Com Oscar ou sem Oscar, vale a pena assistir a obra de Petra Costa
Em um país polarizado como jamais esteve, o anúncio de que Democracia em Vertigem havia sido indicado para concorrer ao Oscar na categoria de documentário foi recebida pela esquerda como se o Brasil tivesse vencido a Copa do Mundo. Do outro lado do espectro político, obra e sua diretora, especialmente ela, Petra Costa, foram objeto de ataques e muita ironia, especialmente pelo fato da diretora ser filha de Marília Andrade, portanto da família que é sócia da construtora Andrade Gutierrez. “Deveria concorrer na categoria ficção”, tuitou o ministro da Educação.
Evidentemente, Democracia em Vertigem é um filme polêmico, pois conta a história recente do Brasil sob uma ótica particular, a da sua diretora, que acompanhou de perto os movimentos de rua de junho de 2013 e tudo que se sucedeu na política desde então, foco do documentário, em especial o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Há diversos flashbacks para explicar o contexto em que se deu todo o processo político da redemocratização, ascensão do operário Luiz Inácio Lula da Silva e do PT no cenário eleitoral, as Diretas Já, primeiras eleições presidenciais, chegada dos tucanos ao poder após o impeachment de Fernando Collor e o curto – mais importante, pelo Real - governo de Itamar Franco, e os dois mandatos de Lula como presidente, mas o foco maior é mesmo nos anos que compreendem os dois mandatos de Dilma e sua derrocada, seguindo até a prisão de Lula, já durante o governo de Michel Temer. A Operação Lava Jato, claro, é outro tema de destaque do documentário.
A reação de integrantes do atual governo, dos tucanos e dos partidários de Temer sobre o documentário é compreensível porque Petra constrói uma narrativa engajada, com a tese de que Dilma e Lula foram vítimas de “golpes”, ela por um impeachment injustificado tecnicamente (o que carrega uma certa ingenuidade, uma vez que processos de afastamento são sempre políticos, Collor foi absolvido no Supremo das acusações que lhes foram impingidas, caiu por não ter suporte político no Congresso em um processo totalmente irregular, assim como a ex-presidente caiu por não ter votos para se sustentar); Lula pela prisão “arbitrária” e “perseguição” do juiz Sergio Moro, narrativa cara ao petismo até hoje.
O fato de haver uma linha narrativa engajada não impede que se possa reconhecer diversas qualidades no documentário. Em primeiro lugar, Petra é muito clara e sincera, não escondeu nem sequer as suas relações familiares e de amizade, ao contrário, fez delas o fio condutor do enredo do filme. Ou seja, Petra não engana ninguém, são seus olhos que nos guiam, os olhos de quem morou no exílio com a mãe, apresentada como militante da esquerda e filha de sócio de uma das maiores empreiteiras do país, a Andrade Gutierrez, envolvida na Lava Jato. Nada disto é omitido, ao contrário, é trazido ao público de forma bastante transparente.
Talvez o ponto mais alto do documentário derive justamente da condição de Petra, de sua proximidade com o ex-presidente Lula. Para quem não sabe, quando Lurian, filha do ex-presidente, foi exposta pela campanha de Collor às vésperas do segundo turno da eleição de 1989, foi na sequência morar em Paris com Marília Andrade, ou seja, foi criada ao lado da diretora de Democracia em Vertigem por algum tempo. Claro que o acesso de Petra a Lula e Dilma no Palácio do Planalto em momentos cruciais do processo de impeachment e no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC no dia da prisão do ex-presidente não são fortuitos. Curioso mesmo é que Aécio Neves, parente da família de Petra, recusou-se firmemente a falar com ela ou dar depoimento ao documentário.
Tudo somado, assistir a visão de Petra Costa da história recente do Brasil é um exercício interessante tanto para quem comunga de suas ideias como para quem discorda da narrativa empregada. Analisando em termo técnicos, as imagens falam mais forte do que a narração, um pouco monocórdia da diretora, são imagens sempre fortes, impactantes.
Não vai ser fácil para o Brasil ganhar um Oscar em cima do casal Obama, que concorre com uma produção na mesma categoria, e se Petra for premiada, a polêmica vai ganhar ainda mais fogo, o que de certa forma seria engraçado. Hollywood “comunista”? A mesma que tanto premiou Clint Eastwood, um gênio e ícone conservador? Complicado. Mas #ficaadica para quem ainda não viu. Democracia em Vertigem é, sim, um bom documentário brasileiro e vale assistir no Netflix.
