Pular para o conteúdo principal

Alemão: Mídia, Eloá e a crise internacional

Deixando um pouco as eleições de lado, vale a pena ler o artigo abaixo, reproduzido do site Terra Magazine, de autoria do colunista Márcio Alemão. Aliás, cabe aqui um elogio público ao Terra Magazine, editado pelo craque Bob Fernandes: seja na cobertura da crise, seja nas análises de temas cotidianos - eleições, inclusive -, o site tem se revelado um dos veículos mais criativos e interessantes da internet brasileira, mostrando que com inteligência é possível oferecer reportagem e análises de qualidade, ainda que contando com poucos recursos. A maior virtude ali é o ineditismo dos enfoques das matérias e análise.

Bob e sua equipe estão sempre olhando para a realidade de um jeito diferente do que o dos jornalões e grandes portais. Quem lê jornal em São Paulo sabe bem: a capa da Folha e do Estadão em geral são parecidíssimas, a diferença entre os dois se dá apenas no grau de anti-petismo de cada um. E de resto, as coberturas são sempre idênticas, é até chato ler os dois jornalões. No Rio, na prática só há um impresso disponível, O Globo, porque o JB já não pode mais ser considerado propriamente um jornal.

E na internet, blogs à parte, é claro, basta navegar um pouco para perceber que a diversidade é mínima, os sites dos portais se limitam a reproduzir as mesmas coisas, sempre, com pequeníssimas mudanças no texto ou foco da reportagem. Por tudo isto é que vale sempre a pena dar um pulinho no Terra Magazine para ver o que Bob Fernandes anda aprontando. A seguir, a íntegra do texto de Márcio Alemão.

Cobertura da tragédia

Vale a pena comentar sobre os urubus e hienas do caso Eloá?

Talvez valha citar um momento muito interessante, no qual o roto indignou-se com o rasgado. Datena não poupou críticas à "irresponsabilidade" de Sonia Abrão.

Pouco vi, confesso.

Acompanhei à distância e tentei manter este bom distanciamento, que não foi possível porque durante esses eventos ninguém te deixa em paz, esteja você onde estiver.

Mesmo sem querer, ouvi várias sugestões e não posso dizer que alguma tenha feito sentido. "Entra logo lá e mata esse f... " foi a mais ouvida. Pois eu cheguei a imaginar um cenário: todo mundo caindo fora. Cobertura zero, silêncio. Francamente não acho que mudaria o final trágico da história, mas é certo que levaria centenas, milhares de hienas ao desespero.

É provável que um reporter se disfarçasse de carteiro para entrar no prédio com uma micro câmera. É possível que dois se vestissem de zebra, aquela famosa zebra de circo, na esperança que o sequestrador, encantado com a presença do inesperado animal abrisse a janela para jogar um pedaço de pão a ele.

Esforços de todas as partes não seriam poupados para que a determinação de manter o silêncio fosse burlada e o furo jornalístico se realizasse. Não faz muito que fomos brindados com esses excessos, durante o caso Isabella. Escrevi a respeito citando o filme de Billy Wilder, "A Montanha dos 7 Abutres" (leia aqui).

Quem sabe não tenha chegado o momento de discutir com maior seriedade essa questão: como reagem esses psicopatas quando a mídia faz deles uma celebridade, ainda que seja do mal? Já fizeram esse estudo? Não seria bom fazê-lo?

O que eu sei é o que vejo em filmes. Em determinado momento eles percebem que foram muito além da conta. Tão além que não acreditam no perdão ou na "suavização" da eventual pena. Não existe saída, por mais que os negociadores insistam em dizer o contrário.

Isso, esclareço mais uma vez, é o que vejo em filmes.

Fato é: o caso rendeu boa audiência para quem se aproveitou da tragédia. E não tem sido muito diferente o noticiário econômico. São milhões de deseperados no mundo. Os negociadores insistem: "não vendam todas suas ações; não saquem o dinheiro dos bancos, as coisas irão melhorar".

Totalmente alucinados, eles não ouvem e vendem tudo e sacam tudo e a quebradeira é geral e as pessoas começarão a pular de sacadas, estourar miolos e audiência estará garantida.

Não chegaremos a esse ponto, é claro. E vou além em uma aposta: as pessoas estão ficando fartas do jornalismo carniceiro. Alguém se lembra do extinto "O Povo na TV"? Alguém se lembra do sucesso do Ratinho? É por aí a minha aposta.

Márcio Alemão é publicitário, roteirista, colunista de gastronomia da revista Carta Capital, síndico de seu prédio, pai, filho e esposo exemplar.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Um pai

Bruno Covas, prefeito de São Paulo, morreu vivendo. Morreu criando novas lembranças. Morreu não deixando o câncer levar a sua vontade de resistir.  Mesmo em estado grave, mesmo em tratamento oncológico, juntou todas as suas forças para assistir ao jogo do seu time Santos, na final da Libertadores, no Maracanã, ao lado do filho.  Foi aquela loucura por carinho a alguém, superando o desgaste da viagem e o suor frio dos remédios.  Na época, ele acabou criticado nas redes sociais por ter se exposto. Afinal, o que é o futebol perto da morte?  Nada, mas não era somente futebol, mas o amor ao seu adolescente Tomás, de 15 anos, cultivado pela torcida em comum. Não vibravam unicamente pelos jogadores, e sim pela amizade invencível entre eles, escreve Fabrício Carpinejar em texto publicado nas redes sociais. Linda homenagem, vale muito a leitura, continua a seguir.  Nos noventa minutos, Bruno Covas defendia o seu legado, a sua memória antes do adeus definitivo, para que s...

Dica da Semana: Tarso de Castro, 75k de músculos e fúria, livro

Tom Cardoso faz justiça a um grande jornalista  Se vivo estivesse, o gaúcho Tarso de Castro certamente estaria indignado com o que se passa no Brasil e no mundo. Irreverente, gênio, mulherengo, brizolista entusiasmado e sobretudo um libertário, Tarso não suportaria esses tempos de ascensão de valores conservadores. O colunista que assina esta dica decidiu ser jornalista muito cedo, aos 12 anos de idade, justamente pela admiração que nutria por Tarso, então colunista da Folha de S. Paulo. Lia diariamente tudo que ele escrevia, nem sempre entendia algumas tiradas e ironias, mas acompanhou a trajetória até sua morte precoce, em 1991, aos 49 anos, de cirrose hepática, decorrente, claro, do alcoolismo que nunca admitiu tratar. O livro de Tom Cardoso recupera este personagem fundamental na história do jornalismo brasileiro, senão pela obra completa, mas pelo fato de ter fundado, em 1969, o jornal Pasquim, que veio a se transformar no baluarte da resistência à ditadura militar no perío...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...