Pular para o conteúdo principal

Wagner Iglecias: Marta e o PFL

Em mais uma colaboração para o blog, o cientista político Wagner Iglecias, professor na USP Leste, comenta o cenário eleitoral na capital de São Paulo. Vale a pena ler na íntegra:

Marta Suplicy abriu o horário gratuito da campanha eleitoral do segundo turno pela prefeitura de São Paulo afirmando que o Partido da Frente Liberal (PFL) foi varrido do mapa político nacional. E lembrou ao eleitor que seu adversário, Gilberto Kassab, foi do PFL.

Varrido do mapa talvez seja expressão muito forte para quem foi herdeiro do ex-maior partido do Ocidente, a Aliança Renovadora Nacional (Arena), braço civil da ditadura militar que vigorou em nosso país de 1964 a 1985, e ainda é um partido de expressão nacional. Mas que o pefelê, atual DEM, vem minguando nas urnas nas eleições mais recentes, não há dúvida.

Neste caso, porém, não pesa muito o fato de que Kassab, se eventualmente reconduzido à prefeitura de São Paulo, seja oficialmente demista. Ou alguém duvida que os postos estratégicos de sua gestão continuarão a ser controlados por tucanos ligados ao governador José Serra?

Neste sentido, o fato de a maior cidade do país eventualmente continuar a ser comandada por um filiado do DEM tem menos relação com a força que o ex-PFL tem nas urnas e muito mais com a lógica do projeto presidencial do governador paulista para 2010, o qual passou, como se viu nesta eleição, até por uma outrora impensável aliança política de grãos-tucanos com o ex-governador Orestes Quércia, comandante da seção paulista do PMDB, em torno da reeleição de Kassab.


O que dá combustível ao argumento de Marta é o fato de que o DEM encolheu nos últimos pleitos em várias regiões do país, e em especial no Nordeste, o seu berço político. Hoje o partido não está a frente de nenhum governo nordestino, e está longe do comando das prefeituras de capitais importantes como Recife, Fortaleza e Salvador. Nesta, aliás, ACM Neto, uma das apostas para a renovação da imagem da agremiação, sequer conseguiu qualificar-se para o segundo turno da eleição municipal no domingo retrasado.

Ressalte-se ainda o resultado amargo colhido pelo partido na cidade do Rio de Janeiro, onde a candidata do prefeito demista César Maia amargou um distante sexto lugar no primeiro turno, com apenas 3% dos votos válidos. Além disso recorde-se que o encolhimento do partido ocorre também nas pequenas e médias cidades, em todo o país. Em 2000 o PFL comandava 1026 municípios brasileiros. Só o PMDB detinha mais prefeituras na época. Em 2004 o partido conquistou menos cidades, ficando com 789 municípios, sendo superado por PMDB e PSDB. Agora em 2008, quando apresentou-se ao eleitor pela primeira vez com o novo nome, Democratas, o partido venceu, em primeiro. turno, em 497 cidades, e despencou para o quinto lugar, ficando atrás de PMDB, PSDB, PT e PP. À exceção de alguns municípios importantes do interior do país, de relevante, mesmo, o DEM comanda hoje apenas o governo do Distrito Federal, na figura do ex-tucano José Roberto Arruda. E fora isto, obviamente, encontra-se fora do governo federal desde 2003, quando Lula assumiu a presidência da república.


Para além dos dados quantitativos há que se ressaltar que o PFL envelheceu, tendo perdido muito com o desaparecimento de uma liderança como Antonio Carlos Magalhães e tendo visto lideranças como Jorge Bornhausen, Jaime Lerner e Marco Maciel perderem espaço político em seus respectivos estados nos anos recentes. Há que se lembrar também que outro fato que contribuiu para o enfraquecimento eleitoral do partido refere-se à decadência de um certo tipo de relação entre classe política e sociedade, secular em nosso país e baseada na ligação direta entre oligarquias regionais e as classes sociais menos favorecidas, relação esta que tem perdido força na medida em que o Brasil se moderniza, se urbaniza e consolida suas instituições.

Por estas e por outras, seja Kassab vitorioso ou não nas urnas do próximo dia 26, Marta tem lá alguma razão no que está dizendo.


Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue...

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...