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Dines analisa azia de Lula

Está muito interessante o texto abaixo, do jornalista Alberto Dines, sobre a entrevista do presidente Lula à revista Piauí, originalmente publicado no Observatório da Imprensa. Na íntegra, para os leitores do blog.

AZIAS & ALKA-SELTZER
Bem-vindo ao Observatório, presidente!

Por Alberto Dines em 13/1/2009

O ano começou com um bom debate. Debate sobre a imprensa na imprensa é coisa rara desde o momento em que o assunto foi expurgado pelo pool da grande mídia. E neste comecinho do ano, com metade do país em recesso e a outra metade na sombra, o desempenho da imprensa foi discutido pelo presidente da República em pessoa!

O pronunciamiento está na edição de janeiro da excelente piauí (págs. 18-20), a revista mais bem escrita e mais bem editada do Brasil. Esvoaçou pelos jornais (apenas o Estado de S.Paulo comentou em editorial, em 8/1), azedou o humor de poucos colunistas e até provocou a inédita republicação em versão integral (OI e Folha Online, em 9/1, e O Globo, em 10/1, pág. 8).

A reprodução de O Globo veio acompanhada pela informação de que a versão completa foi distribuída pelo Planalto. Não é verdade: as íntegras de todas as manifestações do presidente são disponibilizadas no site da Secretaria de Imprensa da Presidência da República, vinculada à Secretaria de Comunicação Social (Secom).

O assunto morreu e ninguém tentou exumá-lo. O presidente de uma república democrática afirma solenemente que "a imprensa brasileira tem um comportamento histórico em relação a mim", acrescenta que não lê jornais ou revistas "por que tem problemas de azia", anuncia a obsolescência da mídia impressa diante da internet e ponto final, estamos conversados.

"Questões mercadológicas"

Não estamos: o cidadão-leitor ficou preocupado com a azia (ou pirose) presidencial. Lula vai bem, obrigado, a saúde está ótima, a qualidade das metáforas é que caiu ligeiramente. E o bordão "ou seja" usado com tanta freqüência prejudica a compreensão da frase que pretende explicitar.

O texto da piauí registra que Lula repetiu duas vezes a afirmação de que a sua ascensão à presidência "é produto direto da liberdade de imprensa" e foi enfático ao dizer que não precisa da imprensa para informar-se: "Um homem que conversa com o tanto de pessoas que eu converso por dia deve ter uns trinta jornais na cabeça todo santo dia... Não há hipótese de eu estar mal informado".

O presidente listou alguns pecados clássicos da imprensa (Escola Base etc.), citou distorções e os casos em que foi obrigado a agir judicialmente contra veículos jornalísticos (Folha de S.Paulo e Rede Bandeirantes). Não há má-fé, segundo Lula, apenas "questões mercadológicas". Sensacionalismo, conclui o autor da matéria Mario Sergio Conti, diretor do mensário desde a sua criação.

Sem embargos

A parte final da entrevista consistiu numa espécie de miniprêmio Esso às estrelas do colunismo conferido pelo chefe da nação. O repórter citava um nome e o presidente sapecava a sua nota. A matéria de piauí reproduziu todos os nomes e respectivos pareceres. Omitiu Mino Carta, não é justo.

A grande verdade é que a matéria de piauí é menos importante pelo que publicou e muito mais pelo que deixou de publicar. Mario Sergio Conti é um dos mais competentes editores de revista do país e certamente tem argumentos para explicar porque uma entrevista exclusiva concedida por um presidente da República tão avesso a entrevistas pessoais sofreu tamanho corte. Tamanha manipulação – esta é a palavra.

O autor da entrevista deve esta explicação à sociedade, aos demais jornalistas, aos historiadores. O que diz um presidente da República num encontro formal, agendado e gravado, não pode estar sujeito a embargos de qualquer natureza. Faz parte da história.

Saldos e balanços

A entrevista aconteceu no dia 18 de dezembro, véspera das festas de fim de ano. A edição de janeiro deveria estar nas bancas na primeira semana útil do ano e, certamente, só ficaram abertas aquelas três pagininhas. O que fazer – reabrir a edição correndo o risco de atrasar a distribuição ou adiar a publicação para fevereiro?

Óbvio, ululante: não se amputa um pronunciamento presidencial. Sob nenhum pretexto. Mesmo que entre entrevistador e entrevistado existam vínculos pessoais, antigas empatias, a função social do jornalista obriga-o a ser rigorosamente fiel ao que foi dito e ouvido. Fiel no tocante ao teor e fiel no tocante à extensão. Um jornalista não tem mandato para avaliar ou eliminar partes de uma manifestação presidencial. A não ser que esteja a serviço do governo. Não é o caso.

A versão publicada pela piauí tem no máximo um terço da íntegra divulgada pela Secom. Justifica-se uma adaptação do texto à linguagem escrita, justificam-se cortes de palavras (ou palavrões) inaudíveis. Injustificável foi a severa compressão. Ou supressão.

Pela íntegra (ver "Presidente com azia da imprensa") percebe-se que o presidente Lula não quer brigar com a imprensa enquanto instituição. É um extraordinário avanço, admirável trabalho de pacificação empreendido pelo ministro Franklin Martins (que num dos momentos da versão impressa aparece como "ministro Franklin de Oliveira"; tudo bem, lembrar o admirável Franklin de Oliveira é sempre oportuno).

Enquanto evita o confronto institucional com a mídia, Lula mostra que não engole certos jornalistas. Daí a azia. Está no seu direito gostar ou não gostar de alguém. O que não pode é manifestar publicamente as antipatias. Equivale a veto, soa como ameaça.

Saldo do episódio: perdeu-se formidável oportunidade de promover um grande e salutar debate sobre a nossa imprensa. Fomos todos relegados à esfera gástrica. Não merecemos.

O presidente está tinindo. Pronto para participar do Observatório da Imprensa. Vai gostar: as entrevistas não são editadas.

***

Num dos trechos eliminados, o presidente Lula rebate a acusação de que o governo ajuda pequenos veículos com grandes verbas de publicidade oficial. Lula alega que a distribuição de verbas obedece a critérios técnicos, não há privilégios. "Não é assim que eu trabalho."

Na última edição de CartaCapital foram publicadas 11 páginas de anúncios: seis pagas por entidades federais e governos estaduais do PT: 54,5%.

***

Para entrar no clima da piauí, mensagem aos companheiros do watch-room do Planalto: este observador é admirador de Lev Davidovitch Bronstein desde o início dos anos 1950. E enquanto espera o entrevistado poderá trocar alguns dedos de prosa com Clara Ant em idisch (e não iídiche).

Comentários

  1. Com essa "grande" imprensa que temos, que de tão golpista, hipócrita, mentirosa, canalha, passou a ser chamada por grande parte dos internautas de PIG ou PIC, o Presidente Lula até que foi generoso quando disse que essa imprensa lhe dá azia! O Dines gostaria que o Lula dissesse o que dessa imprensa cretina do Brasil?! As safadezas e maracutaias do PIG/PIC são tantas, o viés anti-governista em relação ao governo Lula em particular e aos governos de esquerda de um modo geral, e pró-demotucanos é tão escancarado e descarado que, na minha opinião, essa postura crítica
    do Dines em relação do Presidente Lula só demonstra a tremenda má-vontade dele em relação ao atual presidente do país. E para mim, o Presidente Lula foi brilhante na mencionada entrevista; o entrevistador é que foi fraquinho, deixou muito a desejar. Já gostei do Dines como observador da imprensa, mas há muito tempo não levo as críticas dele a sério, porque as considero injustas e inconsistentes. Já fazia um bom tempo que não lia artigos do Dines, e uma das razões pelas quais parei de lê-los é que ele por qualquer bobagem criticava o Presidente Lula ou o PT, mas raramente criticava o José Serra ou qualquer outro político tucano, evidenciando uma postura partidária pró-tucanos. Mas também, como já disse, boa parte dos artigos do Dines apresentava não só um viés partidário anti-Lula e anti-PT, mas também argumentos frágeis, inconsistentes. Então, agora, pergunto ao Dines: quem, em sã consciência, não fica com azia, com ânsia de vômito ou coisa pior quando lê as habituais mentiras, meias-verdades, bobagens e barbaridades publicadas em uma revista Veja, ou em uma Folha de São Paulo, ou enfim no resto da mídia corporativa de direita?!

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  2. Concordo com o Humberto Capellari. Já tive admiração pelo Dines, mas hoje acho que foi um engano. Não é o único. Mas pelo menos duas inverdades foram ditas neste texto:
    1 - O Conti perguntou SIM, o que o presidente achava de Mino Carta, e teve como resposta que o jornalista era um amigo seu.
    2 - Sou leitora de Carta Capital, e jamais vi que ela tivesse privilégio por parte do governo federal. O governo anuncia em todos os veículos que compõem o PIG, democráticamente! Aliás, como qualquer anunciante, de acordo com a tiragem do mesmo. Sonia Montenegro

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