Pular para o conteúdo principal

A reforma ministerial e a disputa no PMDB

Já há colunistas criticando a demora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em realizar a tão esperada reforma ministerial. Dizem os analistas que o governo está "parado", à espera das definições da equipe para o segundo mandato, e que Lula cedeu a um jeito antigo de fazer política, cobrando de sua base a eleição dos presidentes da Câmara e Senado e também a aprovação das matérias de interesse do governo, especialmente os projetos que fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para só então realizar a distribuição dos cargos na administração pública federal.

Ora, este "jeito antigo" de fazer política é normal na maior parte das democracias do planeta. Dizer que as alianças se dão em torno de "programas de governo " é conversa para boi dormir. Governar em coalizão significa partilhar o comando das ações políticas e administrativas, de forma que em algum momento o governante terá, sim, que nomear aliados para cargos em que decisões relevantes são tomadas. Não fosse assim, não existiria coalizão alguma...

O presidente Lula venceu as eleições com mais de 60% dos votos válidos, mas seu partido não conseguiu a hegemonia nas duas Casas do Congresso Nacional. Para conseguir governar, o presidente montou uma grande coalizão, capitaneada pelo PMDB – legenda que fez a maior bandada na Câmara Federal. Ora, se o governo é de coalizão e se vários partidos fazem parte da base de sustentação do ogoverno, nada mais natural do que o presidente repartir entre eles alguns cargos importantes no primeiro escalão. E nada mais natural, também, que Lula cobre desses partidos a aprovação dos projetos de um governo que eles, os partidos, por meio de seus líderes, reiteraram formalmente o apoio neste segundo mandato.

Quanto à paralisia do governo, a crítica também é marota, pois o presidente já anunciou o principal programa para o seu segundo mandato, o PAC. Pode-se não gostar do plano, mas ele existe e está mobilizando a maior parte dos ministérios e estatais federais.

A questão da reforma ministerial é na verdade um exercício de equilíbrio das forças políticas que compõem a aliança. Cabe ao presidente montar o quebra-cabeça de forma que ele reflita a correlação de forças da coalizão. Essa tarefa não é simples como pode parecer à primeira vista, pois nem sempre a expressão eleitoral de cada partido ou o número de representantes que as legendas têm no Congresso são critérios definitivos para a repartição do poder. Agora mesmo há o caso do PMDB, maior partido da aliança e que fará a sua Convenção Nacional, na qual será eleito (ou reeleito) seu presidente nacional. A disputa deve ficar entre o atual presidente, Michel Temer, e o ex-ministro Nelson Jobim e a Convenção está marcada para o dia 10 de março.

Há quem diga que o presidente Lula prefere Jobim a Temer, mas o atual presidente também marcou pontos ao entregar a mercadoria combinada nas votações que acabaram dando a vitória a Arlindo Chinaglia (PT-SP) na Câmara Federal. De toda maneira, são dois grupos em confronto – Temer é apoiado pela bancada federal e por alguns presidentes de diretórios estaduais, como o ex-governador Orestes Quércia, ao passo que Jobim é o predileto dos senadores, da secção gaúcha da agremiação e também de alguns diretórios, como o de Alagoas, controlado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros.

Do ponto de vista do presidente Lula, faz sentido esperar a definição dos peemedebistas para realizar a sua reforma, pois sem saber quem de fato manda (ou, ao menos, quem manda mais) no maior partido da base aliada, não é possível distribuir corretamente o poder entre os aliados. Os mais afoitos podem não gostar, mas Lula não está errado em empurrar a reforma ministerial com a barriga.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue...

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...