Pular para o conteúdo principal

Samor: Eduardo Cunha, a biografia de um profissional

Boa resenha de Geraldo Samor no Brazil Journal sobre a biografia de Eduardo Cunha, personagem central na queda de Dilma Rousseff. Chico Otávio e Aloy Jupiara capricharam.
Escreve Samor: de todos os personagens cavernosos que já chafurdaram no pântano brasiliense, Eduardo Cosentino Cunha certamente foi um dos mais despudorados da história republicana recente.
Cunha aperfeiçoou o uso comercial da política, carregando a tocha de uma tradição estabelecida por malvados de outrora como Orestes Quércia ou Paulo Salim Maluf.
Na íntegra:
Conhecido no eixo Faria Lima-Brasília mais por seus vícios que por suas virtudes, foi instrumental no impeachment de Dilma Rousseff, pelo que ganhou a simpatia de muitos — mas o jornalismo do Rio de Janeiro, onde Cunha começou a carreira e tinha sua base, sempre soube de todos os seus truques.
Agora, dois desses repórteres — Chico Otávio e Aloy Jupiara— estão lançando a biografia não autorizada do ex-deputado, ironicamente chamada de “Deus Tenha Misericórdia dessa Nação” (Record, 364 páginas, R$ 44,90).
A frase do título foi proferida pelo próprio Eduardo quando votou pelo impeachment de Dilma, mas, como o livro demonstra, é igualmente aplicável ao que a res publica brasileira sente em relação ao deputado.
Mentor e principal beneficiário de esquemas como o de Furnas — onde colonizou o fundo de pensão — e da Prece, que quebrou o fundo dos funcionários da CEDAE, Cunha foi preso preventivamente pela Polícia Federal há exatos três anos como parte da limpeza da Lava Jato. (Agora, é possível que seja beneficiado pelo fim da prisão após condenação em segunda instância, mas talvez continue preso já que responde a outros processos.)
Em março de 2017, o Juiz Sergio Moro o condenou a 15 anos e quatro meses pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Em junho de 2018, outra condenação: o Juiz Vallisney de Souza achou por bem trancafiar Eduardo por 24 anos e 10 meses por corrupção, violação de sigilo e lavagem de dinheiro em esquemas com o FI-FGTS. (Ainda cabe recurso.)
O livro, que consumiu três anos de trabalho, começa lá atrás, quando o jovem e ambicioso técnico foi presidente da Telerj, ainda no Governo Fernando Collor, cobre suas peripécias no Governo Garotinho, a quem o deputado era intimamente ligado, e chega aos dias de glória como o homem mais poderoso do País. Há ainda um capítulo dedicado a seu fiel escudeiro e sócio no crime, Lúcio Funaro, a cabeça financeira por trás dos esquemas.
Chico Otávio, certamente o maior cunhólogo vivo, é réu em seis processos movidos pelo ex-deputado. Neste ranking, Chico só perde para Jorge Bastos Moreno, o saudoso colunista de O Globo cujo hobby mais prazeroso era chamar Cunha de “o Coisa Ruim” em sua coluna dominical. (Cada ousadia lhe valia um novo processo.)
Abaixo, um excerto do livro.
“Até a ruptura [da barragem] de Apertadinho, Cunha e Funaro formavam uma aliança prodigiosa. O político encontrou no jovem colega — ambos eram economistas — a audácia necessária aos negócios suspeitos. A dobradinha funcionava assim: depois que o deputado conquistava o terreno estatal, fruto de acertos políticos, cabia a Funaro montar a fraude financeira, geralmente camuflada de investimentos de risco em sequência, com falsas promessas de extraordinários lucros, como ele próprio admitiu. A armadilha consistia em atrair esses fundos para investimentos em projetos, compras de títulos ou simples aplicações financeiras, em que as fundações sempre acabavam lesadas. A Prece, fundo de pensão dos funcionários da estatal fluminense Cedae, foi a primeira vítima.
Com a carreira iniciada em 1993 na mesa de operações da corretora da família, a Plusinvest, na capital paulista, Funaro chegou ao Rio no fim dos anos 1990 para prospectar o mercado de câmbio local. Até então, o alvo do assédio do jovem doleiro no ambiente político era o PSDB paulista, especialmente Sérgio de Oliveira, ex-diretor do Banco do Brasil e personagem decisivo no processo de privatização das estatais no governo Fernando Henrique Cardoso, dada a influência que exercia na atuação da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do banco. Com o fim do mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, Funaro entendeu que era hora de buscar novos desafios.
O Rio de Janeiro governado pelo estreante Anthony Garotinho (1999-2002) reluzia como uma terra de oportunidades.”


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Um pai

Bruno Covas, prefeito de São Paulo, morreu vivendo. Morreu criando novas lembranças. Morreu não deixando o câncer levar a sua vontade de resistir.  Mesmo em estado grave, mesmo em tratamento oncológico, juntou todas as suas forças para assistir ao jogo do seu time Santos, na final da Libertadores, no Maracanã, ao lado do filho.  Foi aquela loucura por carinho a alguém, superando o desgaste da viagem e o suor frio dos remédios.  Na época, ele acabou criticado nas redes sociais por ter se exposto. Afinal, o que é o futebol perto da morte?  Nada, mas não era somente futebol, mas o amor ao seu adolescente Tomás, de 15 anos, cultivado pela torcida em comum. Não vibravam unicamente pelos jogadores, e sim pela amizade invencível entre eles, escreve Fabrício Carpinejar em texto publicado nas redes sociais. Linda homenagem, vale muito a leitura, continua a seguir.  Nos noventa minutos, Bruno Covas defendia o seu legado, a sua memória antes do adeus definitivo, para que s...

Dica da Semana: Tarso de Castro, 75k de músculos e fúria, livro

Tom Cardoso faz justiça a um grande jornalista  Se vivo estivesse, o gaúcho Tarso de Castro certamente estaria indignado com o que se passa no Brasil e no mundo. Irreverente, gênio, mulherengo, brizolista entusiasmado e sobretudo um libertário, Tarso não suportaria esses tempos de ascensão de valores conservadores. O colunista que assina esta dica decidiu ser jornalista muito cedo, aos 12 anos de idade, justamente pela admiração que nutria por Tarso, então colunista da Folha de S. Paulo. Lia diariamente tudo que ele escrevia, nem sempre entendia algumas tiradas e ironias, mas acompanhou a trajetória até sua morte precoce, em 1991, aos 49 anos, de cirrose hepática, decorrente, claro, do alcoolismo que nunca admitiu tratar. O livro de Tom Cardoso recupera este personagem fundamental na história do jornalismo brasileiro, senão pela obra completa, mas pelo fato de ter fundado, em 1969, o jornal Pasquim, que veio a se transformar no baluarte da resistência à ditadura militar no perío...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...