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Vida e morte no meio fio
A partir dessa ligação, um thriller policial se inicia. Cuenca se aventura a descobrir por que Cristiane Paixão, por ele totalmente desconhecida, havia identificado um corpo como seu na Lapa, Rio de Janeiro. No atestado de óbito havia, inclusive, o número da certidão de nascimento de J.P. Como?
O autor é convencido por um amigo jornalista a contratar um detetive particular a fim de procurar a tal Cristiane. Porém, sem respostas do profissional, Cuenca, morto-vivo, desiste do caso. E da vida.
Uma nova fase começa. Largado pelo mundo, sem lenço nem documento, nosso anti-herói parte para os colos de francesas, chinesas, alemãs… Vive na boêmia, dando palestras sobre literatura ao redor do mundo e enrolando seu próximo romance. Prestes a partir para um castelo na Itália, após três anos da notícia de sua própria morte, Cuenca recebe uma carta do detetive e retorna ao Rio de Janeiro. A revelação do profissional, porém, ao invés de lhe esclarecer as dúvidas, é o último empurrão para o fundo do poço. Vemos o personagem-autor perder de vez a vida, sem morrer.
A partir dessa narrativa aparentemente mirabolante, que mistura realidade com ficção, o autor consegue desenvolver uma reflexão profunda sobre a morte. Não só a morte fisiológica, morrida ou matada, já explorada pelo mundo da filosofia e da religião (e da ciência, por que não?), mas também a morte subjetiva.
Cuenca, em linhas maravilhosamente bem escritas, faz com que o leitor, sem perceber, comece a se indagar. O que significa, no âmbito psicológico e individual, ser considerado perante o Estado como morto? Como a nossa identidade é construída pela vida que levamos? Estar vivo é a mesma coisa que viver?
No meio da obra, Cuenca destila críticas ferrenhas à literatura, provando, além de sua inutilidade completa, o desserviço que os livros de ficção prestam à humanidade. Essa acusação metalinguística diverte o leitor, ao mesmo tempo que o assusta. Aliás, durante todo o livro ficamos nesta posição: entre a risada sincera e o rir de nervoso. As fases da trajetória do autor são nebulosas e o sentido do porquê fazer o que fazemos se perde. O fato de a personagem principal ser um escritor agrava a situação. Um pensador, intelectual, crítico… Perde o fio da meada e mergulha em uma vida esvaziada. Mergulha no antônimo da vida. E o nosso choque é perceber que isso ainda não é morrer. (Por Teresa de Carvalho Magalhães em 9/10/2020)
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