Pular para o conteúdo principal

Época: a aposta alta na legalização dos jogos no Brasil

Este blog é totalmente favorável à legalização do jogo no Brasil. Apenas Brasil, Cuba e Venezuela não permitem o jogo nas américas e, no mundo, só os países islâmicos nos acompanham. É uma completa perda de oportunidade, inclusive para incremento no turismo. Como reporta a revista, depois de sete décadas de proibição, o lobby do jogo ganha força, impulsionado pela possibilidade da volta dos cassinos. Íntegra do texto publicado nesta sexta, 21/2, abaixo:

Por Thais Arbex, Marco Grillo e Bruno Góes
Não funcionaram mais os cassinos”, estampou a manchete do jornal O Globo do dia 2 de maio de 1946, uma quinta-feira. “O decreto extinguindo o jogo em todo o território nacional, assinado na manhã de terça-feira, já à tarde aparecia no Diário Oficial, e, assim, entrava, automaticamente, em vigor. Por isso mesmo, os cassinos do Rio, por deliberação de seus diretores e obedecendo às determinações da lei moralizadora, já não funcionaram naquele dia”, informava o jornal. Passados quase 74 anos, e depois de muitas voltas na roda da fortuna, as portas dos cassinos nunca estiveram tão perto de ser reabertas no país, escancaradas por um movimento liderado por empresários do jogo, parlamentares e integrantes da cúpula do Executivo.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, já manifestou a pessoas próximas ser favorável à reabertura dos cassinos em resorts; o chefe da equipe econômica tem dito que, hoje, o Brasil tem todas as condições de abrigar os empreendimentos, abrindo as portas para atrair o turismo de luxo. A posição também é publicamente defendida pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e tem apoio do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e do presidente da Embratur, Gilson Machado — nome em alta no clã Bolsonaro e que lançou um plano mirabolante para alavancar o turismo no país, que apela a Sharon Stone e a aventuras de Mickey e Minnie pelo Brasil.
A pressão também alcançou o presidente Jair Bolsonaro. Em 2018, o então candidato chegou a dizer que os cassinos serviriam para “lavar dinheiro” e “destruir famílias no Brasil”. Depois da posse, procurou se distanciar do assunto, equilibrando-se para não contrariar os evangélicos, base essencial para sua sustentação política, e os empresários interessados em abrir cassinos no Brasil. No dia 1º deste mês, Bolsonaro foi questionado por um parlamentar, pelo WhatsApp, sobre sua opinião em relação ao tema. Uma nota publicada no site O Antagonista que levantava a hipótese de o presidente passar a encampar a proposta foi encaminhada a ele. Ao congressista, Bolsonaro disse que era contra o projeto e que não poderia ficar “o dia inteiro” desmentindo a imprensa. Apesar da negativa, um assessor direto do presidente afirmou que ele tem, agora, uma visão favorável à regularização dos cassinos.
A desconfiança sobre a posição de Bolsonaro ganhou força depois da ida do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) para Las Vegas e Miami, no mês passado. Flávio reuniu-se com representantes do setor, como o fundador do grupo Las Vegas Sands, Sheldon Adelson, que já manifestou publicamente o interesse em abrir cassinos integrados a resorts no Brasil. Deputados da bancada evangélica tentam, inclusive, pressionar a Igreja Batista, da qual Flávio é fiel, a enquadrar o senador.
Além de Flávio, também integraram a comitiva brasileira a Las Vegas e Miami o onipresente Gilson Machado, da Embratur, o senador Irajá Abreu (PSD-TO) e o deputado federal Hélio Lopes (PSL-RJ), além do lutador de MMA Vitor Belfort, embaixador do turismo do Brasil.
“Que alegria poder saber que em nosso corpo diplomático tem pessoas tão incríveis, competentes e de mente aberta. Um grande prazer discutir o futuro do Brasil com nosso cônsul-geral em Miami, embaixador João Mendes Pereira. Estamos juntos trabalhando para um novo Brasil!”, postou Belfort em seu perfil no Instagram, em 21 de janeiro.
A avaliação do grupo que viajou é a de que, se o país for capaz de montar um projeto “conservador”, e que feche as portas à lavagem de dinheiro, uma das principais críticas à legalização dos jogos, a opinião pública pode abraçar a ideia. É mais fácil no discurso do que na prática.
Adelson, o anfitrião do zero um no tour americano, é um velho conhecido do mundo político brasileiro. Dono de cassinos nos Estados Unidos, em Cingapura e em Macau, o empresário visitou o Brasil em 2018 — a indústria do jogo nutriu grande expectativa de que o governo de Michel Temer resolvesse de vez o assunto. A expertise do grupo comandado pelo bilionário é a construção de megacomplexos, reunindo cassino, hotel, restaurante e centro de convenções. A presença é intensa a ponto de um projeto em tramitação na Câmara ser chamado pelos detratores, ironicamente, de “Lei Sheldon Adelson”. “É um discurso sem nexo (a acusação de beneficiar o empresário americano)”, disse o deputado Paulo Azi (DEM-BA), autor do texto. “A gente não quer que nenhum empresário separe a área que ele deseja. O governo vai definir onde os cassinos vão ficar, avaliando as questões de infraestrutura”, argumentou o parlamentar. Ele se disse favorável a outras modalidades, como o jogo do bicho, mas acredita que a proposta dos cassinos tem mais possibilidade de criar o “entendimento” necessário no Congresso para a aprovação.
O ponto levantado pelo deputado dá uma ideia das várias faces da discussão. Além da legalização dos cassinos, abraçada por parte do establishment, a discussão sobre a regularização dos jogos abarca o jogo do bicho, os caça-níqueis e as loterias, que já são exploradas pelo Estado.
No Congresso, onde as apostas são altas, a alternativa já foi desenhada até pensando em possíveis vetos presidenciais: as modalidades de jogos foram divididas por capítulos, e podem ser excluídas sem interferir na essência da proposta.
O embate no Congresso se arrasta ao menos desde agosto de 2016, quando a comissão especial do Marco Regulatório dos Jogos aprovou um relatório que apoia a legalização das atividades de cassinos, jogos do bicho e bingos no país. O texto segue na gaveta. Além da oposição em peso dos evangélicos, também há divisões entre os apoiadores dos jogos. Rodrigo Maia, favorável aos cassinos, já chamou de “tiro no pé” o libera-geral e lembrou a íntima relação entre caça-níqueis e milícias no Rio de Janeiro.
Um dos articuladores do movimento pró-legalização e nome influente no Congresso, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) tem indicado nos bastidores que não se opõe caso o governo e o Congresso optem apenas pela liberação dos cassinos. Uma ala não admite, no entanto, que a proposta não passe na íntegra. Cita como exemplo o lobby dos comandantes do jogo do bicho e dos caça-níqueis. Esse grupo de parlamentares diz que, ao privilegiar o jogos em empreendimentos de luxo, o Legislativo permaneceria de olhos fechados para a expansão do crime, por meio de atividades clandestinas, nas regiões mais pobres.
Parte da discussão sempre se deu a partir da realidade de que o jogo é, na prática, liberado no país, e tem íntima ligação com o crime organizado e a lavagem de dinheiro. Basta ver a opulência das escolas de samba na avenida neste final de semana, boa parte delas financiadas pelo dinheiro do bicho — é a época do ano em que contraventores são tratados como figuras sérias, como se o crime fosse suspenso durante a folia.
Trazendo à tona estimativas extraoficiais, defensores da legalização apontam que só o jogo do bicho “emprega” mais de 400 mil operadores e apontadores. “O jogo do bicho, o samba e a cachaça são as únicas criações tipicamente brasileiras”, exagerou o deputado Bacelar (Podemos-BA), presidente da frente parlamentar que trata do tema e defensor do aval irrestrito para os jogadores. “O país joga na clandestinidade, e milhões de reais vão embora diariamente”, acrescentou, em referência à possibilidade de arrecadação com impostos. Nessa mesma matemática extraoficial, cerca de R$ 20 bilhões por ano poderiam ser arrecadados em impostos pelo governo.
Outro filão que na prática é legalizado é o das apostas esportivas on-line. Embora o marco legal tenha sido estabelecido no final de 2018, a regulamentação nunca saiu do papel. Em uma reunião no Brasil, representantes da bet365, uma das principais empresas da área, estimaram um faturamento de até R$ 8 bilhões por ano no país — o que leva o potencial do mercado brasileiro, em tese, para a casa dos R$ 16 bilhões, já que a companhia só atua em países onde consegue dominar ao menos metade do mercado.
 O senador Flávio Bolsonaro (o primeiro da direita para a esquerda), atualmente sem partido, foi um dos parlamentares que participaram do tour por Las Vegas e Miami. Foto: Reprodução
A maior parte nem se dá conta, mas essas apostas na prática não são regularizadas no Brasil. Os sites estão todos hospedados no exterior — Malta é o país mais procurado, mas também há operações sediadas em Liechtenstein, Gibraltar e Inglaterra, alguns dos destinos com tributação atrativa para as empresas de apostas. Os valores, enviados por meio de cartão de crédito internacional ou pré-pago, juntam-se aos gastos de milhões de apostadores em todo o mundo. Mesmo com essa gambiarra, a contabilidade extraoficial aponta que os brasileiros já gastam atualmente entre R$ 4 bilhões e R$ 6 bilhões em sites no exterior. Os sites de apostas patrocinaram 12 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro no ano passado, e foram responsáveis por 30% do contrato negociado pela CBF para a publicidade do torneio.
Para além do argumento de que os jogos impulsionariam a arrecadação, existe um estrago real provocado pelas apostas em ao menos duas frentes: a de saúde pública, com os dramas dos viciados que não conseguem ter uma relação apenas lúdica com a atividade; e a de combate à corrupção, por causa da facilidade para a lavagem de dinheiro do crime.
A começar por esse último problema, quem combate a corrupção sempre apontou os muitos caminhos para desvios. O procurador Deltan Dallagnol, da Lava Jato, exemplificou: os contraventores poderiam se beneficiar, por exemplo, comprando com dinheiro ilícito os prêmios de outros apostadores, pagando ágio — ao retirar a verba no caixa da casa de apostas, o recurso estaria legalizado.
O procurador José Augusto Vagos lembrou, em artigo, que a experiência da legalização dos bingos, entre os anos 1990 e o início dos anos 2000, mostrou que criminosos que já exploravam o jogo clandestino passaram a dominar a atividade, usando laranjas à frente das empresas. Nesse ponto, os defensores da legalização restrita a cassinos afirmam que o controle seria mais efetivo. “Não quero entrar na discussão sobre o outro modelo (da legalização irrestrita). A experiência mostra que o padrão dos cassinos em resorts é o mais bem-sucedido no mundo”, disse o deputado Herculano Passos (MDB-SP), citando o exemplo de Cingapura.
Os efeitos colaterais sociais são um dos principais argumentos da bancada evangélica, que atua quase em bloco contra a legalização dos jogos. Mas há surpresa. O debate pró-legalização ganhou o reforço improvável do prefeito do Rio, Marcelo Crivella. No equilíbrio entre permanecer ao lado de uma posição cara aos políticos evangélicos e a necessidade de atrair investimentos para a cidade e reforçar o caixa da prefeitura, Crivella ficou com a segunda opção. O prefeito tem linha direta com o bilionário Adelson e tenta convencê-lo a erguer um empreendimento na Zona Portuária do Rio — fontes do mercado pontuam que o empresário ainda prefere a Barra da Tijuca. Recentemente, Crivella defendeu que a autorização para apostar nos cassinos ficasse restrita aos estrangeiros. Nenhum modelo em discussão é capaz de agradar ao coordenador da Frente Evangélica no Congresso, o deputado Silas Câmara (Republicanos-AM). “Está errado o conceito (de Crivella). Vai começar assim (liberando para estrangeiros) e depois vai desandar. O argumento dos bons resultados econômicos também é equivocado, porque há uma série de gastos em decorrência do vício, corrupção e violência”, apontou o parlamentar que cita um estudo do economista Earl Grinols, para quem cada dólar arrecadado em Las Vegas com o jogo resulta em US$ 3 gastos com consequências sociais das apostas.
Passadas mais de sete décadas desde que o presidente Eurico Gaspar Dutra proibiu os jogos para coibir “abusos nocivos à moral e aos bons costumes”, as apostas nunca estiveram tão altas.

Na foto, o cassino da Urca, no Rio. Bons tempos.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe