Edemar Cid Ferreira já morou numa casa de cinco andares e 12 mil m², no bairro paulistano de Cidade Jardim. Vivia rodeado por obras caríssimas, de artistas tão consagrados quanto Pablo Picasso, Andy Warhol, Henry Moore, Jean-Michel Basquiat, Anish Kapoor e Mira Schendel. O sistema de ar-condicionado que refrigerava o imóvel era digno dos museus de grande porte e conservava a coleção sob temperatura adequada. Não à toa, o economista pagava 100 mil reais por mês só de energia elétrica. Hoje, ele diz morar “num apartamento modesto”, mas se nega a revelar o tamanho da residência. Conta apenas que, ali, não há nada de valor pendurado nas paredes. “Estou inconformado…”, lamenta, ainda que não propriamente por causa da derrocada financeira, escreve João Batista Júnior em reportagem para a revista Piauí, publicada no site da revista em 8/10. Continua a seguir.
Na última sexta-feira, encerrou-se o leilão dos 1 900 itens que compunham o acervo de Cid Ferreira. O conjunto, que se espalhava em parte pelo casarão, integra o patrimônio da massa falida do Banco Santos, instituição controlada pelo economista até 2005. Um esboço da pintura Operários, de 1933, uma das mais importantes de Tarsila do Amaral, foi arrematado por 1,2 milhão de reais. A tela O Muro, de Tunga, rendeu 1,3 milhão. Já o painel The Founding N#6, da série Kleist Novellas, de Frank Stella, saiu por 4,2 milhões, o item mais caro do leilão. O acervo também abarcava centenas de objetos domésticos, como jarras de prata, taças de cristal e um tapete de pele e cabeça de leão.
Ao todo, o leilão arrecadou 25 milhões de reais. “É peanuts!”, protesta o ex-banqueiro, usando uma gíria em inglês que significa mixaria ou algo do gênero. “A massa falida do Banco Santos tem muito dinheiro a receber dos devedores. O montante pagaria todos os credores sem a necessidade de vender nenhum item da coleção. Por que abdicar de obras tão significativas e deixá-las longe do público? Não me conformo…”
Antes do leilão, realizado online pela casa James Lisboa, as peças estavam sob os cuidados do Museu de Arte Contemporânea (MAC), que pertence à Universidade de São Paulo. A instituição manteve toda a coleção durante catorze anos, com recursos próprios, e exibiu parte dela algumas vezes. Chegou, inclusive, a mover uma ação para se tornar dona de uma parcela do acervo. Como o processo ainda está tramitando, quem adquiriu as peças precisará devolvê-las se o MAC vencer a batalha judicial. Nesse caso, os compradores receberão o dinheiro de volta. No entanto, Vânio Aguiar, administrador da massa falida do Banco Santos, diz que não há qualquer possibilidade de o museu ficar com as obras. “O leilão só ocorreu depois de se esgotarem todos os entraves jurídicos”, explica.
Fundado no fim da década de 1980, o banco faliu em 2005 e deixou uma dívida que somava mais de 3 bilhões de reais, em valores atualizados. Um ano depois, Cid Ferreira acabou preso preventivamente sob a acusação de gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, entre outros crimes. Permaneceu 89 dias na cadeia. Mais tarde, foi condenado a 21 anos de prisão, mas recorreu da sentença em liberdade. O Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF3) anulou a condenação em 2015. Até o momento, a massa falida do Banco Santos pagou 1,8 bilhão de reais para os credores. Ainda precisa saldar outros 1,5 bi e, de fato, tem muito a receber. São cerca de 4 bilhões de reais, devidos por empresas como o Grupo Caoa e o Grupo Veríssimo.
O ex-banqueiro, que já usufruiu dos serviços do célebre advogado Alberto Zacharias Toron, agora se diz sem recursos para arcar com as custas das ações criminais e civis que ainda o assombram. Por isso, está solicitando o direito à justiça gratuita, concedido a pessoas que se encontram em sérias dificuldades financeiras. “Eu mesmo escrevo petições e estudo os processos”, afirma. Um de seus filhos banca o aluguel e o IPTU do apartamento que Cid Ferreira divide com a mulher, Márcia. Já o plano de saúde do casal é pago por um amigo. “Na verdade, dependo das doações de amigos até para comer. Estou tão quebrado que o meu carro é um Honda Fit velho.”
A James Lisboa conseguiu vender apenas 30% das 1 900 obras. O restante irá passar por uma espécie de repescagem, que começa nesta semana e cujos lances iniciais serão muito menores que os do primeiro leilão. Em fevereiro, o casarão onde o ex-banqueiro morou até 2011, quando sofreu uma ordem de despejo, também foi leiloado. O empresário Janguiê Diniz, fundador do grupo Ser Educacional, desembolsou 27,5 milhões de reais pelo imóvel. Em 2017, 1 079 garrafas de bebidas pertencentes a Cid Ferreira, incluindo os cobiçados vinhos Château Lafite e Pétrus, além da champanhe Cristal, foram arrematadas por 510 mil reais.
Sem cacife para recuperar seus bens, o ex-banqueiro jura que nem sequer monitora os lances dos leilões pela internet. “Não sinto esse tipo de curiosidade. Tenho 77 anos bem vividos e sei que disponho de mais 23 aqui na Terra. Vou morrer aos 100!”, vaticina, sorrindo.
JOÃO BATISTA JR. é repórter da piauí, ex-colunista de Veja e autor do livro A Beleza da Vida — A Biografia de Marco Antonio de Biaggi
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