O livro é muito bom, vale a leitura, e a história em torno dele mostra que Marinho, morto, ainda tem poderes sobre os vivos...
Autor Leonêncio Nossa acusa empresa de querer mudar seu livro por causa de trecho sobre Walther Moreira Salles. Editora diz que jornalista descumpriu contrato e ganha na Justiça direito de receber os royalties pela obra.
Em uma disputa inédita, a Companhia das Letras, maior editora do Brasil, tentou impedir na Justiça que o jornalista Leonêncio Nossa, um dos mais premiados do país, publicasse e vendesse uma nova biografia do empresário Roberto Marinho (1904-2003), fundador do poderoso Grupo Globo. A tentativa foi feita assim que a gigante editorial soube do lançamento do livro Roberto Marinho: o poder está no ar por uma nova editora, a Nova Fronteira, em 17 de maio no Rio de Janeiro. O plano completo da Cia das Letras, que havia rompido com Nossa por divergências sobre a obra no processo de edição, não deu certo, mas era só um dos capítulos de uma das disputas mais rumorosas do mercado editorial brasileiro.
O pedido de proibição de vendas foi a medida mais grave da Companhia das Letras depois de uma série de divergências que levou para a Justiça uma relação que era entre autor e editora. O jornalista afirma que procurou a Companhia em meados de 2013, quando já havia apurado informações inéditas e montado um roteiro de pesquisa para um trabalho investigativo de fôlego, com o objetivo de revelar histórias desconhecidas de Marinho. Nossa já havia publicado o livro-reportagem Mata! O major Curió e a Guerrilha do Araguaia pela Companhia das Letras em 2012. Antes disso, ele também publicou três livros jornalísticos pela editora Record.
O jornalista e a Companhia das Letras acabaram por assinar contrato em 20 de agosto de 2014 para que ele produzisse uma nova biografia do mais influente e mais controverso empresário de comunicações do Brasil. Marinho fundou a rádio Globo em 1944, e a rede Globo em 1957, que teria acertado um polêmico acordo com o grupo americano Time Life em plena guerra fria. Seu pai, Irineu, havia aberto o jornal O Globo em 1925. Para contar essa história, foi acertado que Nossa administraria uma verba de 40.000 reais para pesquisa e receberia diretamente 160.000 reais de adiantamento das vendas futuras do livro, em cinco parcelas —a última com previsão de pagamento apenas depois da entrega dos originais (sem data especificada).
No processo judicial a que o EL PAÍS teve acesso, o autor relata que começou a se desentender com a editora depois que o editor Luiz Schwarcz, sócio-fundador e presidente da empresa, recebeu o capítulo O mulato e o embaixador, que narrava como o banqueiro e ex-embaixador Walther Moreira Salles tentou comprar, sem sucesso, a Rede Globo. Fernando Moreira Salles, um dos filhos do banqueiro, era sócio da Companhia das Letras na época.
Em recurso apresentado à Justiça, a defesa do jornalista diz que Schwarcz declarou que “precisavam conversar sobre o capítulo ‘o mulato e o embaixador”. A partir desse recado, de acordo com a versão do autor, é que a relação com a editora se deteriorou até ficar insustentável. O advogado Alexandre Fidalgo, que defende Nossa, argumentou no processo que a preocupação com esse capítulo resultou na indicação de um revisor externo e, ao fim, na recusa de publicação da obra.
O jornalista diz que entregou em 1º de março de 2017 seu livro finalizado com 623 páginas, pronto para edição e revisão. O último pagamento de adiantamento foi feito em 30 de março de 2017, de 25.000 reais, de acordo com comprovantes bancários anexados pela editora no processo judicial. A defesa do jornalista argumenta que esse último pagamento, que tinha desembolso contratual previsto apenas na "entrega dos originais", e os e-mails, que mostram o início das conversas sobre a revisão do livro, mostram que Nossa efetuou a "entrega dos originais", etapa clássica no mercado editorial em que a editora recebe o texto final do autor para edição e revisão.
É justamente essa “entrega dos originais” a divergência central no processo que pode estabelecer quem descumpriu o contrato para edição do livro, de acordo com juristas que analisaram o caso e conversaram com o EL PAÍS. Isso porque o contrato do jornalista com a Companhia das Letras continha a seguinte cláusula: "A editora se compromete a publicar a obra no prazo de 12 (doze) meses contados do recebimento dos originais". Nossa alega que os originais foram entregues em 1º de março de 2017. Já a Companhia afirma que o texto não estava pronto e continha lacunas, o que, na sua visão, não configuraria uma legítima "entrega dos originais".
“Se houve entrega de originais ou não, isso é uma questão de fato. O cerne da discussão é esse, se foi entregue ou não o original naquela data”, explica o advogado João Marcelo Assafim, professor de propriedade intelectual da UFRJ. "Quem diz que a obra está pronta é o autor. Não cabe a ninguém mais falar nada em relação a isso. A editora pode dizer que não publica, mas não pode interferir no conteúdo da obra [sem anuência do autor]", acrescenta. A Companhia diz ter feito tudo sempre com a concordância de Nossa.
O juiz Claudio Marquesi, da 24ª Vara Cível de São Paulo, julgou a disputa em menos de três meses, sem recorrer a peritos ou testemunhas como havia solicitado a defesa do jornalista. O magistrado deu ganho de causa à Companhia das Letras em primeira instância, argumentando que só poderia ser considerado que houve “entrega dos originais” se o texto não tivesse “necessidade de alteração em seu conteúdo”. “Não há como considerar, portanto, a data de março de 2017 como aquela de efetiva entrega “dos originais”, e como termo inicial dos 12 meses previstos na cláusula 2 do contrato, uma vez que esse prazo somente poderia ter início após a entrega do texto sem necessidade de alteração em seu conteúdo”, diz o juiz na sentença.
Além de efetuar o bloqueio e a transferência das receitas do jornalista com a biografia para a editora de Schwarcz, a sentença condenou o jornalista a restituir a Companhia das Letras em 160.000 reais e pagar uma indenização por danos materiais de 40.000 reais, tudo isso com correção monetária e acrescido de juros, além do pagamento das custas processuais e dos honorários de sucumbência.
Pela falta de perícia e da convocação de testemunhas da editora que poderiam esclarecer o assunto, o advogado Alexandre Fidalgo, responsável pela defesa de Nossa, pediu em segunda instância a anulação da sentença e o desbloqueio das receitas do autor na nova editora. Fidalgo argumenta que a primeira decisão desconsiderou o significado da palavra “original”, que consta no Dicionário Michaelis como a “primeira redação de qualquer obra”.
O professor da UFRJ concorda que, em tese, o Poder Judiciário não pode decidir se houve ou não “entrega dos originais” sem a realização de uma perícia. “O Poder Judiciário teria que resolver essa questão de fato com um perito. Juiz não pode declarar fato. Juiz declara direito”, avalia Assafim.
Revisão, o pomo da discórdia
Pelo argumento da defesa do jornalista, a Companhia das Letras teria, por contrato, até março de 2018 para lançar a biografia, o que não ocorreu, porque a revisão do livro de Nossa acabou se tornando o principal palco da discórdia. Para essa tarefa, a editora propôs e obteve a concordância do jornalista para que fosse convidado o também jornalista Lira Neto, um dos mais premiados biógrafos do país e autor de 12 livros. Ainda na revisão dos primeiros capítulos, Nossa protestou e disse que teve o texto amplamente alterado, desfigurando sua obra original, sem a marcação de quais trechos ou palavras foram revistos.
O jornalista ficou insatisfeito com os rumos da revisão e se mostrou especialmente irritado quando disse ter ouvido de uma fonte no Rio de Janeiro que Lira Neto estava sendo apresentado pela editora como novo responsável pela biografia — é o que o próprio Nossa relata em um e-mail anexado ao processo. Procurado pelo EL PAÍS, Lira Neto negou que tenha sido convidado a participar do projeto como coautor ou autor, para além de revisor, e diz que não foi informado de nenhuma preocupação especial com o capítulo que trata de Walther Moreira Salles. Esclareceu, por e-mail, que foi contratado, porque a "editora pediu um trabalho técnico, de edição de texto".
"Fui contratado, com a devida ciência e aprovação do autor, para o trabalho de edição de texto, uma praxe do mercado editorial. Recebi os capítulos iniciais e sugeri alterações, inclusões e cortes de trechos. Depois disso, submeti tais sugestões à editora e ao autor. Mas o trabalho não seguiu adiante, uma vez que não recebi o texto reformulado", afirmou Lira Neto.
Depois de Nossa criticar as alterações no seu texto e o ritmo de revisão, a Companhia das Letras mudou de revisor no fim de novembro de 2017. Nos e-mails anexados ao processo, o editor da casa ainda fazia comentários ao capítulo dois do livro no fim daquele ano e pedia alterações a Nossa. O trabalho de edição da obra ainda não havia acabado em 21 de março de 2018, quando o jornalista enviou um e-mail para seu editor na Companhia das Letras, Otávio Marques da Costa, em que dizia que tinha decidido retirar o projeto da editora e que se colocava à disposição para tratar do encerramento do contrato.
O editor lhe desejou sucesso, mas cobrou a devolução do adiantamento de 160.000 reais. Nossa alegou então que o contrato havia expirado, em referência ao prazo de 12 meses que a empresa teria a partir da entrega dos originais para publicá-lo, e que, por isso, na sua interpretação, não era exigível a devolução de adiantamentos. “Diante da pressa da editora, observo que o contrato expirou. Não há dívida de minha parte”, afirmou Nossa.
A Companhia das Letras ainda enviou uma notificação extrajudicial em junho de 2018 para cobrar a devolução dos adiantamentos, mas só processou o jornalista em maio deste ano, quando começou a divulgação do lançamento da obra pela nova editora, a Nova Fronteira, pouco mais de um ano após a despedida entre o autor e a Companhia das Letras.
"A Companhia das Letras esclarece que sua iniciativa de ingressar em juízo nunca visou a censura do livro, mas o reembolso dos valores pagos ao autor a título de adiantamentos, que seriam abatidos com a publicação e venda do livro, o que acabou não acontecendo por vontade unilateral do autor", diz nota da editora enviada ao EL PAÍS. "As informações prestadas por Leonencio, entre elas a que menciona a 'inclusão de coautor', não estão de acordo com a verdade dos fatos, o que é corroborado pela decisão judicial favorável à editora", segue a empresa, que não quis comentar a respeito da acusação de Nossa de que as divergências começaram por causa de um capítulo a respeito do banqueiro e ex-embaixador Walther Moreira Salles.
O imbróglio mostra como, mesmo depois de o Supremo Tribunal Federal proibir o impedimento de biografias não autorizadas em 2015, o lançamento de livros de não-ficção ainda pode entrar num limbo. Para o professor de direito da UFRJ, a disputa chama atenção para o poder que a Justiça pode conferir a uma editora, sem tratar apenas dos resultados específicos para a empresa ou o autor. “O desafio do Poder Judiciário é dizer se poderá um editor contratar uma obra e, por qualquer motivo, manter a obra oculta. Pagar para não publicar”, afirmou.
Autor Leonêncio Nossa acusa empresa de querer mudar seu livro por causa de trecho sobre Walther Moreira Salles. Editora diz que jornalista descumpriu contrato e ganha na Justiça direito de receber os royalties pela obra.
Em uma disputa inédita, a Companhia das Letras, maior editora do Brasil, tentou impedir na Justiça que o jornalista Leonêncio Nossa, um dos mais premiados do país, publicasse e vendesse uma nova biografia do empresário Roberto Marinho (1904-2003), fundador do poderoso Grupo Globo. A tentativa foi feita assim que a gigante editorial soube do lançamento do livro Roberto Marinho: o poder está no ar por uma nova editora, a Nova Fronteira, em 17 de maio no Rio de Janeiro. O plano completo da Cia das Letras, que havia rompido com Nossa por divergências sobre a obra no processo de edição, não deu certo, mas era só um dos capítulos de uma das disputas mais rumorosas do mercado editorial brasileiro.
O pedido de proibição de vendas foi a medida mais grave da Companhia das Letras depois de uma série de divergências que levou para a Justiça uma relação que era entre autor e editora. O jornalista afirma que procurou a Companhia em meados de 2013, quando já havia apurado informações inéditas e montado um roteiro de pesquisa para um trabalho investigativo de fôlego, com o objetivo de revelar histórias desconhecidas de Marinho. Nossa já havia publicado o livro-reportagem Mata! O major Curió e a Guerrilha do Araguaia pela Companhia das Letras em 2012. Antes disso, ele também publicou três livros jornalísticos pela editora Record.
O jornalista e a Companhia das Letras acabaram por assinar contrato em 20 de agosto de 2014 para que ele produzisse uma nova biografia do mais influente e mais controverso empresário de comunicações do Brasil. Marinho fundou a rádio Globo em 1944, e a rede Globo em 1957, que teria acertado um polêmico acordo com o grupo americano Time Life em plena guerra fria. Seu pai, Irineu, havia aberto o jornal O Globo em 1925. Para contar essa história, foi acertado que Nossa administraria uma verba de 40.000 reais para pesquisa e receberia diretamente 160.000 reais de adiantamento das vendas futuras do livro, em cinco parcelas —a última com previsão de pagamento apenas depois da entrega dos originais (sem data especificada).
No processo judicial a que o EL PAÍS teve acesso, o autor relata que começou a se desentender com a editora depois que o editor Luiz Schwarcz, sócio-fundador e presidente da empresa, recebeu o capítulo O mulato e o embaixador, que narrava como o banqueiro e ex-embaixador Walther Moreira Salles tentou comprar, sem sucesso, a Rede Globo. Fernando Moreira Salles, um dos filhos do banqueiro, era sócio da Companhia das Letras na época.
Em recurso apresentado à Justiça, a defesa do jornalista diz que Schwarcz declarou que “precisavam conversar sobre o capítulo ‘o mulato e o embaixador”. A partir desse recado, de acordo com a versão do autor, é que a relação com a editora se deteriorou até ficar insustentável. O advogado Alexandre Fidalgo, que defende Nossa, argumentou no processo que a preocupação com esse capítulo resultou na indicação de um revisor externo e, ao fim, na recusa de publicação da obra.
O jornalista diz que entregou em 1º de março de 2017 seu livro finalizado com 623 páginas, pronto para edição e revisão. O último pagamento de adiantamento foi feito em 30 de março de 2017, de 25.000 reais, de acordo com comprovantes bancários anexados pela editora no processo judicial. A defesa do jornalista argumenta que esse último pagamento, que tinha desembolso contratual previsto apenas na "entrega dos originais", e os e-mails, que mostram o início das conversas sobre a revisão do livro, mostram que Nossa efetuou a "entrega dos originais", etapa clássica no mercado editorial em que a editora recebe o texto final do autor para edição e revisão.
É justamente essa “entrega dos originais” a divergência central no processo que pode estabelecer quem descumpriu o contrato para edição do livro, de acordo com juristas que analisaram o caso e conversaram com o EL PAÍS. Isso porque o contrato do jornalista com a Companhia das Letras continha a seguinte cláusula: "A editora se compromete a publicar a obra no prazo de 12 (doze) meses contados do recebimento dos originais". Nossa alega que os originais foram entregues em 1º de março de 2017. Já a Companhia afirma que o texto não estava pronto e continha lacunas, o que, na sua visão, não configuraria uma legítima "entrega dos originais".
“Se houve entrega de originais ou não, isso é uma questão de fato. O cerne da discussão é esse, se foi entregue ou não o original naquela data”, explica o advogado João Marcelo Assafim, professor de propriedade intelectual da UFRJ. "Quem diz que a obra está pronta é o autor. Não cabe a ninguém mais falar nada em relação a isso. A editora pode dizer que não publica, mas não pode interferir no conteúdo da obra [sem anuência do autor]", acrescenta. A Companhia diz ter feito tudo sempre com a concordância de Nossa.
O juiz Claudio Marquesi, da 24ª Vara Cível de São Paulo, julgou a disputa em menos de três meses, sem recorrer a peritos ou testemunhas como havia solicitado a defesa do jornalista. O magistrado deu ganho de causa à Companhia das Letras em primeira instância, argumentando que só poderia ser considerado que houve “entrega dos originais” se o texto não tivesse “necessidade de alteração em seu conteúdo”. “Não há como considerar, portanto, a data de março de 2017 como aquela de efetiva entrega “dos originais”, e como termo inicial dos 12 meses previstos na cláusula 2 do contrato, uma vez que esse prazo somente poderia ter início após a entrega do texto sem necessidade de alteração em seu conteúdo”, diz o juiz na sentença.
Além de efetuar o bloqueio e a transferência das receitas do jornalista com a biografia para a editora de Schwarcz, a sentença condenou o jornalista a restituir a Companhia das Letras em 160.000 reais e pagar uma indenização por danos materiais de 40.000 reais, tudo isso com correção monetária e acrescido de juros, além do pagamento das custas processuais e dos honorários de sucumbência.
Pela falta de perícia e da convocação de testemunhas da editora que poderiam esclarecer o assunto, o advogado Alexandre Fidalgo, responsável pela defesa de Nossa, pediu em segunda instância a anulação da sentença e o desbloqueio das receitas do autor na nova editora. Fidalgo argumenta que a primeira decisão desconsiderou o significado da palavra “original”, que consta no Dicionário Michaelis como a “primeira redação de qualquer obra”.
O professor da UFRJ concorda que, em tese, o Poder Judiciário não pode decidir se houve ou não “entrega dos originais” sem a realização de uma perícia. “O Poder Judiciário teria que resolver essa questão de fato com um perito. Juiz não pode declarar fato. Juiz declara direito”, avalia Assafim.
