Boa resenha de Luciana Coelho, publicada na sexta, 28/12, na Folha de S. Paulo. Vale a leitura.
Talvez nada em “I Am Not Ok with This” supere sua trilha sonora, que costura punk rock a Muddy Waters e A-ha com tanta destreza que dá vontade de sair dançando.
Ainda assim há motivos suficientes para assistir a esse romance sobre dores adolescentes que a Netflix estreou na quarta (26), assinado pelos criadores da boa “The End of the F***ing World”.
Um deles é exatamente a similaridade com a série anterior, já em sua segunda temporada na mesma Netflix.
Ambas tratam da ebulição emocional da adolescência e das dificuldades em se ajustar ao mundo e a suas regras. Ambas, também, derivam da obra do quadrinista indie americano Charles Forsman, celebrado pelo realismo/intimismo de suas histórias.
E, como em “The End”, “I Am Not Ok” está centrada em um personagem adolescente de poucos amigos, o lento entendimento de sua sexualidade, a dificuldade em comunicar seus desejos e em reconhecer seus limites, o amadurecer.
Syd, a adolescente com aparência de moleque interpretada por Sophia Lillis (que viveu as versões jovens das protagonistas da série “Objetos Cortantes” e do filme “It”) é menos carismática do que o James de Alex Lawther em “The End”.
Sua rotina, em uma cidadezinha sem graça da Pensilvânia (nordeste dos Estados Unidos), porém, provoca mais empatia: perdeu o pai recentemente; a mãe trabalha mil horas, o que a obriga a muitas vezes cuidar do irmão pré-adolescente; está apaixonada sem ser correspondida pela melhor amiga; faz sexo com o esquisito da turma por não saber vocalizar o que sente.
Se James partia em um rompante de crimes, o silêncio de Syd explode sob a forma de um superpoder até então desconhecido por ela, a capacidade de telecinese (mover objetos com a mente). Desconhecido e indomável, em uma metáfora pouco velada da força de que se trata a adolescência.
Como tudo que a Netflix tem exibido sobre/para adolescentes ultimamente (“The End”, “Stranger Things”, a ótima “Sex Education”) há enorme dose de nostalgia na série, que em vários momentos evoca os filmes de John Hughes —“Clube dos Cinco”, “Curtindo a Vida Adoidado” e outros favoritos afetivos de quem cresceu nos anos 1980.
A própria ruivice de Lillis remete às personagens de Molly Ringwald na era dourada da sessão da tarde, assim como o figurino de seu par antirromântico, Stanley, lembra o de Ferris Bueller. O ator que o encarna, Wyatt Oleff (também de “It”), parece inclusive ter buscado no personagem inesquecível de Matthew Broderick o registro de doçura e malandragem para seu Stan.
O tom, entretanto, é um tanto mais soturno, o que já é dado por uma cena de abertura que remete a outro clássico, desta vez de terror —“Carrie, a Estranha”, de 1976.
Partir de “Clube dos Cinco” para se chegar em “Carrie” é um esforço de roteiro, e provavelmente “I Am Not OK with This” (algo como “não estou bem com isso”) valha mais pela viagem emocional que provoca do que pela lógica do enredo em si. Quer ilustração melhor da adolescência?
Os sete episódios de “I Am Not Ok with This” estão disponíveis na Netflix
Luciana Coelho é editora do Núcleo de Cidades, foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.
Talvez nada em “I Am Not Ok with This” supere sua trilha sonora, que costura punk rock a Muddy Waters e A-ha com tanta destreza que dá vontade de sair dançando.
Ainda assim há motivos suficientes para assistir a esse romance sobre dores adolescentes que a Netflix estreou na quarta (26), assinado pelos criadores da boa “The End of the F***ing World”.
Um deles é exatamente a similaridade com a série anterior, já em sua segunda temporada na mesma Netflix.
Ambas tratam da ebulição emocional da adolescência e das dificuldades em se ajustar ao mundo e a suas regras. Ambas, também, derivam da obra do quadrinista indie americano Charles Forsman, celebrado pelo realismo/intimismo de suas histórias.
E, como em “The End”, “I Am Not Ok” está centrada em um personagem adolescente de poucos amigos, o lento entendimento de sua sexualidade, a dificuldade em comunicar seus desejos e em reconhecer seus limites, o amadurecer.
Syd, a adolescente com aparência de moleque interpretada por Sophia Lillis (que viveu as versões jovens das protagonistas da série “Objetos Cortantes” e do filme “It”) é menos carismática do que o James de Alex Lawther em “The End”.
Sua rotina, em uma cidadezinha sem graça da Pensilvânia (nordeste dos Estados Unidos), porém, provoca mais empatia: perdeu o pai recentemente; a mãe trabalha mil horas, o que a obriga a muitas vezes cuidar do irmão pré-adolescente; está apaixonada sem ser correspondida pela melhor amiga; faz sexo com o esquisito da turma por não saber vocalizar o que sente.
Se James partia em um rompante de crimes, o silêncio de Syd explode sob a forma de um superpoder até então desconhecido por ela, a capacidade de telecinese (mover objetos com a mente). Desconhecido e indomável, em uma metáfora pouco velada da força de que se trata a adolescência.
Como tudo que a Netflix tem exibido sobre/para adolescentes ultimamente (“The End”, “Stranger Things”, a ótima “Sex Education”) há enorme dose de nostalgia na série, que em vários momentos evoca os filmes de John Hughes —“Clube dos Cinco”, “Curtindo a Vida Adoidado” e outros favoritos afetivos de quem cresceu nos anos 1980.
A própria ruivice de Lillis remete às personagens de Molly Ringwald na era dourada da sessão da tarde, assim como o figurino de seu par antirromântico, Stanley, lembra o de Ferris Bueller. O ator que o encarna, Wyatt Oleff (também de “It”), parece inclusive ter buscado no personagem inesquecível de Matthew Broderick o registro de doçura e malandragem para seu Stan.
O tom, entretanto, é um tanto mais soturno, o que já é dado por uma cena de abertura que remete a outro clássico, desta vez de terror —“Carrie, a Estranha”, de 1976.
Partir de “Clube dos Cinco” para se chegar em “Carrie” é um esforço de roteiro, e provavelmente “I Am Not OK with This” (algo como “não estou bem com isso”) valha mais pela viagem emocional que provoca do que pela lógica do enredo em si. Quer ilustração melhor da adolescência?
Os sete episódios de “I Am Not Ok with This” estão disponíveis na Netflix
Luciana Coelho é editora do Núcleo de Cidades, foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.
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