Donald Trump insiste em ser sempre Donald Trump. Mesmo nas situações em que atitudes 100% trumpetianas são as menos favoráveis a ele, o presidente americano em busca da reeleição no pleito do dia 3 de novembro contra o democrata Joe Biden teima em se manter autêntico com sua falta de noção. Trump anunciou que havia sido diagnosticado com coronavírus na sexta-feira 2. Aos 74 anos e acima do peso, foi transferido para um centro hospitalar militar, o Walter Reed. Correndo o risco de contagiar agentes do serviço secreto que o acompanham, fez questão de dar um passeio de carro próximo ao hospital para acenar a seus apoiadores no domingo, dia 4. Na segunda-feira, três dias depois de ter sido hospitalizado, voltou à Casa Branca. Mesmo demonstrando dificuldade de respirar, tirou a máscara diante das câmaras de TV. Como Jair Bolsonaro antes dele, Trump, ao ficar doente, continuou menosprezando a gravidade da pandemia e dizendo às pessoas que “não tivessem medo” do novo coronavírus, para ele algo “menos grave do que a gripe comum”. Escreve Filipe Barini em reportagem para a edição desta semana da revista Época. Continua a seguir.
“Não posso imaginar o que Trump poderia fazer para causar mais danos a si mesmo do que está causando agora”, afirmou ao Los Angeles Times o republicano Rory Cooper, que atuou como assessor da liderança do partido na Câmara e no governo de George W. Bush. As críticas vieram até mesmo de um apoiador, o autor de extrema-direita Ben Shapiro. No Twitter, disse que “a campanha contra Biden não é difícil”, sugerindo ser necessário colocar Biden, e não ele, nos holofotes, e que, se Trump perder, “será totalmente sua culpa”. Também ao Los Angeles Times, Alex Conant, consultor político republicano, lembra que uma campanha de reeleição acaba se tornando um referendo sobre o mandato de um líder e que, para ele, Trump “não ganhou praticamente nada nos últimos quatro anos”, descartando comparações com a vitoriosa reta final de 2016. “As últimas semanas de 2016 foram muito centradas nos escândalos de Hillary Clinton, e provavelmente foi a época mais disciplinada da carreira política de Trump”, afirmou Conant.
O contágio era a chance para o presidente mostrar empatia com o eleitor preocupado com a doença, como fez o primeiro-ministro Boris Johnson na Grã-Bretanha. Quando o calendário apontava pouco mais de um mês para o dia 3 de novembro, Trump tentava apagar do noticiário sua má gestão na crise sanitária, que até o momento deixou um rastro de mais de 200 mil mortos nos Estados Unidos. Pesquisas de opinião mostravam que o debate sobre coronavírus e Covid-19 não o favorecia. A doença era a chance de dar uma guinada nesse tema. Depoimentos sobre a gravidade da pandemia e os momentos difíceis pelos quais passou cairiam bem entre o eleitorado ainda indeciso. Mas Trump preferiu seguir outro caminho, o mesmo caminho de sempre. Nas pesquisas, a vantagem de Biden só fez aumentar. No debate dos candidatos à Vice-Presidência, ocorrido na quarta-feira 7, a democrata Kamala Harris centrou seus ataques ao republicano Mike Pence criticando a resposta do governo à crise na saúde.
Contudo, em uma eleição tão cheia de reviravoltas e em um ano que será lembrado por passar longe do chamado “normal”, decretar a derrota de Trump com pouco mais de 20 dias de campanha pode se mostrar um erro. Em artigo no site de análises Real Clear Politics, Wayne Avrashow, que no passado liderou campanhas eleitorais na Califórnia, ainda vê espaço para um “renascimento” do republicano. Ele sugere que o caminho passaria por uma moderação no discurso, acenos institucionais e comícios com seus apoiadores usando máscaras. Humanizar sua imagem é necessário, algo que, para o autor, o também republicano Ronald Reagan conseguiu depois de um atentado em Washington, em seu primeiro ano de mandato, em 1981. “Depois da cirurgia, ele apareceu sorrindo e acenando da janela do hospital. Cenas de um retorno que pareciam retiradas de uma novela. Reagan conquistou uma reeleição decisiva três anos depois”, escreveu Avrashow.
Trump e Reagan possuem, obviamente, diferenças bem marcadas em termos de agenda e também de estilo. Um exemplo disso veio nas redes sociais do republicano na terça-feira 6. Com uma postagem no Twitter, decretou a suspensão das conversas com as lideranças democratas na Câmara em torno de um novo e trilionário pacote de estímulo para a economia, apoiado pela grande maioria dos americanos, incluindo democratas, republicanos e independentes. Minutos depois da publicação, os principais índices de ações dos EUA despencaram. No dia seguinte, diante das pressões, Trump recuou e as negociações foram retomadas.
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