Por Luiz Antonio Magalhães em 1/2/2020.
Em um país polarizado como jamais esteve, o anúncio de que Democracia em Vertigem havia sido indicado para concorrer ao Oscar na categoria de documentário foi recebida pela esquerda como se o Brasil tivesse vencido a Copa do Mundo. Do outro lado do espectro político, obra e sua diretora, especialmente ela, Petra Costa, foram objeto de ataques e muita ironia, especialmente pelo fato da diretora ser filha de Marília Andrade, portanto da família que é sócia da construtora Andrade Gutierrez. “Deveria concorrer na categoria ficção”, tuitou o ministro da Educação.
Evidentemente, Democracia em Vertigem é um filme polêmico, pois conta a história recente do Brasil sob uma ótica particular, a da sua diretora, que acompanhou de perto os movimentos de rua de junho de 2013 e tudo que se sucedeu na política desde então, foco do documentário, em especial o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
Há diversos flashbacks para explicar o contexto em que se deu todo o processo político da redemocratização, ascensão do operário Luiz Inácio Lula da Silva e do PT no cenário eleitoral, as Diretas Já, primeiras eleições presidenciais, chegada dos tucanos ao poder após o impeachment de Fernando Collor e o curto – mais importante, pelo Real - governo de Itamar Franco, e os dois mandatos de Lula como presidente, mas o foco maior é mesmo nos anos que compreendem os dois mandatos de Dilma e sua derrocada, seguindo até a prisão de Lula, já durante o governo de Michel Temer. A Operação Lava Jato, claro, é outro tema de destaque do documentário.
A reação de integrantes do atual governo, dos tucanos e dos partidários de Temer sobre o documentário é compreensível porque Petra constrói uma narrativa engajada, com a tese de que Dilma e Lula foram vítimas de “golpes”, ela por um impeachment injustificado tecnicamente (o que carrega uma certa ingenuidade, uma vez que processos de afastamento são sempre políticos, Collor foi absolvido no Supremo das acusações que lhes foram impingidas, caiu por não ter suporte político no Congresso em um processo totalmente irregular, assim como a ex-presidente caiu por não ter votos para se sustentar); Lula pela prisão “arbitrária” e “perseguição” do juiz Sergio Moro, narrativa cara ao petismo até hoje.
O fato de haver uma linha narrativa engajada não impede que se possa reconhecer diversas qualidades no documentário. Em primeiro lugar, Petra é muito clara e sincera, não escondeu nem sequer as suas relações familiares e de amizade, ao contrário, fez delas o fio condutor do enredo do filme. Ou seja, Petra não engana ninguém, são seus olhos que nos guiam, os olhos de quem morou no exílio com a mãe, apresentada como militante da esquerda e filha de sócio de uma das maiores empreiteiras do país, a Andrade Gutierrez, envolvida na Lava Jato. Nada disto é omitido, ao contrário, é trazido ao público de forma bastante transparente.
Talvez o ponto mais alto do documentário derive justamente da condição de Petra, de sua proximidade com o ex-presidente Lula. Para quem não sabe, quando Lurian, filha do ex-presidente, foi exposta pela campanha de Collor às vésperas do segundo turno da eleição de 1989, foi na sequência morar em Paris com Marília Andrade, ou seja, foi criada ao lado da diretora de Democracia em Vertigem por algum tempo. Claro que o acesso de Petra a Lula e Dilma no Palácio do Planalto em momentos cruciais do processo de impeachment e no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC no dia da prisão do ex-presidente não são fortuitos. Curioso mesmo é que Aécio Neves, parente da família de Petra, recusou-se firmemente a falar com ela ou dar depoimento ao documentário.
Tudo somado, assistir a visão de Petra Costa da história recente do Brasil é um exercício interessante tanto para quem comunga de suas ideias como para quem discorda da narrativa empregada. Analisando em termo técnicos, as imagens falam mais forte do que a narração, um pouco monocórdia da diretora, são imagens sempre fortes, impactantes.
Não vai ser fácil para o Brasil ganhar um Oscar em cima do casal Obama, que concorre com uma produção na mesma categoria, e se Petra for premiada, a polêmica vai ganhar ainda mais fogo, o que de certa forma seria engraçado. Hollywood “comunista”? A mesma que tanto premiou Clint Eastwood, um gênio e ícone conservador? Complicado. Mas #ficaadica para quem ainda não viu. Democracia em Vertigem é, sim, um bom documentário brasileiro e vale assistir no Netflix.
Por Luiz Antonio Magalhães em 1/2/2020.
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