Vale a pena ler o artigo abaixo, de Sebastião Nery, publicado na edição de hoje do DCI. É uma visão um tanto diferente do caso Battisti. Vale lembrar que Nery é um crítico bastante ácido do governo Lula e, muito especialmente, do comportamento do ministro Tarso Genro (Justiça). Só que desta vez Nery acha que Tarso e Lula acertaram. Na íntegra, para os leitores do Entrelinhas.
A CABEÇA DE BATTISTI
RIO – O carrão preto, motorista de libré, parava na porta da embaixada do Brasil em Roma, na Piazza Navona, em 90 e 91. Descia um senhor baixo, 80 anos, terno escuro, colete cinza, camisa branca e gravata. Um dos homens mais poderosos da Itália, conde do Papa, banqueiro de Deus, ia buscar-me para almoçar, a mim, pobre marquês, adido cultural.
Íamos aos mais discretos e charmosos restaurantes de Roma, com os melhores vinhos da Itália. Às vezes o almoço foi no palacete dele, na Vila Archimede, no alto do Gianicolo, ou, em um domingo de sol, em sua casa na serra, em Grottaferrata, a poucos quilometros de Roma. Simpático, vivido, o conde Umberto Ortolani era uma figura “ambígua, misteriosa” (como dizia o “La Republica”). Mal falava, só perguntava.
Dele eu sabia que era conde da Santa Sé,“gentiluomo di sua Santitá”, banqueiro do Vaticano, socio-diretor do jornal “Corriere de la Sera”. Havia conhecido num vernissage no Masp, em São Paulo, em 84, apresentado pelo jornalista e editor José Nêumanne, do “Estado de S. Paulo”.
ORTOLANI
O que ele queria de mim? Queria o Brasil. Queria que eu convencesse o embaixador Carlos Alberto Leite Barbosa a convencer o Itamaraty a lhe entregar um novo passaporte, pois tinha cidadania brasileira dada pela ditadura militar a pedido dos Mesquita do “Estado de S. Paulo” e os dois que tinha, o italiano e o brasileiro, o governo italiano lhe tomara ao descer em Roma, depois de oito anos asilado no Brasil.
Impossível. Quem tomou o passaporte foi o governo italiano. O Brasil nada tinha com aquilo. Mas ele achava que, insistindo, talvez conseguisse. Queria fugir de novo. Ou não tinha companhia melhor para sua conversa admirável sobre a política italiana e seus magníficos vinhos.
Levou-me a seu escritório na Via Condotti, 9, em cima da Bulgari :
- Desta sala saíram sete primeirios ministros: Andreotti, Craxi, etc.
UM LIVRO
O conde é uma historia exemplar do satânico poder dos banqueiros, mesmo quando, como ele, um banqueiro de Deus, vice-presidente do banco Ambrosiano, do cardeal Marcinkus, até hoje foragido nos Estados Unidos.
Os que criticam, inteiramente sem razão, o presidente Lula e o ministro Tarso Genro, por terem dado asilo político ao italiano Cesare Battisti, deviam ler um livro imperdível: “Poteri Forti” (“Fortes Poderes, o Escândalo do Banco Ambrosiano”), do jornalista italiano Ferruccio Pinotti, abrindo as entranhas do poder de corrupção do sistema financeiro, de braços dados com governos, partidos, empresários, maçonaria, mafia.
Em junho de 1982, foi encontrado estrangulado em Londres, embaixo da “Blackfriars Bridge” (“a ponte dos Irmãos Negros”), o banqueiro italiano Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano, que acabava de quebrar, e tinha como diretores o cardeal Marcinkus, o conde Ortolani e o chefe da P-2 italiana (maçonaria), Licio Gelli.
MÃOS LIMPAS
Nos dias seguintes, na Itália e na Inglaterra, apareceram assassinados varios outros ligados a Calvi. (Não é só em Santo André que se limpa a área). No meio da confusão estava Ortolani, um dos quatro “Cavaleiros do Apocalipse”. Quando, a partir de 90, a “Operação Mãos Limpas” chegou perto deles, o conde, olhando Roma lá de cima do Gianiccolo, me dizia :
- Isso não vai acabar bem.
Depende o que é acabar bem. O ministério Publico e a Justiça enfrentaram a aliança satânica, que vinha desde 45, no fim da guerra, entre a Democracia Cristã e a máfia italiana. Houve centenas de prisões, suicídios. Nunca antes a máfia tinha sido tão encurralada e atingida. Responderam com bombas detonando carros de procuradores e juizes. Mas os grandes partidos políticos aliados (Democrata Cristão, Socialista, Liberal) explodiram. O Partido Comunista, conivente, se desintegrou. E meu amigo conde, condenado a 19 anos, morreu em 2002, aos 90 anos.
NEGRI E BATTISTI
A “Operação Mãos Limpas” não teria havido se um punhado de bravos jovens valentes e alucinados, das Brigadas Vermelhas e dos Proletarios Armados pelo Comunismo (PAC) não tivesse enfrentado o Estado mafioso.
O governo, desmoralizado, usava a máfia para elimina-los. Eles reagiam, houve mortos de lado a lado, e prisões dos lideres intelectuais, como o filósofo De Negri (asilado na França) e o romancista Cesare Battisti (asilado na França). Estava lá, vi, escrevi, acompanhei tudo.
Foram eles, os jovens rebeldes das décadas de 70 a 80, que começaram a salvar a Italia. Se não se levantassem de armas na mão, a aliança Democracia Cristã, Partido Socialista, Liberais e máfia, estaria lá até hoje. Berlusconi é o feto podre que restou, mas logo será expelido.
SALOMÉS
O corrupto Chirac, a pedido de Berlusconi, retirou o asílo politico de Battisti, que o Brasil agora lhe deu. Tarso Genro e Lula estão certos. O problema foi, era, continua político. O fascista Berlusconi (primeiro-ministro)é apoiado pelo desfrutavel velhinho comunista Giorgio Napolitano (presidente) que se escondeu quando o juiz Falcone (assassinado) e o procurador Pietro(hoje no Parlamento) fizeram a “Operação Mãos Limpas”
Não têm autoridade moral nenhuma. Por que não devolveram Caciolla, o batedor de carteira do Banco Central, quando o Brasil pediu?
As Salomés de lá e cá querem entregar a cabeça de Battisti à máfia.
A CABEÇA DE BATTISTI
RIO – O carrão preto, motorista de libré, parava na porta da embaixada do Brasil em Roma, na Piazza Navona, em 90 e 91. Descia um senhor baixo, 80 anos, terno escuro, colete cinza, camisa branca e gravata. Um dos homens mais poderosos da Itália, conde do Papa, banqueiro de Deus, ia buscar-me para almoçar, a mim, pobre marquês, adido cultural.
Íamos aos mais discretos e charmosos restaurantes de Roma, com os melhores vinhos da Itália. Às vezes o almoço foi no palacete dele, na Vila Archimede, no alto do Gianicolo, ou, em um domingo de sol, em sua casa na serra, em Grottaferrata, a poucos quilometros de Roma. Simpático, vivido, o conde Umberto Ortolani era uma figura “ambígua, misteriosa” (como dizia o “La Republica”). Mal falava, só perguntava.
Dele eu sabia que era conde da Santa Sé,“gentiluomo di sua Santitá”, banqueiro do Vaticano, socio-diretor do jornal “Corriere de la Sera”. Havia conhecido num vernissage no Masp, em São Paulo, em 84, apresentado pelo jornalista e editor José Nêumanne, do “Estado de S. Paulo”.
ORTOLANI
O que ele queria de mim? Queria o Brasil. Queria que eu convencesse o embaixador Carlos Alberto Leite Barbosa a convencer o Itamaraty a lhe entregar um novo passaporte, pois tinha cidadania brasileira dada pela ditadura militar a pedido dos Mesquita do “Estado de S. Paulo” e os dois que tinha, o italiano e o brasileiro, o governo italiano lhe tomara ao descer em Roma, depois de oito anos asilado no Brasil.
Impossível. Quem tomou o passaporte foi o governo italiano. O Brasil nada tinha com aquilo. Mas ele achava que, insistindo, talvez conseguisse. Queria fugir de novo. Ou não tinha companhia melhor para sua conversa admirável sobre a política italiana e seus magníficos vinhos.
Levou-me a seu escritório na Via Condotti, 9, em cima da Bulgari :
- Desta sala saíram sete primeirios ministros: Andreotti, Craxi, etc.
UM LIVRO
O conde é uma historia exemplar do satânico poder dos banqueiros, mesmo quando, como ele, um banqueiro de Deus, vice-presidente do banco Ambrosiano, do cardeal Marcinkus, até hoje foragido nos Estados Unidos.
Os que criticam, inteiramente sem razão, o presidente Lula e o ministro Tarso Genro, por terem dado asilo político ao italiano Cesare Battisti, deviam ler um livro imperdível: “Poteri Forti” (“Fortes Poderes, o Escândalo do Banco Ambrosiano”), do jornalista italiano Ferruccio Pinotti, abrindo as entranhas do poder de corrupção do sistema financeiro, de braços dados com governos, partidos, empresários, maçonaria, mafia.
Em junho de 1982, foi encontrado estrangulado em Londres, embaixo da “Blackfriars Bridge” (“a ponte dos Irmãos Negros”), o banqueiro italiano Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano, que acabava de quebrar, e tinha como diretores o cardeal Marcinkus, o conde Ortolani e o chefe da P-2 italiana (maçonaria), Licio Gelli.
MÃOS LIMPAS
Nos dias seguintes, na Itália e na Inglaterra, apareceram assassinados varios outros ligados a Calvi. (Não é só em Santo André que se limpa a área). No meio da confusão estava Ortolani, um dos quatro “Cavaleiros do Apocalipse”. Quando, a partir de 90, a “Operação Mãos Limpas” chegou perto deles, o conde, olhando Roma lá de cima do Gianiccolo, me dizia :
- Isso não vai acabar bem.
Depende o que é acabar bem. O ministério Publico e a Justiça enfrentaram a aliança satânica, que vinha desde 45, no fim da guerra, entre a Democracia Cristã e a máfia italiana. Houve centenas de prisões, suicídios. Nunca antes a máfia tinha sido tão encurralada e atingida. Responderam com bombas detonando carros de procuradores e juizes. Mas os grandes partidos políticos aliados (Democrata Cristão, Socialista, Liberal) explodiram. O Partido Comunista, conivente, se desintegrou. E meu amigo conde, condenado a 19 anos, morreu em 2002, aos 90 anos.
NEGRI E BATTISTI
A “Operação Mãos Limpas” não teria havido se um punhado de bravos jovens valentes e alucinados, das Brigadas Vermelhas e dos Proletarios Armados pelo Comunismo (PAC) não tivesse enfrentado o Estado mafioso.
O governo, desmoralizado, usava a máfia para elimina-los. Eles reagiam, houve mortos de lado a lado, e prisões dos lideres intelectuais, como o filósofo De Negri (asilado na França) e o romancista Cesare Battisti (asilado na França). Estava lá, vi, escrevi, acompanhei tudo.
Foram eles, os jovens rebeldes das décadas de 70 a 80, que começaram a salvar a Italia. Se não se levantassem de armas na mão, a aliança Democracia Cristã, Partido Socialista, Liberais e máfia, estaria lá até hoje. Berlusconi é o feto podre que restou, mas logo será expelido.
SALOMÉS
O corrupto Chirac, a pedido de Berlusconi, retirou o asílo politico de Battisti, que o Brasil agora lhe deu. Tarso Genro e Lula estão certos. O problema foi, era, continua político. O fascista Berlusconi (primeiro-ministro)é apoiado pelo desfrutavel velhinho comunista Giorgio Napolitano (presidente) que se escondeu quando o juiz Falcone (assassinado) e o procurador Pietro(hoje no Parlamento) fizeram a “Operação Mãos Limpas”
Não têm autoridade moral nenhuma. Por que não devolveram Caciolla, o batedor de carteira do Banco Central, quando o Brasil pediu?
As Salomés de lá e cá querem entregar a cabeça de Battisti à máfia.
Sou novo no pedaço. Estou lendo seu blog com muito prazer e convergindo nas idéias. O artigo do Nery é lúcido e de bom senso. Insuspeito e não sectário. Concordei de cara com a ação do Ministro e o apoio de Lula. Recomendo um filme, disponível em torrents. Sei lá se vai passar no Brasil. Tem legendas em portugues, no legendas.tv.
ResponderExcluir"Divo: La straordinaria vita di Giulio Andreotti, Il", pode ser encontrado por "Il Divo". Um brilhante retrato da época.
Esclareço, não é a vida do Mino Carta, se bem que no início refere-se ao assassinato do jornalista Mino. Brincadeira...
Ah, já que o Obama está fechando Guantanamo, quem sabe o Berlusconi não quer alugar aquilo?
Fui prolixo, desculpe, mas é meu primeiro comentário aqui.
Abraços
Palhaço paulista
Não posso concordar com o posicionamento de Nery. Aceitá-lo é o mesmo que admitir correto o ataque duplo às torres de Nova Iorque, por Osama Bin Laden, já que ele estaria efetuando um movimento de livrar o mundo do poderio intervencionista, unilateral e dominador dos Estados Unidos. A tênue ligação das ações terroristas italianas, onde Battisti se inseriu, com a derrocada do poder corrupto dos bastidores da sociedade daqauele país, não dá sustentação aos assassinatos cometidos então. Por isso mesmo, justificar o asilo político a um assassino, cujo processo no seu país foi lídimo e totalmente aceito pela sociedade italiana, não faz sentido. Além do mais, é totalmente inadequado comparar o caso Cacciola, com o caso Battisti. Aquele, não foi deportado para o Brasil, por ter cidadania italiana e a Itália jamais, por um princípio universal, deportaria um cidadão do seu país, assim como, nunca o Brasil deportaria um cadadão brasileiro.
ResponderExcluirConcordo: pelas leis de ambos, não podem ser extraditados cidadões dos próprios paises. Diga-se também que Marcinkus morreu em 2006. (Toni) Negri é o nome correto e não De Negri. O ex procurador chama-se Di Pietro e não Pietro. Quanto aos jovens valentes... bem é difícil de aceitar, e tampouco esses "rebeldes" estavam lá para combater a máfia, mas sim o "compromesso storico" de Berlinguer e Moro. O artigo é bastante superficial.
ResponderExcluirAnti, seu comentário é muito frágil.
ResponderExcluirtambém sou a favor do asilo a battisti. Acho que foi uma decisão correta de Tarso Genro.
1º sua equiparação com os atentados de 11 de setembro beiram o ridículo, e demonstra que você entende muito pouco de história, desconhecendo o princípio do "anacronismo".
2º não se trata de justificar as ações de Battisti, que, SUPOSTAMENTE, teria matado 4 pessoas. Se vc estudar o caso um pouco mais, verá que muito das acusações não têm o menor fundamento. Como Battisti teria matado duas pessoas, no mesmo dia, quase na mesma hora, em lugares cerca de 500km de distãncia? Enfim, não vou falar de fatos, mas apenas destruir sua argumentação superficial e anacrônica.
O caso é que, independente de se battisti assassinou ou não 4 pessoas, trataram-se de crimes com motivações políticas. E Justiça italiana tenta enquadrá-lo como "criminoso comum" - a direita, e também esquerda brasileira (Carta Capital, inclusive) tentam caracterizá-lo como "criminoso comum".
Fácil entender o pq: a Constituição brasileira, em seu Artigo 5º, fundamenta o asilo a criminosos políticos.
Quanto ao caso Cacciola, acho que não foi isso que pautou a decisão soberana de tarso Gensro e do governo brasileiro, que estão de parabéns.
Carla, o "artigo", pelo que li, não SE pretende aprofundado, mas apenas mostrar um lado que está sendo relegado pelos "grandes analistas", como você, e o PIG (e até Carta Capital).
ResponderExcluirVc parece não saber o contexto em que battisti estava envolto. Procure nos dicionários o significado do termo "ANACRONISMO" e leia menos jornais...
Ao Anônimo (Nery).
ResponderExcluirA correlação que procurei estabelecer é, apenas, comparativa. Não se trata, portanto, de situar as questões, de per si, fora de seu tempo, o quê, então sim corresponderia a um anacronismo. Quanto à tua definição de que Battisti teria, sim, assassinado com fins políticos é um mero sofisma, já que a ciência jurídica italiana optou por uma base de sustentação, baseada na teorização, sim, mas bem fundamentada nos fatos e nos preceitos da Lei da país. Finalmente, Anônimo (Nery), com todo respeito, convém que busques melhorar tua informação sobre o caso, na sua origem, para aperfeiçoar a análise do momento.
Informo, com a melhor intenção, que não responderei a eventuais contra-argumentos.
Anônimo, eu não leio os jornais e vivia na Itália nos anos setenta. E nem mencionei o Battisti, que foi só um dos tantos jovens "valentes". Quem destruiu o aparato politico de tantos anos foram os juizes de Mãos Limpas, com certeza, não as Brigadas Vermelhas ou os PAC, que, do contrário reforçaram as forças reacionárias da Itália. (Tanto faz, agora tem o Berlusconi que é pior do que havia antes.)
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