Pular para o conteúdo principal

Janot conta tudo: uma leitura obrigatória


















O livro do ex-Procurador Geral da República Rodrigo Janot é praticamente um romance policial, embora seja uma obra de memórias, abrangendo o período em que ele esteve no comando da PGR e de parte da Operação Lava Jato. É um livro para se ler de uma sentada, o titular do blog leu em duas noites.
Todo mundo que se interessa pelos rumos políticos do país deveria ler, porque Janot realmente não poupa detalhes, nem os mais sórdidos, de sua própria trajetória. Naturalmente, ganhou destaque na mídia o trecho em que ele confessa ter ido armado ao Supremo Tribunal Federal com o objetivo de matar o ministro Gilmar Mendes, mas esta é apenas mais uma história de um enredo sensacional.
Não foi Rodrigo Janot quem escreveu o texto, ele deu depoimentos para os jornalistas Jailton de Carvalho e Guilherme Evelyn, o que explica o ritmo alucinante com que as histórias se desenrolam ao longo dos 20 capítulos da obra. Os jornalistas de fato conseguiram produzir um texto ágil, mas respeitando a linguagem e estilo de Janot.
E o que se lê é mesmo estarrecedor, revela os bastidores da Lava Jato - Janot conta que Daltan Dallagnol pediu para que ele antecipasse o caso do ex-presidente Lula para que pudesse obter a condenação antes das eleições de 2018, com objetivo de tirá-lo da disputa na urnas. Por si só o fato não configura um crime, mas quando se considera a questão sob o ponto de vista ético, é um comportamento no mínimo questionável.
O Rodrigo Janot que emerge da leitura de Nada Menos que Tudo é um ser humano com qualidades, vitórias, defeitos e derrotas. O alcoolismo do ex-PGR, por exemplo, é sutilmente abordado - ele mantinha uma "farmacinha" em seu gabinete, com uísque, gin, vodka, cerveja e vinhos, e em várias passagens relata ter consumido garrafas de vinho antes de tomar decisões importantes.
Por outro lado, a atuação firme de Janot garantiu acordos de leniência que recuperaram bilhões de reais aos cofres públicos e colocaram na cadeia corruptores, o que dificilmente ocorria em um país que tudo perdoava quando o assunto eram práticas heterodoxas de financiamento de campanha. E quanto aos políticos, Janot foi responsável por diversas prisões de gente de todos os espectros ideológicos e de vários partidos.
Vale muito a pena ler as memórias do ex-PGR, sobretudo para entender o funcionamento da política brasileira contemporânea. É espantoso que em plena Operação Lava Jato o então senador Aécio Neves tenha pedido R$ 2 milhões a Joesley Batista. Só a cultura da impunidade justifica tal ação, e Aécio certamente jamais imaginaria que o STF pudesse mandar prender sua irmã e aceitar o processo contra sua pessoa, assim como Delcídio Amaral não acreditou que estava de fato sendo preso pela Política Federal em pleno exercício do seu mandato de senador da República. Ler Nada Menos que Tudo é esclarecedor, mas é também uma história com muitos momentos tristes, em especial para quem preza a democracia. Este blog recomenda, #ficaadica.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe