Pular para o conteúdo principal

Pôquer on-line explode na pandemia, e profissionais aproveitam para esmagar novatos

As apostas esportivas, obviamente, caíram com a suspensão das competições. O pôquer on-line, por outro lado, viveu um crescimento espetacular. “A aplicação de medidas de confinamento foi muito favorável ao pôquer on-line”, diz a Autoridade Nacional de Jogos da França em seu relatório sobre o segundo trimestre de 2020. “O produto bruto do jogo cresceu 126% no segundo trimestre de 2020 com relação ao mesmo trimestre em 2019”, informa o documento. “Este crescimento procede tanto do aumento dos jogadores ativos (68% a mais) como da intensificação do jogo, com 34% mais de gasto por jogador”. Nestas cifras houve picos ainda superiores: durante a semana de 13 a 19 de abril, por exemplo, o aumento foi de 222%. Os dados significam que havia em média 500.000 jogadores ativos por semana nas plataformas francesas, escreve Jordi Pérez Colomé no site do El País, em reportagem publicada dia 2/10. Vale a leitura.


A França e a Espanha compartilham a mesma legislação. Com ela é possível que os jogadores espanhóis e franceses joguem em plataformas .es e .fr de forma indistinta, mas não nas globais .com. Os dados franceses são, portanto, aplicáveis à Espanha. A Direção Geral de Ordenação do Jogo espanhola ainda não publicou seu relatório do segundo trimestre.

“Joguei mais porque tinha mais horas livres, uma vez que a atividade da minha empresa tinha parado”, conta Cabacas. “Vi que as mesas estavam ótimas, e meus lucros dispararam bastante. Não é tanto que fosse mais fácil, é que havia mais volume de jogo. Em vez de, por exemplo, 200 jogadores, costumava haver 400. E os profissionais eram os mesmos. No momento em que há 400 jogadores e 50 profissionais, o nível baixa. Isso é bom para o profissional”, acrescenta.

Este fenômeno ocorreu no segundo trimestre e se concentrou especialmente na Europa confinada. Uma das curiosidades do pôquer é que os jogadores que vivem em lugares com uma legislação restritiva não podem jogar em qualquer plataforma do mundo, só nas autorizadas no seu país. Nos Estados Unidos, os jogadores precisam viajar para jogar em torneios presenciais, mas também de forma on-line. O mesmo ocorre na Espanha, onde a lei não permite jogar em plataformas globais. Os jogadores espanhóis que queiram participar de um torneio on-line global precisam ir a Andorra ou a outros países com legislação menos restritiva, como o Reino Unido.

“No auge do confinamento, tínhamos mais de 50.000 jogadores ativos, ou seja, mais que o dobro do tráfego habitual”, diz Alex Hernando, diretor do site Póker Winamax España. “Era um aumento inclusive acima do que podíamos esperar, porque os dados do mercado global indicam um aumento médio de 50% no tráfego em relação aos dados normais”, explica. Apesar de essa cifra ter caído após o confinamento, alguns jogadores ficaram. “Hoje temos por mês entre 10% e 15% mais jogadores ativos, os que jogam com dinheiro real, se compararmos com os dados prévios à pandemia”, acrescenta Hernando.

Cabacas não foi o único jogador a perceber esta mudança. “Notei que podia ganhar de mais amadores”, afirma Martí Roca, também jogador profissional. “Nas minhas partidas, trabalho com 7% de lucro, talvez na pandemia tenha subido para 12% ou 13%, o dobro aproximadamente. Não joguei muitíssimo, mas conheço gente que jogou e aproveitou o momento. Um solteiro teria feito a festa lá. Eu não pude porque tenho família. Mas se olho de forma racional, teria sido o momento de dar um gás e jogar o dia todo. A gente não voltará a ver um campo assim.”

Pôquer não é tênis, onde um jogador profissional quase sempre derrotará um amador. No pôquer a incerteza conta, e diante de um rival mais fraco existe apenas uma probabilidade maior de vencer. “Num curto prazo, um amador pode ganhar. Isso se baseia em probabilidades, o que no tênis não poderia acontecer nunca. Obviamente as probabilidades de que eu ganhe são mais altas que ao contrário”, diz Cabacas.

Nada em Las Vegas

As partidas on-line não foram a única mudança substancial. Os jogadores profissionais de torneios de pôquer costumam passar vários meses por ano fora de casa. Em 2020, por outro lado, toda essa atividade se deslocou para a Internet, o que afetou suas estratégias. Adrián Mateos, o jogador espanhol mais laureado da história, de 26 anos, joga sobretudo em torneios. Sua mudança de rotina foi significativa. “A cada ano passamos dois meses no verão competindo na World Series em Las Vegas. Neste ano, por ser on-line, escolhi os torneios importantes e fiquei só um mês”, diz.

Mateos, que vive em Londres, podia jogar em qualquer plataforma do mundo. Mas no seu nível existe uma diferença substancial entre ver o rosto do rival ou não. “O jogo on-line e ao vivo exige habilidades diferentes. Ao vivo você não pode ter gestos verbais, e precisa ser bom em detectá-los, e on-line esses fatores desaparecem, é um jogo mais matemático, porque você não tem informação exterior.”

O pôquer on-line faz tanto sucesso porque inclusive as supostas armadilhas são pouco relevantes. “No pôquer on-line tem gente que usa softwares de apoio. É difícil de controlar, mas teoricamente acontece. E em níveis muito altos nem sequer o software serve para ganhar. É um jogo tão complexo, com tantas opções, que inclusive para um programa é difícil. É um jogo de informação incompleta”, diz Mateos.

Ele não é o único profissional de torneios que precisou se reciclar. “Neste ano tive que me adaptar”, afirma Sergio Aído, também profissional. “Fecharam os cassinos em Macau e tive que passar ao on-line, onde fiquei anos sem jogar. Durante o confinamento houve um boom do pôquer on-line, já que era a alternativa ao jogo físico. Isto atraiu tanto amadores como um grande punhado de profissionais, como no meu caso”, acrescenta.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe