Pular para o conteúdo principal

Juros: estão baixos mas estão altos, por Vinícius Torres Freire

Boa reflexão do colunista Vinicius Torres Freire na Folha de São Paulo hoje, vale a leitura.

No Brasil da depressão e da inflação baixa, juros ainda estão muito altos

Pelo terceiro ano, país em depressão terá IPCA abaixo da meta: algo deu errado aí

Pelo terceiro ano seguido, a inflação vai ficar bem abaixo do centro da meta em que o Banco Central deve mirar. O IPCA anda pela casa de 2,9% ao ano e deve chegar a uns 3,3% ao final deste 2019 (a meta é de 4,25%).
Vê-se carestia apenas naqueles campeões dos aumentos dos últimos anos, como os preços de planos de saúde —está aí um assunto “pop” e útil para uma CPI. Boa tarde, Congresso, hora de acordar.
É uma inflação muito baixa para uma economia deprimida. Sim, depressão ou o nome ruim que se queira dar para o estado de um país em que o PIB deve terminar o ano em um nível 5% inferior ao de 2014.
“Inflação muito baixa”, no caso, quer dizer que, provavelmente, a taxa básica de juros andou alta além da conta. Sim, é preciso reconhecer que, entre outros problemas, é difícil acertar a meta. Que o instrumento da taxa de juros não é assim preciso.
Que há choques, mudanças estruturais difíceis de perceber e algum Sobrenatural de Almeida que a estatística econômica não pesca e blábláblá. Por fim, entre um Banco Central doidão e um mais dado à retranca, em geral é melhor escolher a prudência.
Isto posto, o fato da vida é que um país em depressão como o Brasil terá vivido com inflação abaixo da meta por três anos. É também fato que houve erros extravagantes de previsão de PIB e de inflação medida pelo IPCA (desde o fim da recessão superestimados por consultorias e economistas de banco ouvidos semanalmente pelo BC). É bem provável que parte desses erros feios se deva à subestimação do efeito de uma taxa de juros fora do lugar, em alturas indevidas.
Não se quer dizer que o crescimento da economia poderia ter sido maior de modo notável. No entanto, a despesa de governo, empresas e mesmo famílias com juros poderia ter sido menor caso a taxa básica da economia, a Selic, tivesse sido menor. Quem paga essa conta?
Economistas-padrão não costumam se comover com tal argumento. Apesar de se preocuparem, corretamente, com a dívida pública exorbitante e que ainda cresce sem limite, parecem acreditar que essa despesa extra com juros é uma espécie de fato da natureza ou dano colateral aceitável de uma política monetária (de taxa de juros) que não é perfeitamente calibrável.
Além do mais, no “longo prazo” isso não faria diferença, dizem. Mas, no curto prazo, a dívida pública ainda vai às alturas, um motivo de não enxergamos melhorias em prazo algum.
Recentemente, a nova equipe do Banco Central divulgou projeções de inflação menores, em parte, ao que parece, porque o impacto da desvalorização da moeda (“alta do dólar”) sobre a inflação seria menor.
Provavelmente, a economia parece acomodar de modo mais suave choques de preços em geral. Além do mais, ainda está tão morta que mal reage —note-se que o salário médio no país não cresce desde abril (nas comparações anuais).
Seja como for, as projeções e comunicados do BC causaram um certo sururu entre povos do mercado. Como se diz por aí: “sério?”. O povo se incomodou com uma estimativa de inflação dois ou três décimos menor e, assim, com as perspectivas oficiais mais otimistas para a queda de juros. O mesmo povo que errou grosseiramente as estimativas de PIB e inflação dos últimos dois ou três anos. Hum.
Será preciso apresentar argumentos melhores para dizer que o Banco Central está abrindo a porteira —ou melhor, que está pensando em abri-la. Que abra e que acabe também com o mata-burro.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...

Dúvida atroz

A difícil situação em que se encontra hoje o presidente da República, com 51% de avaliação negativa do governo, 54% favoráveis ao impeachment e rejeição eleitoral batendo na casa dos 60%, anima e ao mesmo tempo impõe um dilema aos que articulam candidaturas ditas de centro: bater em quem desde já, Lula ou Bolsonaro?  Há quem já tenha a resposta, como Ciro Gomes (PDT). Há também os que concordam com ele e vejam o ex-presidente como alvo preferencial. Mas há quem prefira investir prioritariamente no derretimento do atual, a ponto de tornar a hipótese de uma desistência — hoje impensável, mas compatível com o apreço presidencial pelo teatro da conturbação — em algo factível. Ao que tudo indica, só o tempo será capaz de construir um consenso. Se for possível chegar a ele, claro. Por ora, cada qual vai seguindo a sua trilha. Os dois personagens posicionados na linha de tiro devido à condição de preferidos nas pesquisas não escondem o desejo de se enfrentar sem os empecilhos de terceira,...