extrema direita hidrófoba nas redes sociais está dividida. Suas celebridades de internet estão se estapeando pela prerrogativa de liderar o obscurantismo, a vulgaridade, a truculência, a burrice e a falta de empatia com a maioria dos brasileiros, formada de gente pobre.

Acreditem: os escuros, achados pelas balas perdidas destes dias aziagos, ressurgirão em 2022. Talvez já deem as caras em 2020. Quem sabe ver e ouvir já percebeu que o “real people” tende a diminuir a importância das “fake news”. Querem apostar? Não creio que multidões de duros vão manter a mesma disposição de lutar contra o comunismo...

Para encerrar: também nós somos os curdos de Donald Trump. Deu uma banana para “Bolsonaro I love you” e resolveu apoiar o ingresso da Romênia e da Argentina na OCDE. A Argentina é aquele país que decidiu resistir à orientação de Bolsonaro e que vai eleger os esquerdistas Alberto Fernández e Cristina Kirchner para a Presidência.

A propósito: Guedes já deixou claro à Organização Mundial do Comércio que os curdos da Vila Brasilândia não querem mais tratamento diferenciado? Afinal, sabem como é, estamos na contramão do mundo. E gozar de regalias na OMC é coisa para países atrasados, como a China.

Reinaldo Azevedo
Jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Um pai

Bruno Covas, prefeito de São Paulo, morreu vivendo. Morreu criando novas lembranças. Morreu não deixando o câncer levar a sua vontade de resistir.  Mesmo em estado grave, mesmo em tratamento oncológico, juntou todas as suas forças para assistir ao jogo do seu time Santos, na final da Libertadores, no Maracanã, ao lado do filho.  Foi aquela loucura por carinho a alguém, superando o desgaste da viagem e o suor frio dos remédios.  Na época, ele acabou criticado nas redes sociais por ter se exposto. Afinal, o que é o futebol perto da morte?  Nada, mas não era somente futebol, mas o amor ao seu adolescente Tomás, de 15 anos, cultivado pela torcida em comum. Não vibravam unicamente pelos jogadores, e sim pela amizade invencível entre eles, escreve Fabrício Carpinejar em texto publicado nas redes sociais. Linda homenagem, vale muito a leitura, continua a seguir.  Nos noventa minutos, Bruno Covas defendia o seu legado, a sua memória antes do adeus definitivo, para que s...

Dica da Semana: Tarso de Castro, 75k de músculos e fúria, livro

Tom Cardoso faz justiça a um grande jornalista  Se vivo estivesse, o gaúcho Tarso de Castro certamente estaria indignado com o que se passa no Brasil e no mundo. Irreverente, gênio, mulherengo, brizolista entusiasmado e sobretudo um libertário, Tarso não suportaria esses tempos de ascensão de valores conservadores. O colunista que assina esta dica decidiu ser jornalista muito cedo, aos 12 anos de idade, justamente pela admiração que nutria por Tarso, então colunista da Folha de S. Paulo. Lia diariamente tudo que ele escrevia, nem sempre entendia algumas tiradas e ironias, mas acompanhou a trajetória até sua morte precoce, em 1991, aos 49 anos, de cirrose hepática, decorrente, claro, do alcoolismo que nunca admitiu tratar. O livro de Tom Cardoso recupera este personagem fundamental na história do jornalismo brasileiro, senão pela obra completa, mas pelo fato de ter fundado, em 1969, o jornal Pasquim, que veio a se transformar no baluarte da resistência à ditadura militar no perío...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...