Revisão, o pomo da discórdia
Pelo argumento da defesa do jornalista, a Companhia das Letras teria, por contrato, até março de 2018 para lançar a biografia, o que não ocorreu, porque a revisão do livro de Nossa acabou se tornando o principal palco da discórdia. Para essa tarefa, a editora propôs e obteve a concordância do jornalista para que fosse convidado o também jornalista Lira Neto, um dos mais premiados biógrafos do país e autor de 12 livros. Ainda na revisão dos primeiros capítulos, Nossa protestou e disse que teve o texto amplamente alterado, desfigurando sua obra original, sem a marcação de quais trechos ou palavras foram revistos.
O jornalista ficou insatisfeito com os rumos da revisão e se mostrou especialmente irritado quando disse ter ouvido de uma fonte no Rio de Janeiro que Lira Neto estava sendo apresentado pela editora como novo responsável pela biografia — é o que o próprio Nossa relata em um e-mail anexado ao processo. Procurado pelo EL PAÍS, Lira Neto negou que tenha sido convidado a participar do projeto como coautor ou autor, para além de revisor, e diz que não foi informado de nenhuma preocupação especial com o capítulo que trata de Walther Moreira Salles. Esclareceu, por e-mail, que foi contratado, porque a "editora pediu um trabalho técnico, de edição de texto".
"Fui contratado, com a devida ciência e aprovação do autor, para o trabalho de edição de texto, uma praxe do mercado editorial. Recebi os capítulos iniciais e sugeri alterações, inclusões e cortes de trechos. Depois disso, submeti tais sugestões à editora e ao autor. Mas o trabalho não seguiu adiante, uma vez que não recebi o texto reformulado", afirmou Lira Neto.
Depois de Nossa criticar as alterações no seu texto e o ritmo de revisão, a Companhia das Letras mudou de revisor no fim de novembro de 2017. Nos e-mails anexados ao processo, o editor da casa ainda fazia comentários ao capítulo dois do livro no fim daquele ano e pedia alterações a Nossa. O trabalho de edição da obra ainda não havia acabado em 21 de março de 2018, quando o jornalista enviou um e-mail para seu editor na Companhia das Letras, Otávio Marques da Costa, em que dizia que tinha decidido retirar o projeto da editora e que se colocava à disposição para tratar do encerramento do contrato.
O editor lhe desejou sucesso, mas cobrou a devolução do adiantamento de 160.000 reais. Nossa alegou então que o contrato havia expirado, em referência ao prazo de 12 meses que a empresa teria a partir da entrega dos originais para publicá-lo, e que, por isso, na sua interpretação, não era exigível a devolução de adiantamentos. “Diante da pressa da editora, observo que o contrato expirou. Não há dívida de minha parte”, afirmou Nossa.
A Companhia das Letras ainda enviou uma notificação extrajudicial em junho de 2018 para cobrar a devolução dos adiantamentos, mas só processou o jornalista em maio deste ano, quando começou a divulgação do lançamento da obra pela nova editora, a Nova Fronteira, pouco mais de um ano após a despedida entre o autor e a Companhia das Letras.
"A Companhia das Letras esclarece que sua iniciativa de ingressar em juízo nunca visou a censura do livro, mas o reembolso dos valores pagos ao autor a título de adiantamentos, que seriam abatidos com a publicação e venda do livro, o que acabou não acontecendo por vontade unilateral do autor", diz nota da editora enviada ao EL PAÍS. "As informações prestadas por Leonencio, entre elas a que menciona a 'inclusão de coautor', não estão de acordo com a verdade dos fatos, o que é corroborado pela decisão judicial favorável à editora", segue a empresa, que não quis comentar a respeito da acusação de Nossa de que as divergências começaram por causa de um capítulo a respeito do banqueiro e ex-embaixador Walther Moreira Salles.
O imbróglio mostra como, mesmo depois de o Supremo Tribunal Federal proibir o impedimento de biografias não autorizadas em 2015, o lançamento de livros de não-ficção ainda pode entrar num limbo. Para o professor de direito da UFRJ, a disputa chama atenção para o poder que a Justiça pode conferir a uma editora, sem tratar apenas dos resultados específicos para a empresa ou o autor. “O desafio do Poder Judiciário é dizer se poderá um editor contratar uma obra e, por qualquer motivo, manter a obra oculta. Pagar para não publicar”, afirmou.
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